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Presidência da COP30 quer petróleo de novo na mesa de negociação

Brasil quer usar ‘pré-COP’ em junho para superar impasse que impediu avanço no abandono dos combustíveis fósseis na COP29

Presidência da COP30 quer petróleo de novo na mesa de negociação

A terceira carta da presidência da COP30 à comunidade internacional, publicada nesta sexta (23), trata da reunião anual da ONU em Bonn, na Alemanha. Essa “pré-COP”, realizada em junho, tem papel decisivo para o sucesso da conferência que acontece cinco meses depois, em Belém. 

Na carta, o embaixador André Corrêa do Lago indica que um assunto que foi esquecido na última COP deve ser retomado: o abandono gradual dos combustíveis fósseis. 

Os principais responsáveis pela mudança do clima apareceram pela primeira vez em mais de 30 anos de negociações internacionais numa decisão adotada na COP28, em Dubai. Foi uma única frase, mencionando a necessidade de uma “transição que se afaste dos combustíveis fósseis”.

Desde então, existe a expectativa de um detalhamento prático dessa linguagem vaga – mas a única possível dada a necessidade de consenso entre quase 200 países. Na COP29, entretanto, houve impasse, e o assunto não avançou.

A intenção de Corrêa do Lago com a nova carta é começar as tratativas no encontro marcado para a antiga capital da ex-Alemanha Ocidental, onde fica a sede da UNFCCC (sigla em inglês para Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), entre 16 e 26 de junho.

“A gente repetiu [a decisão sobre combustíveis fósseis] para não ter dúvida de que vamos falar sobre esse assunto, que é absolutamente chave do GST e, portanto, vai sim ser tratado em Bonn”, disse Corrêa do Lago a jornalistas nesta quinta-feira. 

GST é a sigla em inglês para Balanço Global, um mecanismo do Acordo de Paris que avalia o progresso coletivo dos paísesem direção às metas de limitar o aquecimento global em 1,5ºC. 

A presidência dos trabalhos em Belém não dá ao diplomata o poder de definir a agenda oficial da COP. O que será discutido – e, crucialmente, o que vai ficar de fora das negociações – depende da aceitação de todas as partes.

Mas o documento é uma clara demonstração de que Corrêa do Lago vai tentar costurar algum tipo de acordo. Construir pontes é uma das principais atribuições da liderança das conferências do clima e um dos indicadores de uma COP de sucesso.

‘Pré-COP’

O encontro de Bonn reúne os mesmos negociadores que virão ao Brasil em novembro. O objetivo é preparar o terreno: a conferência dura 12 dias, e quanto mais adiantadas comecem as discussões finais, maiores as chances de uma COP bem-sucedida.

A reunião do ano passado foi um prenúncio da tensão e do resultado insatisfatório em Baku. Os diplomatas deixaram a Alemanha sem nenhum avanço, o que se refletiu em um clima de desconfiança mútua no Azerbaijão e uma decisão sobre financiamento climático que desagradou a todos.

A nova carta de Corrêa do Lago, mais curta e direta que as anteriores (leia aqui a primeira e segunda), tenta dar uma dimensão da importância das discussões do próximo mês. “A credibilidade do processo multilateral está nas mãos dos negociadores em Bonn”, escreve Corrêa do Lago. 

O documento lembra de três decisões adotadas na COP28: triplicar a capacidade global de energia renovável; dobrar a eficiência energética até o fim da década; e promover a transição que nos afaste dos combustíveis fósseis – e acrescenta: “de forma justa, ordenada e equitativa”. 

Esses itens compõem o 28º parágrafo do primeiro Balanço Global do Acordo de Paris (GST), o resultado mais importante da COP de Dubai. O GST avaliou o progresso coletivo em relação às metas globais, determinou correções de rota e ressaltou a necessidade de mais velocidade na descarbonização.

Tensão

A carta trata expressamente do acirramento das posições nas COPs. “A Presidência da COP30 conclama os negociadores a mudar o tom em Bonn, evitando a todo custo confronto de soma zero”, diz a carta, em um chamado um tanto incomum em comunicações diplomáticas. 

“Nosso intuito foi mover, causar uma mudança no comportamento que, infelizmente, foi predominante nos últimos anos, de discussões muito contaminadas por toma-lá-da-cá, por esperar ver o que cada um tem para ganhar”, disse Liliam Chagas, diretora do Departamento de Clima do Itamaraty e chefe dos negociadores brasileiros na COP30. 

A enorme distância entre as partes que quase levou a COP29 ao fracasso estava clara desde a reunião do meio do ano.

De um lado, a União Europeia tentou inserir nas discussões um novo programa com o objetivo de forçar os países a ir além em seus compromissos de redução de emissões. A proposta foi interpretada como uma moeda de troca para que os europeus concordassem em contribuir com mais dinheiro nas discussões de financiamento.

Os países em desenvolvimento – entre eles o Brasil – responderam que esse seria um exercício inútil se não houvesse dinheiro para financiar as medidas de mitigação. 

Em uma sessão particularmente tensa, o paquistanês Nabeel Munir, um dos líderes da negociação, afirmou que os diplomatas presentes estavam se comportando como crianças de escola primária.

Sem avanços em Bonn, a dinâmica se repetiu na COP. O objetivo da carta é justamente evitar “os riscos e tensões que têm desgastado a confiança mútua ano após ano”. 

“A verdadeira medida de sucesso do SB62 [nome oficial do encontro de junho] não estará na tática, mas na nossa capacidade coletiva de comunicar avanços significativos às pessoas que servimos. A abstração do nosso trabalho precisa começar a repercutir na experiência concreta”, escreve Corrêa do Lago. 

Num esforço de engajar os negociadores e chefes de delegação, os presidentes da COP30 e COP29 (do Azerbaijão) vão promover um encontro, para “conversas informais”, no dia anterior à abertura oficial das sessões. 

“Seria um grande desperdício se o primeiro espaço formal de negociações do ano – os órgãos subsidiários em junho – fosse tomado por procrastinação ou adiamento de decisões.”

Além dos combustíveis fósseis, o presidente da COP30 aponta outras duas prioridades. Uma delas é a finalização dos Objetivos Globais de Adaptação, ou GGA, um conjunto de indicadores para determinar o nível de preparação dos países para lidar com os eventos climáticos que já se manifestam.

O outro ponto é o Programa de Trabalho de Transição Justa, que tenta estabelecer mecanismos de cooperação e troca de experiências para que as mudanças de matrizes energéticas sejam feitas de maneira equitativa e não resultem em impactos sociais e econômicos negativos.