Se é verdade que o negócio de baterias elétricas vai crescer no século 21 como o do petróleo avançou no século passado, de forma rápida e com implicações geopolíticas, a Sigma Lithium se posiciona para colocar o Brasil nesse novo mapa global.
Fundada em 2012 no empobrecido Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, a mineradora espera ocupar, já nos próximos anos, um lugar entre os cinco maiores produtores de lítio para baterias do mundo.
A produção do minério em escala comercial começa no ano que vem e já tem destino certo: a japonesa Mitsui, que firmou um contrato do tipo ‘take or pay’ por seis anos com a empresa.
Ontem a Sigma anunciou a decisão de listar suas ações na Nasdaq — desde 2018 já é negociada na Bolsa de Toronto –, abrindo as portas do mercado americano para levantar capital para suas próximas fases de expansão.
“Para a primeira fase de produção estamos completamente financiados. Para a fase 2 vamos explorar todas as possibilidades e o mercado está ativo”, diz Ana Cabral, diretora de estratégia da mineradora e sócia da boutique de investimentos A10, que gere o fundo de private equity que controla a Sigma.
Com investimentos que já superam os R$ 560 milhões e devem chegar a R$ 1,2 bilhão nos próximos anos, o projeto será verticalmente integrado.
A empresa está construindo uma planta para o beneficiamento do minério exatamente em cima das minas, entre os municípios de Itinga e Araçuaí, e com fácil acesso ao Porto de Ilhéus (BA), por onde a produção será escoada para o mercado internacional.
A ideia é exportar o carbonato de lítio de alto grau de pureza, pó químico resultante da extração do lítio da rocha e usado para produzir baterias.
“Todo mundo pode fazer lítio, mas nem todos conseguem atingir alta pureza. Essa é a chave do negócio”, diz Ana Cabral.
Com previsão de começar a funcionar comercialmente no terceiro trimestre do ano que vem, a expectativa é de uma produção de 65 mil toneladas de carbonato de lítio em 2023 e 90 mil toneladas em 2025.
Além da Sigma, a alemã AMG também opera em Minas Gerais, na região da mina de Volta Grande, mas numa escala bem menor.
Com o acordo com a Mitsui, o conglomerado japonês fechou a compra de 55 mil toneladas anuais de carbonato de lítio por seis anos, com opção de aumentar a demanda. Em troca, a Sigma recebeu US$ 30 milhões antecipadamente para ajudar a tirar o projeto do papel.
O acordo permite que a Sigma venda o lítio para mercados asiáticos, os maiores produtores de baterias da atualidade. “O papel da Mitsui é fazer a ponte do modelo de negócios”, diz Cabral. “A usuária final do nosso lítio é a indústria automobilística.”
Lítio verde
Além do teor de pureza do minério, a Sigma quer se diferenciar no mercado com o argumento de que já nasce produzindo um lítio sustentável.
A companhia investiu em tecnologias para realizar a empilhagem a seco dos rejeitos — sem barragens que correm o risco de romper, como as de Mariana e Brumadinho — e recircular 90% da água que utiliza.
Além disso, a mineradora dispensa o uso de técnicas de flotagem química, que são poluentes e consomem mais água, e ainda se beneficia do fato de a matriz energética brasileira ser limpa, em oposição à de outros países produtores de lítio no mundo.
“Esse é um caso de mineração que aplica critérios ESG desde o princípio, com capex dedicado a reduzir o impacto socioambiental”, diz Marcio Correia, sócio da gestora de recursos JGP, investidora da Sigma.
O lítio é um minério importante para a mobilidade limpa, mas é comum que seja extraído em regiões secas do planeta, em que o uso da água prejudica as comunidades.
Parte das reservas minerais das Sigma foi sacrificada para não deslocar as famílias ribeirinhas da região — um movimento feito de forma voluntária e não por exigências da lei ambiental. “Perdemos 20% dos direitos de reserva porque fizemos o plano de mina mantendo o córrego que é importante para quem vive lá”, diz Cabral.
Ainda na frente social, foi firmado um acordo com o Senai para capacitar moradores da região para atuar na companhia, ao mesmo tempo em que a empresa tem liderado a criação de uma agência de investimentos independente para fomentar o desenvolvimento da região.
As escolhas tecnológicas e logísticas sustentáveis devem garantir que a Sigma faça sua estreia no mercado com um dos menores custos de produção entre as pares, diz Cabral.
Expectativa…
A história da Sigma começa alguns anos antes da chegada da A10.
Em 2012, quando pouco ainda se falava de carros elétricos, o inglês Calvyn Gardner decidiu apostar que o Brasil poderia se tornar uma peça importante para fomentar um ecossistema de veículos não poluentes.
A tese do engenheiro, que havia trabalhado nas últimas três décadas em fundos de investimento e na mineradora Anglo American, era de que havia um tesouro perdido no Brasil.
Em associação com a fabricante de refratários cerâmicos Magnesita, comprou uma pequena operação que explorava o lítio de forma artesanal para abastecer indústrias de cerâmica, vidro e graxa em Minas Gerais.
Três anos depois, o fundo gerido por Ana Cabral — que é casada com Gardner — deu saída à Magnesita ao comprar os seus 50%.
No começo das operações da Sigma, as informações existentes apontavam que o Brasil tinha apenas 0,33% das reservas globais do minério.
Mas, desconfiada de que os dados estavam subestimados, a empresa gastou dinheiro para encomendar um estudo que confirmou que o país, na verdade, responde por 8% delas.
Os dados foram divulgados em 2018, quando a empresa fez sua abertura de capital na bolsa de Toronto, referência em mineração.
Hoje, além da JGP, a empresa tem como acionista a Bradesco Asset e grandes fundos globais, como BlackRock e Janus Henderson. Depois das diluições, a A10 Investimentos mantém 55,5% do capital.
… e realidade
Até que a expectativa de Gardner começasse a virar realidade, foram anos de exercício de resiliência. O preço do lítio sofreu um baque a partir de 2017, quando a velocidade de crescimento do mercado de veículos elétricos desapontou.
“No fim de 2019 havia um excesso de produção e o apetite pelo lítio era zero. Tivemos que colocar mais US$ 6 milhões de dinheiro proprietário para bancar a continuidade do projeto”, diz Cabral.
Um ano atrás o metal ainda estava em baixa, quando, finalmente, engatou um recuperação, puxado pela crescente demanda por veículos elétricos.
A Europa teve papel central nessa reação. Com o pacote de estímulo econômico pós-pandemia focando numa retomada verde, a demanda por carros elétricos deslanchou no continente, deslocando a China do posto de maior mercado.
Com as metas de redução de emissões de gases de efeito-estufa adotadas por Europa, China e Estados Unidos, há estimativas de que os carros elétricos alcancem 30% das vendas globais já em 2025.
O preço do lítio surfou nessa onda e a Sigma foi junto. Como o projeto continuou sendo implementado nos tempos de vacas magras do mercado, enquanto concorrentes paralisaram planos, a empresa deverá tirar partido de um cenário de escassez do material até que oferta e demanda se ajustem. Em um ano, as ações da mineradora subiram 342%, levando seu valor de mercado a US$ 675 milhões.