Com teste de estresse climático, BC quer medir riscos futuros para bancos brasileiros

Fernanda Nechio, diretora de assuntos internacionais, diz que a agenda de sustentabilidade independe de visões políticas e atende a demanda da sociedade

Com teste de estresse climático, BC quer medir riscos futuros para bancos brasileiros
A A
A A

Ao anunciar sua agenda de sustentabilidade em setembro, o Banco Central do Brasil reconheceu a questão climática como um risco à política monetária e à estabilidade do sistema financeiro. Em meio a um vácuo institucional sobre o tema no país, as medidas foram recebidas como um ‘norte’ para que os bancos façam a transição para uma economia de baixo carbono. 

Em entrevista ao Reset, Fernanda Nechio, diretora de assuntos internacionais e gestão de riscos corporativos e responsável por liderar a agenda, diz que as medidas anunciadas estão longe de esgotar o tema. “Muita coisa é novidade, vamos testar, avaliar e ajustar. A agenda de sustentabilidade para bancos centrais é algo em desenvolvimento.”

Segundo ela, um dos aspectos ainda não contemplados e que o BC tem discutido com autoridades monetárias de outros países é se seria papel dos bancos centrais desenvolver uma taxonomia verde para o sistema financeiro.

Uma das medidas que primeiro será implementada é um teste de estresse climático em 2022. Nechio disse hoje o BC é capaz de fazer avaliações do impacto de eventos climáticos sobre a estabilidade do sistema a posteriori, mas que a ideia é se tornar preditivo. “Queremos ser capazes de analisar o que riscos futuros podem trazer.” 

Sobre a inexistência de eco de uma agenda verde em outras áreas do governo, Nechio disse que a agenda do BC é apolítica e que atende a uma demanda da sociedade. “O BC tem atuado nessa agenda sustentável há muitos anos, independentemente da alternância de governos e de visões políticas.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Tem crescido cada vez mais o coro de Banco Centrais se comprometendo com uma agenda verde, inclusive o Fed, após a eleição de Joe Biden. É um movimento estrutural que veio para ficar? 

Nos últimos 20 anos tem crescido a discussão sobre o papel dos BCs e do sistema financeiro numa agenda de sustentabilidade e precificação de riscos socioambientais. No último ano isso tem crescido mais. Diria que o Banco Central do Brasil foi bem pioneiro e somos citados muitas vezes como exemplo no âmbito regulatório. Mas essa é uma agenda viva. O objetivo é continuar sendo pioneiro e isso exige uma análise dos riscos atuais e futuros e que tenhamos uma precificação adequada dos riscos.

O mandato do Banco Central tem dois aspectos: garantir a estabilidade de preços e garantir que o sistema financeiro seja eficiente e funcione adequadamente. Os riscos socioambientais estão diretamente ligados a esse mandato. Riscos climáticos, por exemplo, implicam em eventos extremos como secas, incêndios, enchentes. Esses eventos afetam preços relativos e, potencialmente, afetam a estabilidade de preços.

Esses mesmos riscos climáticos afetam a estabilidade do sistema financeiro, podem afetar a precificação de ativos, de colaterais. As instituições financeiras podem ser colocadas em risco tanto físico quanto de transição para uma economia de baixo carbono. Faz parte do papel do BC atuar para mitigar esses riscos ao sistema e atuar para que as instituições estejam precificando esses riscos.

Riscos climáticos vinham sendo vistos como eventos atípicos, mas o que estamos vendo é que estão se tornando cada vez mais frequentes. Agora são mais estruturais e temos que responder de forma mais robusta. Um BC que queria se manter na fronteira da sua atuação tem que responder a mudanças estruturais e demandas da sociedade.

Quando se olha para outros países, a agenda verde dos BCs muitas vezes vem num pacote de retomada verde da economia como um todo. E isso não vimos no Brasil. A agenda verde do BC encontra eco em outras áreas do governo?

Temos falado bastante — e o Roberto Campos [presidente do BC] é bastante expoente nisso — que a gente enxerga no mundo todo que a recuperação da economia vai ser mais inclusiva e sustentável. Há uma demanda da sociedade.

