Uma das marcas mais tradicionais e valiosas do mundo, a francesa Chanel anunciou o lançamento de uma nova plataforma de circularidade focada em transformar resíduos têxteis em matéria-prima.
A Nevold, abreviação para “never old” (“nunca velho”), tem operação independente focada em desenvolver insumos pós-consumo de alta qualidade, rastreáveis e em larga escala. O objetivo do centro de pesquisas é desenvolver soluções cada vez mais sustentáveis para o setor de luxo como um todo, não apenas o da moda.
Esse passo, segundo especialistas, pode ser considerado uma revolução. “É a iniciativa mais significativa que vi acontecer neste mercado, em mais de duas décadas atuando na área”, diz Alexandra Farah, jornalista de moda.
Dados da Unep (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) apontam que a indústria da moda é uma das mais poluentes, contribuindo com cerca de 10% do total global de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
A Chanel começou a investir mais fortemente em circularidade em 2019, mas nos últimos dois anos a urgência por soluções para suprir a demanda de matéria-prima de primeira linha – em especial cashmere, seda, lã e couro – aumentou.
“As mudanças climáticas são um risco importante para os negócios, condições climáticas extremas podem causar interrupções na cadeia de suprimentos da Chanel”, dizia o relatório de sustentabilidade do grupo em 2023.
“Uma das grandes dificuldades é separar as fibras, porque no geral há muita mistura nos fios, e conseguir remanufaturar as peças de roupas”, diz Claudia Castanheira, pesquisadora no Fashion Revolution Brasil, entidade que trabalha com transparência e sustentabilidade na moda. Para ela, há um desafio a mais no mercado de luxo. “O novo insumo pós-consumo precisa ser igualmente nobre, não pode perder em qualidade.”
Castanheira prevê que uma marca com o prestígio da Chanel investir em circularidade deve promover mudanças na percepção de consumidores e inspirar novas iniciativas no mercado. “Material reciclado ainda é visto, por muita gente, como algo inferior, de segunda mão, uma sobra. Porque de fato, na maioria das vezes, ele é mesmo mero resultado da falta de planejamento de uma cadeia ainda extremamente linear. É importante isso mudar.”
Até aqui, a maioria das iniciativas de sustentabilidade do mercado de luxo era considerada ação de marketing, sem grande escala e quase sempre com ação restrita à própria empresa. O grupo LVMH por exemplo, dono da Louis Vuitton, da Dior, da Givenchy e de outras 72 marcas, abriu em 2021 o ateliê Nona Source, que vende tecidos, fios e couros do seu deadstock para estilistas emergentes, por preços mais baixos. Deadstock (estoque morto) é todo item ou matéria-prima nunca vendidos ou utilizados na produção.
União de forças
Liderada por Sophie Brocart, ex-CEO da Patou (grife francesa do grupo LVMH), a Nevold é aberta para qualquer agente da indústria têxtil e de couro que queira participar da iniciativa. Três já aderiram. A L’Atelier des Matières, empresa independente também criada pelo grupo Chanel, recolhe produtos em fim de vida útil e separa todos os seus materiais por tipo. A Filatures du Parc é especializada em fios reciclados e a Authentic Material é uma startup de inovação focada no reaproveitamento do couro.
As pesquisas devem contar com parcerias com a Universidade de Cambridge, da Inglaterra, e do Instituto Politécnico de Milão, na Itália.
A Vogue Business definiu a Nevold “não como um experimento de design, mas uma operação comercial que sinaliza a estratégia de longo prazo da Chanel para controlar as próprias fibras e substratos que impulsionam a economia do luxo”.
Mas o plano é ir além de reaproveitar resíduos da própria Chanel e de fornecer matéria-prima para sua produção. A Nevold pretende comprar materiais de outras marcas e, assim, ampliar os negócios do grupo para uma posição também de fornecedor upstream (matérias-primas necessárias para a produção).
Pelas apostas dos especialistas do setor, é uma excelente estratégia, voltada para um futuro mais breve do que se imagina.