Um dos principais desafios ambientais da indústria de moda é o que fazer com a montanha de roupas e sapatos que deixam de ser usados e vão parar em aterros sanitários ou são incinerados todos os anos.
Por isso, para fazer um tênis 100% reciclável, a On Running não teve que investir apenas em novos materiais – mas sim apostar num novo modelo de vendas.
No mês passado, a companhia suíça, que tem o tenista Roger Federer entre seus sócios, começou a vender o Cloudneo, seu novo modelo que pode ser reciclado da sola ao cadarço, apenas por assinatura.
Disponível num primeiro momento somente nos Estados Unidos, os interessados pagam US$ 29,99 por mês e, quando quiserem, podem receber um novo par, desde que mandem os antigos de volta pelo correio.
O modelo de ‘sneaker as a service’ é, claro, também uma forma de garantir a fidelidade dos clientes – que sempre podem escolher outra marca na hora de ir às compras.
Mas, mais do que isso, é uma maneira de garantir matéria-prima para novos sapatos, reduzindo o lixo.
Como é fabricado o Cloudneo
Sapatos, especialmente aqueles de alta tecnologia como os tênis de corrida, normalmente são construções complexas de vários materiais colados e costurados.
Em teoria, alguns desses materiais isolados até podem ser reciclados, mas, na prática, acaba sendo inviável separar todas as partes para levá-las para reciclagem.
A solução da On foi fazer todo o tênis de um tipo de plástico que pode ser derretido de volta para seu estado original, e que pode ser reciclado sem ser desmontado.
O desafio foi reduzir a complexidade do novo modelo, garantindo o conforto e a performance na corrida.
O resultado é um tênis quase espartano.
São nove peças de material, versus as dúzias encontrados na maior parte dos tênis de corrida. Para evitar a contaminação do plástico pela tintura, o Cloudneo só vem na cor branca.
O bioplástico que serve de matéria-prima é uma poliamida batizada de Pebax Rnew, feita do óleo de mamona e produzida pela química francesa Arkema.
Para substituir o EVA usado nas entressolas de tênis de corrida, os designers experimentaram diferentes combinações de calor e pressão para moldar uma espuma elástica do novo material.
Os fios que formam o tecido do tênis vêm de outra configuração do mesmo plástico. Diferentes padrões de costura criam variações de maciez e elasticidade.
Como o tênis é reciclado
Os tênis antigos que forem mandados de volta pelos consumidores vão para armazéns até formarem um volume suficiente para serem embarcados para a Itália, onde a planta de reciclagem da Arkema vai limpá-los e transformá-los de novo em plástico.
Assim como nos tênis tradicionais, a montagem do Clouneo ainda envolve um périplo pelo globo.
O material reciclado precisará ser complementado com matéria-prima. A produção do tecido e da espuma dos tênis a partir do bioplástico será feita em fábricas na China e na Tailândia, que, em seguida, vão para o Vietnã para montagem.
O processo de reciclagem não foi testado em capacidade completa.
A estimativa da On é que, nesta etapa inicial, um par do Cloudneo gere 20% a 30% menos dióxido de carbono na fabricação do que um par de seus tênis típicos.
Mas o benefício tende a aumentar se a proporção de material reciclado crescer ao longo do tempo.
Para fazer efetivamente a roda da economia circular girar, o sucesso do modelo depende de vários pontos de interrogação.
Primeiro, se as pessoas vão aderir ao novo modelo e quanto tempo elas vão levar para trocar seus pares.
O público-alvo são os corredores de alta performance, que acabam usando vários tênis por ano. A On recomenda que os tênis sejam trocados a cada 600 km ‘rodados’.
Outro ponto é se os consumidores vão resistir aos lançamentos dos produtos dos concorrentes – ou se o apelo ambiental vai se sobrepor à questão de ter um tênis sempre igual.
Balão de ensaio
Com 10 mil pares inicialmente disponíveis, o Cloudneo é um lançamento pequeno para a On, que produz mais de um milhão de pares de tênis por mês. Listada na Nasdaq, a companhia faturou US$ 750 milhões no ano passado.
Mas, ao Wall Street Journal, o fundador da On, Caspar Coppetti disse que os esforços de reciclagem da companhia vão além desse projeto – e que a ambição é que 90% de seus produtos entrem no modelo de logística reversa, em que voltam para a companhia para reciclagem.
“É muito difícil estipular um horizonte para isso, mas essa é nossa ambição. Antes do fim da década parece uma meta realista”, afirmou.
Segundo ele, a companhia está aplicando lições do Cloudneo em outros designs, e quer começar a reciclar alguns produtos regulares no próximo ano.