O lançamento da agenda e a nossa atuação são 100% motivadas pelo mandato do BC. O Banco Central do Brasil tem atuado nessa agenda sustentável há muitos anos, independentemente da alternância de governos e de visões políticas. A atuação do BC sempre foi apolítica em relação a isso. Isso é verdade no Brasil e em outros lugares do mundo e é um fator positivo que mostra a autonomia do Banco Central na sua atuação. Tanto na política monetária quanto na área institucional. 

Na interação do BC com as instituições financeiras, qual a percepção a respeito do quão conscientes os bancos estão de que o risco climático está se tornando estrutural?

Essa conscientização tem acontecido ao longo do tempo. Várias instituições implementaram medidas de forma voluntária, como por exemplo as recomendações do TCFD [Task Force on Climate-related Financial Disclosures, que tem se tornado padrão global para mensuração e reporte de riscos climáticos]. No lançamento da nossa agenda em setembro, que é bem abrangente, em nenhum momento teve ‘pushback’ dos bancos. 

Boa parte do que foi anunciado em setembro deve começar a valer em 2022, como o relato climático nos moldes do TCFD mandatório para bancos. No ano de 2021 isso tudo realmente vai ganhar corpo?

A gente quis anunciar tudo com deadline bem específico. Para ter prestação de contas à sociedade, para poder ser cobrado e avaliado o tempo todo. Demos o norte e a partir daí as instituições começam a atuar. Tem muita coisa que é inédita. Por exemplo, uma das nossas intenções é ter um relatório anual de riscos socioambientais. Não tem BCs fazendo isso. Achamos que seria uma ótima ideia para fazer a prestação de contas à sociedade, poder avaliar as medidas anunciadas, receber feedbacks e as pessoas saberem o que implementamos ou não. 

Outra coisa para falar da agenda é que de forma alguma ela é exaustiva. Muita coisa é novidade, vamos testar, avaliar e ajustar. A agenda de sustentabilidade para bancos centrais é algo em desenvolvimento.

Tem alguma coisa que está no radar de vocês e ainda não entrou na agenda?

Tem dois pontos cruciais nas agendas de sustentabilidade, um é a definição de uma taxonomia e o outro é o custo de informação. Uma discussão mais ativa é se a taxonomia é responsabilidade dos bancos centrais, se tem que ter uma taxonomia para cada país, o quanto se pode compartilhar de taxonomia entre diversos países. Tem muitas coisas que não são ainda bem definidas. Essa é uma atuação que temos discutido, mas não está explicitamente na agenda estabelecer uma taxonomia ainda.

Mas pode dar uma direção do que estão pensando?

No contexto do desenvolvimento do birô verde, por exemplo, nas nossas parcerias internacionais, estamos começando a atuar na direção para ter alguma taxonomia. Não quer dizer que o BC vai sair com uma taxonomia para o Brasil, mas alguns desses conceitos vão entrar na nossa atuação.

O birô verde é algo pioneiro?

Não conheço outro banco central que esteja fazendo. Esse birô verde é um projeto em que pretendemos incluir dentro do Sicor [Sistema de Operações do Crédito Rural] informações sobre crédito que tenham características verdes. Há conversas com o Climate Bonds Initiative para definirmos que tipo de critérios são mais úteis para se incluir no birô. 

O birô será usado para todo tipo de crédito agropecuário ou só para o crédito direcionado? Qual a abrangência dele?

A ideia é que o birô seja construído no espírito do open banking. Então, se as instituições financeiras quiserem, e certamente será do interesse delas, isso pode ser uma informação tornada pública. Esse aumento de transparência tende a dar incentivos para que se façam cada vez mais empreendimentos com características verdes. Vai ter informação sobre o tipo de crédito sustentável que determinada instituição financeira está dando, então vai ser do interesse da instituição abrir essa informação. É um fator super positivo para ela.

E gera uma espécie de cadastro positivo para o produtor?

