Após captar US$ 400 milhões numa emissão de bônus sustentáveis no começo do ano, o Mercado Livre está começando a colocar o dinheiro para trabalhar.
Líder em ecommerce no país, a plataforma anunciou o investimento de R$ 45 milhões para regeneração e reflorestamento de duas áreas de Mata Atlântica, que somam ao todo 3000 hectares: uma na Serra da Mantiqueira, em parceria com a The Nature Conservancy, e outra no Pontal do Paranapanema, no Oeste paulista, em conjunto com o Instituto de Pesquisas Ecológicas.
Os projetos são o primeiro passo de um programa mais ambicioso da empresa, batizado de Regenera América.
Em vez de comprar créditos de carbono já emitidos para compensar sua pegada de emissões, o Mercado Livre optou por financiar diretamente projetos de regeneração de vegetação em biomas icônicos da América Latina para compensar sua pegada de carbono.
“Nesses anos iniciais, achamos que era mais a nossa cara financiar os projetos que vão ser os grandes geradores de crédito de carbono do futuro. Nos pareceu uma abordagem muito mais mão na massa e mais tangível neste momento”, disse o CFO do Mercado Livre, Pedro Arnt, em entrevista ao Reset.
Ele não descarta recorrer ao mercado de créditos em algum momento, mas como opção adicional.
A estratégia vem num momento em que o Mercado Livre cresce em velocidade exponencial, com o valor de mercadorias vendidas através da plataforma quase dobrando no Brasil ano a ano.
Ao mesmo tempo, a empresa aposta cada vez mais em uma infraestrutura logística própria para atender os consumidores e fazer frente à forte competição pelos melhores níveis de serviços e prazos de entrega. Hoje, cerca de 90% das vendas feitas na plataforma contam com estrutura própria de entrega da companhia, da primeira à última milha.
Ainda que esteja longe do perfil intensivo em carbono de grandes vilões do aquecimento, como a energia e a indústria pesada, a transformação logística, acelerada no último ano, se traduziu numa pegada de carbono quase cinco vezes maior que a do ano anterior: 792 mil toneladas equivalentes de CO2.
Na prática
O valor investido em reflorestamento e regeneração é proporcional à pegada de carbono da companhia em 2020, incluindo tanto as emissões geradas na operação própria quanto na cadeia de fornecimento (escopos 1, 2 e 3).
Para chegar ao orçamento, a empresa buscou como referência o preço do carbono no mercado voluntário, tentando estimar quanto gastaria se fosse fazer uma compensação imediata de todas as emissões de 2020. Chegou a um valor de US$ 10 por tonelada de CO2 equivalente.
O plano da empresa é, a cada ano, refazer esse cálculo para definir o valor dos investimentos do ano seguinte.
“Como nossa pegada vai continuar crescendo, o investimento calculado com base na pegada deveria nos permitir continuar investindo nesses projetos e também começar a investir em outros projetos, seja no Brasil, no México, no Chile, na Argentina”, explica Arnt.
Num mercado que ainda está sendo desbravado, os cálculos também devem ser refinados, saindo da planilha para a vida real. “Conforme os projetos forem avançando, o número que vamos usar é o custo real de geração de créditos a partir de todos esses projetos que estamos gerando na região”, explica o CFO.
Na prática, os projetos de regeneração não permitem uma compensação imediata das emissões, mas sim no longo prazo. Grosso modo, os créditos de carbono, certificados por verificadoras internacionais, vão sendo gerados progressivamente, de cinco em cinco anos, ao longo de um prazo de 25 anos, conforme as árvores vão crescendo e capturando o carbono.
Mas os benefícios vão além do carbono.
“O setor privado tem um papel importante de financiar e apostar nesses projetos de restauração e regeneração. Além de gerar créditos de carbono lá na frente, eles têm todo um efeito sobre biodiversidade, rios e nascentes, além de produtos de arranjos agroflorestais advindos dessa restauração”, diz Rodrigo Spuri, diretor de conservação da The Nature Conservancy.
Ligado no 220V
Para além da compensação das emissões, o Mercado Livre vem trabalhando numa outra agenda de médio prazo de redução de pegada de carbono, por meio da mobilidade elétrica.
Parte dos pouco mais de R$ 2 bilhões captados com os bônus sustentáveis serão voltados para a compra de veículos elétricos, especialmente as vans que fazem a última milha.
A estratégia tem dois grandes desafios.
O primeiro é conseguir assegurar oferta com as montadoras elétricas, inundadas de pedidos de todos os lados do globo.
“Nós temos a possibilidade de agregar toda a demanda potencial dos pequenos transportadores — que de outra forma ficariam no fim da fila da mobilidade elétrica — e ir com um pedido suficientemente grande que garanta que ao menos parte da produção nos próximos anos seja entregue na América Latina via Mercado Livre”, diz o CFO. Até agora não há contratos fechados.
Com uma estrutura de logística atendida por terceirizadas formadas em parte por empresas de pequeno e médio porte, a estratégia do Mercado Livre é dar financiamento para que elas possam fazer a transição para veículos elétricos — com amortizações casadas com o fluxo de pagamentos recebidos na plataforma.
Outra questão a ser resolvida é a infraestrutura de abastecimento. A ideia é colocar pontos de abastecimento nos centros de distribuição da companhia, por onde começam e terminam a maior parte das rotas.
Apesar do avanço da agenda ambiental, área que responde ao CFO há mais de cinco anos na companhia, o Mercado Livre ainda evita falar em metas de ‘net-zero’.
“Queremos entender em profundidade o desafio que temos pela frente até para chegar a um compromisso que seja agressivo. Por que eu vou me comprometer a ser net-zero daqui a ‘X’ anos se talvez eu possa me comprometer em X menos cinco?”, diz Arnt.
“E não é que falte capacidade teórica e técnica, mas sim os dados efetivos dos nossos projetos, que vão nos permitir sair com uma comunicação do que podemos entregar.”