Sete tendências do ESG em 2022 (e o risco de fadiga)

Sete tendências do ESG em 2022 (e o risco de fadiga)
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A pandemia trouxe o ESG para o mainstream econômico em 2020 e, em 2021, a agenda continuou acelerando – tanto entre investidores quanto nas empresas.

Mas o que esperar de 2022? Há espaço para mais avanços?

Para apontar tendências – e riscos – no ano que começa, a reportagem consultou seis especialistas: Carlo Pereira, diretor do Pacto Global da ONU no Brasil; Gustavo Pimentel, sócio da consultoria Sitawi; Maria Eugenia Buosi, CEO da consultoria Resultante; Rodrigo Tavares, CEO do Granito Group; e Sonia Consiglio Favaretto e Tarcila Ursini, especialistas em sustentabilidade e integrantes de conselhos de administração.

As contribuições foram múltiplas e bastante variadas. Compilamos as de maior consenso a seguir:

Peneira anti-greenwashing nos fundos….

Que a Europa é o berço dos investimentos com filtro ESG todo mundo que já pesquisou sobre o assunto sabe. Mas nos últimos anos o volume de ativos com abordagens ESG no velho continente encolheu em alguns trilhões. Seria o ocaso do ESG? O estouro da bolha profetizado por alguns?

Nada disso. “A resposta é a adoção da Sustainable Finance Disclosure Regulation, que harmonizou critérios na Europa para rotular investimentos ESG, levantando o sarrafo geral”, diz Gustavo Pimentel.

O especialista prevê que em 2022 o Brasil veja movimento semelhante.

“A nova norma da Anbima de classificação de fundos ESG ou sustentáveis, inspirada na SFDR, estabelece prazo de adequação aos fundos que usam sufixos como ESG, verde, sustentável, impacto, etc. Parte dos poucos bilhões de ativos com abordagens ESG vão sumir durante o ano, para talvez reaparecer a partir de 2023 e 2024, quando as gestoras refinarem e formalizarem suas metodologias.”

….e nas empresas (com transparência e dados comparáveis)

“Depois de três anos de revolução nos aspectos ambientais, sociais e de governança no mundo corporativo (pelo menos no discurso), veremos em 2022 maior consolidação do ESG no Brasil e no mundo, numa espiral positiva e poderosa com a crescente cobrança da sociedade”, diz Carlo Pereira. “As empresas terão que mostrar metas claras, baseadas na ciência e lastreadas por planejamento estruturado de longo prazo, mas, também, de curto e médio prazos.”

Na era da informação, diz Tarcila Ursini, as empresas serão cada vez mais cobradas por dados consistentes, comparáveis, confiáveis, materiais e com base em ciência.

“Na sopa de letrinhas da sustentabilidade empresarial, há um enorme esforço global de organizações, como IFRS, SASB, GRI, TCFD e CDP, por exemplo, para criar padrões internacionais. Embora desafiadora, a evolução com métricas comparáveis, verificáveis, mensuráveis, que sejam materiais para cada negócio e setor, é uma realidade necessária que já bate à nossa porta”, diz ela.

Para Sonia Favaretto, a governança das empresas em torno do tema também tende a ficar mais robusta. “Uma tendência que começou em 2021 e deve se acelerar em 2022 é a criação de comitês de sustentabilidade para assessorar o conselho de administração.”

O net zero também sob escrutínio

Depois de todas as promessas de net zero feitas em 2021, 2022 será a hora de explicitar e concretizar o caminho para alcançar as metas anunciadas, diz Sonia Favaretto. “E esse caminho passa, necessariamente, por inovação. Muito do que foi anunciado pelas empresas para o futuro conta com tecnologias que ainda não existem ou estão em fase inicial. Será preciso acelerar esse desenvolvimento.”

Maria Eugenia Buosi diz que as empresas serão cobradas a demonstrar como atingirão suas metas de descarbonização por pressão do mercado e dos investidores, que começam a medir a pegada de carbono dos seus portfólios e devem utilizar essas informações no seu processo de análise e gestão de ativos de forma crescente.

A agenda climática finalmente entrou no mainstream brasileiro em 2021, diz Gustavo Pimentel. “As novas regulações ESG do setor financeiro, incluindo Banco Central e CVM, já especificam o clima como tema material, retirando-o de dentro da vaga expressão ‘socioambiental’ ou ASG. A iminência dos riscos climáticos de transição, como a precificação do carbono, também impulsionam os agentes econômicos a internalizar a variável clima.”

Barreiras às exportações brasileiras

A emergência climática é o maior desafio do nosso tempo e, em especial no Brasil, está fortemente conectada ao desmatamento. 

“Casos como o boicote à carne brasileira, anunciado em dezembro por supermercados europeus, tendem a ser cada vez mais frequentes. A competitividade baseada na destruição está com os dias contados, e sairão na frente aqueles que liderarem a economia regenerativa”, diz Tarcila Ursini. 

