Diversas empresas vêm assumindo compromissos de aumentar o percentual de mulheres, seja no quadro geral de funcionários, seja nos cargos de liderança.
Mas as barreiras que as mulheres ainda enfrentam no mercado de trabalho — sejam elas escancaradas ou, como na maioria das vezes, sutis — mostram que nem só de recrutamento e metas quantitativas são feitas as políticas de diversidade. É preciso pensar em ambientes capazes de reter e desenvolver essas colaboradoras.
Garantir representatividade para que as mulheres possam ser ouvidas, estabelecer políticas objetivas de promoção para reduzir os vieses inconscientes e criar políticas para que a licença-maternidade não seja mais vista como um problema estão entre as principais transformações a serem encaradas, apontam especialistas.
Ao longo da carreira como executiva no mercado financeiro, com passagens por empresas como Citibank, ABN Amro Bank e Bank of America Merrill Lynch, Andrea Chamma se acostumou a ser a única mulher em meio a uma maioria de executivos homens.
“No começo, eu falava pouco, mas depois de um tempo comecei a me soltar e a expor as minhas opiniões”, afirma. “Nem todas as mulheres se sentiam confortáveis para fazer o mesmo.”
Enquanto minoria, elas têm medo de serem interrompidas ou simplesmente de não terem suas ideias consideradas. Estudos mostram que o cenário só começa a mudar de fato quando mulheres correspondem a 30% do grupo.
Esse número é repetido quase como um mantra pelas consultorias de diversidade, que afirmam que, com esse mínimo, o contexto passa a ser, de fato, um pouco mais diverso e colaborativo.
Uma pesquisa recente realizada pela McKinsey & Company com 64 mil colaboradores na América do Norte mostra que 20% das mulheres eram as únicas do seu gênero no ambiente de trabalho. Entre as mulheres negras, o número subia para 45%.
“Se não há um mínimo de diversidade, a mulher não vai conseguir abrir a boca para falar ou vai precisar se masculinizar para ser aceita”, diz Margareth Goldenberg, CEO da consultoria em diversidade que leva o seu nome e gestora executiva no Movimento Mulher 360, que reúne mais de 80 empresas pela diversidade de gênero.
Licença-maternidade…
Talvez o maior tabu envolvendo a ascensão feminina no mercado de trabalho ainda seja a maternidade.
Uma pesquisa da FGV dá o tamanho do problema: metade das brasileiras é demitida ou pede demissão até dois anos após a licença-maternidade. Isso acontece porque muitas se sentem boicotadas em seus locais de trabalho, com chances reduzidas de subir na carreira, depois de tirarem a licença para cuidar de seus bebês.
“Elas não veem alternativa dentro do mercado e acabam empurradas para o empreendedorismo. Isso gera uma grande perda econômica, inclusive para a empresa, que investiu nessa profissional”, afirma Georgia Bartolo, sócia-fundadora da Warana Treinamentos, especialista em políticas de gênero e diversidade.
Para evitar que isso aconteça, o planejamento da licença deve começar antes do afastamento e considerar quem vai ocupar o lugar da profissional naquele período. O ideal, diz Goldenberg, é que não seja a pessoa que ocupa o posto inferior na hierarquia da empresa.
“Algumas empresas, como a Natura, têm gerentes itinerantes, que ocupam esses lugares em várias equipes. Isso diminui a concorrência e o medo das funcionárias em licença de perder a vaga para quem estará no seu lugar nesse período”, afirma a consultora.
Outro ponto importante é adotar um cálculo diferenciado para avaliação de desempenho de mulheres que tiveram filhos. “Se a conta é a mesma para homens e mulheres e não descarta o período de licença, fica parecendo que ela foi menos produtiva, o que não é verdade”, explica.
Horários flexíveis e trabalhos por tarefa, e não por horário, também facilitam a retenção de mulheres pós-licença.
… e paternidade corresponsável
As diferenças de gênero diminuem em empresas que adotam licença-paternidade estendida, fazendo com que o período fora da empresa não seja visto como um problema das mulheres.
Essa é a política adotada pela Diageo, que tem licença familiar de seis meses, com a manutenção de salários e benefícios, para todos os colaboradores que gestaram ou que adotaram seus filhos. A medida também se aplica aos casais homoafetivos.
