O lixo que sai da sua casa hoje tem um dos dois destinos: no melhor dos casos, um aterro sanitário e, no pior, o lixão. Das 800 milhões de toneladas de resíduos orgânicos gerados em um ano no Brasil, menos de 2% vai para a compostagem.
A startup Carrot.eco quer mudar esse cenário e fazer com que compostar seja mais barato que aterrar. A solução, segundo a empresa, é um modelo que une a tecnologia do blockchain para gerar créditos de carbono que vão remunerar todos os participantes da cadeia.
Ian McKee, CEO e co-fundador da companhia, acredita que a conta da coleta do lixo vai inevitavelmente recair sobre quem gera os resíduos. No Brasil, por enquanto, isso se aplica apenas aos grandes geradores.
“Isso vai mudar, só que o custo é muito alto”, diz McKee. “Para equacionar isso, precisamos criar um mercado, um ecossistema financeiro, que consiga fazer com que a parte econômica funcione para o todo e para todos em grande escala. E o crédito de carbono gerado pelo metano evitado é parte fundamental desse processo.”
Restaurantes, bares, shoppings e outros estabelecimentos que geram mais de um grande saco de lixo por dia precisam contratar empresas para coletar, transportar, tratar e dar um destino a seus resíduos.
A Carrot.eco desenvolveu uma metodologia para que cada um de seus participantes seja identificado e todo o processo digitalizado. Os composteiros (também chamados de “recicladores” pela startup), ponta final da cadeia, têm seus processos homologados pela empresa e precisam disponibilizar uma série de informações, como tipo de resíduo, pesagem, registros de geolocalização, tipos de veículos e sua identificação.
Esses dados são inseridos num blockchain, onde fica armazenado todo o caminho percorrido pelos resíduos e quem participou de cada etapa. Quando a parte final – a compostagem – é realizada, essa cadeia de dados serve de base para a emissão dos créditos de carbono.
Isso representa algumas vantagens importantes em relação aos créditos tradicionais, segundo McKee, que vão de um sistema automatizado e sem intermediários à garantia de remuneração dos envolvidos na cadeia dos resíduos orgânicos.
Desintermediação
Fundada no ano passado, a startup está trabalhando com oito pátios de compostagem que recebem o lixo de 1.880 empreendimentos. Até agora, foram rastreadas 32 mil toneladas de resíduos – cada pode corresponder de 0,9 a 2,7 toneladas de CO2 equivalente, a depender do tipo de resíduo e de onde o projeto é realizado, diz a empresa.
A Carrot.eco já gerou os primeiros créditos e está negociando suas vendas em operações de balcão.
A inovação tem menos a ver com a atividade que gera os créditos – evitar que o metano, um potente gás do efeito estufa, seja lançado na atmosfera – do que com a tecnologia que os viabilizam, diz McKee.
O tipo de ativo mais comum no Brasil envolve a proteção de florestas. Para emitir esse tipo de crédito de carbono são necessários estudos complexos, a preparação de um documento de mais de cem páginas, auditorias e, por fim, a certificação de uma entidade internacional, como a Verra.
Esse trabalho custa caro e é feito por companhias especializadas, que tipicamente ficam com uma fatia grande do dinheiro quando os créditos são vendidos.
A Carrot.eco quer cortar esse intermediário. Todo o processo de geração dos créditos acontece no mundo digital. Além disso, um conjunto de regras embutido no ativo – chamado smart contract – estabelece como será feita a divisão dos recursos.
No momento da venda, coletores, transportadores e composteiros recebem uma porcentagem do valor, que varia de 1% a 20%, a depender da localidade e das condições do procedimento.
Essa automatização do incentivo financeiro, segundo McKee, é a chave para garantir que os resíduos tenham o destino correto.
Existem ganhos também do lado do comprador, pois todas as informações são visíveis no blockchain, afirma ele. “No fundo, queremos trazer uma nova experiência, na qual o próprio comprador pode validar o crédito. Está tudo registrado, ele pode verificar a cadeia completa.”
E a adicionalidade?
Para entender as diferenças do crédito gerado pela diferença do crédito gerado pela Carrot.eco, é preciso relembrar algumas aulas de química.
Em um espaço como um aterro sanitário, os resíduos orgânicos sofrem degradação em um processo anaeróbico, sem oxigênio, que gera uma emissão de metano mais alta que em um ambiente aeróbico, com oxigênio.
Isso porque, no segundo caso, a presença do oxigênio faz com que haja mais moléculas de CO2 (dióxido de carbono) do que de CH4 (metano), o que resulta na diferença de emissões dos dois processos.
O metano é um dos mais potentes gases causadores do efeito estufa: nos primeiros 20 anos, seu poder de reter o calor na Terra é 80 vezes maior que o do dióxido de carbono.
Para contabilizar os gases que deixaram de ser emitidos, a Carrot.eco usa a metodologia desenvolvida pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU para compostagem de resíduo urbano em pequena escala.
O total de créditos que serão emitidos é calculado contra uma linha de base: se o lixo fosse para o destino tradicional naquela região, o que aconteceria? Ele acabaria num aterro com queima, num aterro sem queima do metano ou num lixão a céu aberto?
As toneladas de emissões evitadas correspondem aos créditos de carbono gerados no projeto.
“Esse standard já existe, mas é pouco usado pela questão do custo”, afirma McKee. Ele afirma que as coisas só vão mudar quando a compostagem for o caminho mais lógico e econômico a se seguir.
Além da receita com o carbono, a compostagem também resulta em um adubo de alta qualidade, que permite menor uso de pesticidas e de água, por exemplo, e fecha o ciclo de vida do alimento.
Os pormenores
O negócio de aterros, principal alternativa do mercado brasileiro, é a opção mais barata (e legalizada) de lidar com a emissão de metano.
Mas para evitar essa geração, há outras soluções como o biodigestor, o waste-to-energye a compostagem em si.
Por ora, a Carrot.eco não pretende submeter seus créditos a um certificador como a Verra ou a Gold Standard.
Eles são negociados no chamado mercado voluntário, em que empresas decidem compensar suas emissões mesmo sem obrigações regulatórias. Pela própria natureza dessas transações, o “selo de qualidade” das certificadores pode ser desejável, mas não é obrigatório.
McKee aposta que a transparência intrínseca dos créditos que já nascem no blockchain, com registros detalhados de tudo o que representam, é em si uma segurança para os compradores.
O CEO afirma que, graças à digitalização, eventuais irregularidades também podem ser rastreadas com facilidade – não apenas o ator responsável será penalizado, como toda a cadeia da qual ele faz parte.
“Isso vai fazer com que todo mundo tome muito cuidado e melhore a qualidade dos dados que estão sendo colocados ao longo do tempo, para garantir o seu percentual de crédito”.
Os composteiros parceiros, ponta final do negócio, são homologados e auditados ao menos uma vez a cada 12 meses, com possíveis verificações avulsas a qualquer momento.