A especialista diz que será crescente a exigência para que as empresas tenham total visibilidade de suas cadeias produtivas. Com rastreabilidade de ponta a ponta, o que significa uma estratégia climática com inventário completo de carbono (escopos 1, 2, 3), de preferência auditados. “Empresas com atuação no bioma amazônico têm o desafio adicional de criar mecanismos de atuação ainda mais sustentáveis em uma região que desperta o olhar vigilante de todo o mundo.” 

“Os setores relacionados a sistemas alimentares têm uma grande oportunidade e, ao mesmo tempo, serão enormemente pressionados. Na cozinha da opinião pública, não é apenas a batata do setor de combustíveis fósseis que está assando”, diz Carlo Pereira.

Além de um aumento de barreiras não-tarifárias em commodities que têm relação direta ou indireta com o desmatamento, Maria Eugenia Buosi avalia que produtos brasileiros com intensa emissão de CO2 também poderão ser afetados, como cimento, ferro e aço, conforme avança a regulação dos mercados de carbono mundo afora.

O ESG chega às pequenas e médias

A agenda ESG chegou pelo topo da cadeia alimentar corporativa, com as grandes empresas. Mas, seja pela pressão das corporações sobre seus fornecedores ou pelo buzz em torno do tema, isso começa a mudar.

“O entendimento de que a sustentabilidade não depende do tamanho da empresa vem aumentando. É muito claro o interesse de pequenas e médias empresas no tema e isso na maior parte das vezes vem da liderança”, diz Sonia Favaretto.

“O tecido corporativo brasileiro é composto em 99% por empresas de porte reduzido. Para essas, a sustentabilidade ainda é um tema distante e intimidatório. Porém, em breve, com a influência de federações de comércio, sindicatos e bancos, as pequenas empresas serão encorajadas a dar pequenos passos em direção à sustentabilidade”, diz Rodrigo Tavares. 

O ‘S’ no centro

A inclusão social, o combate às desigualdades e o racismo estarão na pauta do dia em 2022, na visão de Tarcila Ursini.

“Esses são temas urgentes para uma agenda ESG integrada que fomente a competitividade brasileira. As empresas serão cada vez mais cobradas por práticas sociais responsáveis. Já não basta gerar emprego e renda: é preciso inserir-se de fato no contexto social brasileiro, é necessário intenção.”

Tanto ela quanto Carlo Pereira enxergam uma forte conexão do tema social com a agenda climática. “Os fóruns internacionais sempre relegaram a segundo plano o impacto desproporcional dos eventos climáticos extremos sobre populações vulneráveis, a dificuldade para a transição para uma economia de baixo carbono pelos países em desenvolvimento e o papel nas negociações dos povos originários”, diz Pereira. “Ao longo de 2022 e na COP27, veremos uma discussão menos carbonocêntrica e com mais foco na biodiversidade e nas pessoas, que estão sendo deixadas para trás.”

Diversidade na frente

Se na agenda ambiental o clima é protagonista, na agenda social a diversidade cumpre esse papel. 

“Apesar do clamor por uma atuação do setor privado que ajude a reduzir as desigualdades sociais, o tema é complexo e requer mudança de modelo de negócio ou atuação conjunta com políticas públicas”, diz Gustavo Pimentel. Já a agenda da diversidade seguirá evoluindo mais rápido porque é algo que está ao alcance das empresas. “E beneficia o business case ao aumentar o pool de talentos. Mas a agenda racial continua sendo mais desafiadora do que a de gênero e LGBTQIAP+.”

Nessa frente, Sonia Favaretto acredita que em 2022 veremos mais mulheres nos postos de liderança. “Podemos constatar o constrangimento de uma empresa quando seu conselho de administração só conta com homens, ou mesmo com poucas mulheres. Isso se aplica também à alta liderança executiva.”

O perigo da fadiga

Tanto no setor financeiro quanto nas empresas, há um risco de que o ESG perca o gás, alertam os especialistas.

“Embora a agenda ESG das empresas tenha decolado, ainda falta aterrisar”, diz Maria Eugenia Buosi. “Ouvimos muitas empresas dizendo que ‘são’ ESG, como se fosse um estado de espírito. ESG é prática, ação, envolve integração transversal e sponsorship da governança. São poucas as empresas que contam com um posicionamento estratégico no tema, que integram riscos ESG à matriz de riscos corporativos e conhecem verdadeiramente o impacto e as externalidades dos seus produtos e serviços.”

“No mercado financeiro brasileiro, ESG entrou mais forte em 2021 do que saiu”, diz Rodrigo Tavares. “Nos primeiros 6 meses houve uma grande agitação em torno do ESG, mas continuam a ser muito poucas as organizações financeiras que estão equipadas para integrar políticas, práticas e dados ESG de forma sistêmica, organizacional e processual. A maioria dos family offices e fundos de pensão continuam alheios às práticas e muitos gestores de fundos optam por lançar produtos ESG ou atribuir percentagens de portfólios para produtos ESG sem que haja uma reestruturação interna da organização.”