Apesar disso, a diretora de recursos humanos da Diageo no Paraguai, no Uruguai e no Brasil, Maria Gabriela Herrera, conta que muitos homens tiveram medo de usar o benefício.
“No início, muitos pais externalizaram suas dúvidas sobre tirar a licença, alegando questões como o receio sobre como seria sua avaliação anual, se teriam o cargo no retorno. Temiam perder oportunidades de carreira”, conta.
A saída do RH foi realizar treinamentos com pais e lideranças para tirar as dúvidas, mostrar os benefícios e até discutir como eles poderiam colaborar em casa nesse período. “A licença-familiar ajuda a eliminar a barreira na contratação de mulheres e leva ao aumento dos índices de engajamento interno”, afirma Herrera.
Além do RH
Outra falha comum no planejamento das políticas de diversidade é que elas sejam desenvolvidas pelo RH, sem envolver diretamente lideranças e outras áreas da companhia.
Para ampliar esse escopo, grupos de afinidades com mulheres de diversos setores e cargos podem contribuir para identificar problemas comuns e buscar soluções corporativas. Mas não é só isso.
“Os tomadores de decisão, que são CEOs e diretores, têm que fazer parte e saber da importância da inclusão da diversidade para os resultados da empresa, ou então o programa acaba ficando na gaveta”, diz Anna Maria Guimarães, co-chair do 30% Club Chapter Brazil, um movimento que busca aumentar o número de mulheres em conselhos executivos das empresas (a ideia é levá-los ao patamar mínimo dos fatídicos… 30%).
Para que os homens façam parte da mudança, especialistas citam duas medidas que podem ajudar no engajamento de lideranças: torná-los mentores de mulheres com potencial de crescimento na companhia e atrelar bonificações a metas de aumento da contratação e da retenção de mulheres na equipe.
“Toda vez que um homem mentora uma pessoa de um grupo sub-representado contribui para mudar a cultura da companhia, porque mentoria é troca, é uma via de mão-dupla”, diz Bartolo, da Warana Treinamentos.
Critérios objetivos de promoção
De acordo com o estudo “Women in the Workplace”, da LeanIn.Org em parceria com a McKinsey, homens são promovidos 30% mais que as mulheres ao longo da carreira. Além disso, elas recebem feedbacks informais com menos frequência do que os homens e têm menos acesso a lideranças de nível sênior na companhia.
O resultado é que muitas sentem que, pelo simples fato de serem mulheres, são reduzidas as chances de progredir na carreira.
A saída, dizem as especialistas, é estabelecer regras mais claras de promoção.
Isso pode ser feito, por exemplo, a partir de comitês (formados metade por homens e metade por mulheres) que estabeleçam, com isonomia, critérios padronizados.
“Esses pontos precisam ser descritos objetivamente para cada cargo e função, valorizando mais o talento e a competência do que a capacidade de autopromoção. Além disso, o RH tem o papel de questionar as decisões e fazer com que a liderança saia do piloto-automático”, afirma Bartolo.
E quando elas chegam ao topo
As empresas precisam valorizar diferentes tipos de liderança, entendendo que homens e mulheres podem realizar as mesmas funções com habilidades distintas.
“Há um estereótipo muito masculino de liderança, e as mulheres que não se encaixam em um estilo mais agressivo acabam sendo punidas por isso, passam a ser questionadas como gestoras”, diz Regina Madalozzo.
Além disso, as especialistas apontam que é importante criar programas de treinamento para ajudar a desconstruir a chamada síndrome de impostora — em que a mulher duvida de suas realizações e tem receio de ser exposta como uma fraude — e colaborar para que as lideranças feministas desenvolvam e mostrem suas habilidades.
Anna Maria Guimarães ainda destaca que homens e mulheres podem colaborar indicando mulheres para altos cargos executivos e conselhos executivos – uma forma de alcançar os desejados 30% e tornar os ambientes corporativos mais receptivos à diversidade.
“Uma conselheira pode sempre indicar uma mulher como suplente. Somos muito poucas, tem muita mulher competente e essa é uma forma de aumentar a nossa participação”, diz Guimarães.