Vai bem nessa linha. Eu falei que existem dois pontos importantes na agenda de sustentabilidade, um era a taxonomia e o outro, o custo de informação. Digamos que você é um produtor e quer ter um selo verde. Em geral, esses selos verdes, ESG, têm custo bastante alto. Para um produtor menor é muito difícil obter. Isso é verdade no Brasil e em outros lugares do mundo. Mas, a partir do momento que tenha esse tipo de informação disponível, de graça, no birô verde, você está ajudando a baratear o custo de informação. 

Mesmo que não seja um selo ESG, é uma sinalização de algum comprometimento com essa agenda. Sou super fã dessa ideia.

Algo relevante hoje quando se discute crédito ao produtor rural e combate ao desmatamento na cadeia do agronegócio é o rastreio da cadeia de fornecimento e sobre quem deve recair o custo desse rastreio. Essa informação do rastreio poderá constar do birô?

Ainda estamos discutindo o que entrará ou não. Mas, em tese, potencialmente poderia entrar.

Algo bastante relevante na agenda que o BC anunciou é a obrigatoriedade do reporte climático nos moldes do TCFD pelos bancos. Os maiores já estão se adaptando há algum tempo. Como têm sido as conversas e como estão as instituições brasileiras?

Algumas já seguiam voluntariamente e agora trouxemos a obrigatoriedade e isso foi recebido com naturalidade. A implementação do TCFD vale para o BC também. Temos que trazer a regulação e também dar o exemplo e fazer o que queremos que o sistema faça. As instituições precisam ser transparentes sobre o impacto da atuação delas no clima e também sobre o impacto do clima sobre suas operações. 

E isso virará um instrumento para gerenciar o risco sistêmico atrelado a clima, certo?

Exatamente. Estamos fazendo um aprimoramento do nosso gerenciamento de riscos para incluir os socioambientais na gestão integrada de riscos do BC. Na hora do processo decisório da diretoria colegiada, todos os riscos e a interação entre eles são considerados. E agora os riscos socioambientais vão fazer parte dessa gestão integrada.

O BC também anunciou que fará um teste de estresse climático turbinado já em 2022. Isso envolve uma enorme coleta de dados. Como está andando?

Já estamos trabalhando nisso. O nosso objetivo com o “turbinado” é coletar o máximo de informação granular possível das instituições. O que a gente quer fazer é testes de riscos futuros, uma análise para a frente, em vez de eventos que já aconteceram. Quando aconteceu Brumadinho, conseguimos fazer uma análise a posteriori. Agora queremos ser capazes de analisar o que riscos futuros podem trazer. 

E a ideia de incluir a dimensão de sustentabilidade na gestão de reservas internacionais, o que pode sair disso?

A gente quer trazer os riscos socioambientais para dentro do processo decisório. Isso pode envolver a escolha de contrapartes na decisão de investimento, pode envolver o tipo de investimento que é feito. Os estudos de como implementar estão em andamento.

E falou-se também de uma linha de liquidez que teria incentivo para uso de títulos sustentáveis como garantia. Há clareza sobre isso?

Estamos desenvolvendo estudos dentro do BC para ter essa linha de liquidez, os parâmetros, como implementar, critérios de elegibilidade. Essa medida tem prazo mais longo para sair.

Como o BC vê a discussão da criação de um mercado de carbono? Quando houver a precificação, será possível internalizar essa externalidade, que é a emissão de CO2, o que fatalmente causará impacto sobre as empresas e a carteira de crédito dos bancos

É uma área com bastante benefícios para o país. O Brasil tem ganhos em desenvolver o mercado. O Banco Central está acompanhando os esforços tanto no setor privado, como no setor público. Essa não é uma agenda do BC, mas acompanhamos de perto, como ouvintes, porque pode se tornar relevante para o BC mais para a frente.

LEIA MAIS

Banco Central do Brasil dá ‘norte’​ à transição resiliente de baixo carbono 

O Reino Unido vai obrigar empresas e bancos a revelar seus riscos climáticos. E o Brasil não ficará imune