Alcoa testa resíduo para despoluir cimento

Projeto piloto com a Intercement testa resíduos da mineração da bauxita como insumo que pode ajudar a reduzir a pegada climática das cimenteiras

Retroescavadeira da Alcoa na planta de Juruti, no Pará
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Correção – A versão original desta reportagem afirmava que os resíduos de mineração ajudariam a reduzir as emissões de CO2 na produção de cimento. A informação estava errada, e pedimos desculpas. O material diminui o lançamento de óxidos de enxofre, um poluente do ar associado a problemas de saúde, mas que não é causador do efeito estufa.

Poços de Caldas, MG* – A cada tonelada de alumínio produzida, sobram outras duas toneladas de resíduos da mineração da bauxita. Tradicionalmente, esse material é depositado em barragens, uma operação custosa e que envolve potenciais riscos ambientais.

A Alcoa, uma das maiores empresas de alumínio do mundo, quer transformar o descarte em produto. A ideia é que os resíduos possam ajudar a resolver um dos problemas de poluição da indústria do cimento. 

A mineradora americana fechou uma parceria com a Intercement, do grupo Mover (ex-Camargo Correa), para que os resíduos de sua planta de Poços de Caldas (MG) sirvam de matéria-prima para a produção de cimento.

“O nosso produto já foi estudado e agora está sendo validado e testado industrialmente”, diz Lívia Mello, gerente de reúso de resíduos da Alcoa Brasil.

Além do CO2, um dos gases causadores do efeito estufa, uma fábrica de cimento emite óxidos de enxofre, um poluente que pode provocar ou agravar doenças respiratórias e outros problemas de saúde.

A adição dos resíduos da bauxita, por conta da alta concentração de soda cáustica, ajuda a “capturar” parte do enxofre que seria lançado na atmosfera, explica Mello.

Caso o piloto seja bem-sucedido, a Alcoa vislumbra ganhos também em sua operação. Além das receitas com a venda dos resíduos, a empresa vai aumentar a vida útil do pátio que hoje recebe os resíduos.

O modelo de negócios ainda precisa ser desenhado, e o principal entrave é logístico. A Intercement conduz os testes com resíduos que viajaram 800 km entre Poços de Caldas e sua planta de Cezarina, em Goiás. 

Cezarina foi escolhida por já ter a licença necessária para manusear o resíduo e ser uma das unidades da Intercement com aplicações de transição energética. 

Mello afirma que a conta não fecha se a distância for maior que 225 km. Mesmo assim, a iniciativa é importante pois abre portas para a Alcoa se aproximar de outras cimenteiras. “A própria Intercement já sinalizou a possibilidade de usar o resíduo em outras plantas mais próximas de Poços.” 

O diretor de operações da Alcoa em Poços de Caldas, Fabio Martins, é mais cauteloso ao tratar dos números. “Precisamos ainda mensurar o valor desse material para o mercado. Vamos esperar os testes serem finalizados, comprovar a utilização e quais os ganhos.” 

As 5 mil toneladas usadas no piloto correspondem aos resíduos gerados em uma semana pela unidade. Mundialmente, estima-se que os resíduos de bauxita somem 150 milhões de toneladas.

Martins afirma que, além dos experimentos com reúso pela indústria cimenteira por aqui, há outras iniciativas. Na Austrália, por exemplo, a Alcoa testa o material em pavimentação e como insumo de fertilizantes. 

O problema das barragens

A iniciativa só é possível porque a indústria mineradora, por força de lei, tem mudado a forma como lida com seus resíduos depois dos rompimentos de barragens da Vale e da Samarco em Brumadinho e Mariana, também em Minas Gerais. 

Em 2020, entrou em vigor a nova Política Nacional de Barragens, que proíbe a construção das barragens “a montante”, em que o rejeito é depositado em camadas e depende da auto sustentação.

Há pouco mais de um ano, a Alcoa investiu R$ 330 milhões em um sistema que permite que a operação de Poços de Caldas faça todo o empilhamento a seco dos resíduos de sua refinaria, um modo de descarte mais seguro que as barragens úmidas.

O processo de refino do minério de bauxita resulta na alumina (hidróxido de alumínio) e uma lama vermelha residual. Essa lama passa por um processo de filtragem: a água é reaproveitada na própria planta, e os restos secos são compactados e descartados em uma área vizinha. 

É esse o material que a empresa quer transformar em mais um produto da unidade, além da alumina não metalúrgica, hidróxido de alumínio e pó de alumínio, que têm aplicações diversas – como em pastas de dente, espumas de colchão, retardante de chamas e combustíveis.

O outro foco da empresa é a descarbonização, afirma Martins. A planta de Poços adquiriu neste ano duas caldeiras elétricas para o processo de calcinação da bauxita, com as quais realiza 85% do processo. As antigas, que queimavam a gás natural, emitem quase seis vezes mais CO2, segundo a empresa. 

*A repórter viajou a convite da Alcoa.