ANÁLISE

Na hora decisiva, COP29 segue em impasse sobre financiamento

Ainda é enorme a distância entre o que pedem os países em desenvolvimento e o que ricos estão dispostos a pagar; conferência entra no fim de semana

Na hora decisiva, COP29 segue em impasse sobre financiamento
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Baku, Azerbaijão – Hoje, só amanhã. O prazo oficial da COP29 se encerrou oficialmente às 18h no Azerbaijão (11h de Brasília), mas as negociações ainda seguiam travadas e com uma distância considerável entre as partes.

As discordâncias podem ser resumidas em dois pontos principais, que de certa forma estão relacionados na queda de braço que acontece nos corredores da conferência.

O primeiro, claro, é o dinheiro. Esta é a COP do financiamento. Sem um consenso sobre mais fluxo de recursos para o mundo em desenvolvimento, a conferência terá sido um fracasso.

O segundo é um avanço em relação ao compromisso firmado em Dubai, em 2023, de uma transição que se afaste dos combustíveis fósseis.

Por enquanto, o único sucesso é o fechamento das regras gerais do Artigo 6 do Acordo de Paris, que estabelece o comércio de carbono entre países e também um mercado global operado pela Convenção do Clima.

Depois de anos de discussões, foram superadas as diferenças no nível da política. Daqui em diante, o trabalho acontece no nível técnico, com definições do funcionamento do mercado. Na melhor das hipóteses, as primeiras transações sob a égide da ONU acontecem em 2026.

Às 19h de Baku, ministros e negociadores seguiam discutindo. A expectativa é que em algum ponto da noite de sexta ou na manhã de sábado sejam divulgados novos textos. Não se sabe se serão as versões finais, levadas para a aprovação da plenária.

Confira abaixo, em resumo, o estágio atual das discussões chave.

Finanças climáticas

A Nova Meta Coletiva Quantificada vai substituir o arranjo atual, que prevê US$ 100 bilhões anuais em recursos fornecidos pelos países industrializados.

Capitaneado por grupos negociadores, o dos Países Menos Desenvolvidos e o das Pequenas Nações Insulares, o mundo em desenvolvimento tem duas demandas básicas. A primeira é o valor. A exigência é que o número seja superior a US$ 1 trilhão, com uma definição clara de quanto virá na forma de doação direto dos orçamentos dos ricos.

O texto mais recente fala em atingir “pelo menos” US$ 1,3 trilhão anual até 2035, de fontes públicas e privadas. O problema vem no parágrafo seguinte, que menciona o que supostamente seriam as doações ou recursos concessionais.

O valor é de US$ 250 bilhões, com o mundo desenvolvido “assumindo a liderança”. E esse total seria composto por uma “variedade de fontes, públicas e privadas, bilaterais e multilaterais, incluindo fontes alternativas”.

Essa redação, de acordo com as reações iniciais, tem poucas chances de sobreviver. O bloco negociador AOSIS, que reúne os pequenos países insulares, divulgou uma nota considerando a proposta inaceitável.

A narrativa mais ouvida de ONGs que pedem mais financiamento climático é que os europeus seriam o maior obstáculo para uma resolução.

O diagnóstico pode ser correto, mas ignora a realidade do mundo além dos muros da COP. Com a eleição de Donald Trump, os Estados Unidos não devem contribuir com um único centavo de dólar.

A coalizão que governa a Alemanha, país mais rico da Europa, naufragou uma semana antes do começo da conferência. Novas eleições serão realizadas em fevereiro – sob o espectro do crescimento do partido de extrema direita AfD.

O populismo nacionalista avança por todo o continente, como mostraram os resultados da eleição do Parlamento Europeu e da França.

Os políticos negociam em Baku, mas têm de responder a seus eleitores em casa.

Mercado de carbono

Apesar de o financiamento capturar a maior parte das atenções, outro resultado muito esperado desta COP é a finalização das regras básicas que vão governar as trocas de carbono entre países (Artigo 6.2) e um mercado global dentro da Convenção do Clima, com a participação de entes privados (6.4). Ambos são previstos no Artigo 6 do Acordo de Paris.

Até a publicação desta reportagem, um novo texto não havia sido publicado, mas a versão mais recente parecia enxuta e pronta para a aprovação, segundo observadores. A expectativa é de que o tema seja finalmente resolvido em Baku.

Um obstáculo que durava pelo menos dois anos foi removido no primeiro dia da COP29. As negociações dos dias seguintes trataram de outros pontos contenciosos relacionados ao 6.4.

Elas dizem respeito ao funcionamento do registro centralizado que terá de ser criado e o sistema de autorização por parte dos países (os “créditos” vendidos no mercado do 6.4 terão de ser descontados da contabilidade de carbono do país de onde saíram).

O Reset vai publicar uma análise detalhada da decisão.

Combustíveis fósseis

A COP28, em Dubai, chegou a um resultado histórico: a inclusão da frase “transição que se afaste dos combustíveis fósseis” no Balanço Global, ou GST.

Foram necessários 32 anos para que um documento oficial mencionasse pelo nome os maiores responsáveis pelo aquecimento do planeta.

Mas ela deveria ser apenas um ponto de partida. Em Baku, a ideia era dar prosseguimento dentro de uma trilha de negociações chamada de Programa de Trabalho de Mitigação. O plano era tentar tornar a declaração vaga algo mais palpável.

Liderados pelos sauditas e com o apoio de outros países de renda média, incluindo China e Rússia, formou-se um efetivo bloqueio a essa estratégia.

Do outro lado, os europeus argumentam que essa resistência, na prática, significa um retrocesso no combate à mudança do clima. Sem reduzir as emissões globais, o custo da adaptação só vai aumentar, bem como os prejuízos – que já são enormes e atingem países vulneráveis e endividados.

Xabu em Baku?

Nos corredores do Estádio Olímpico de Baku, onde cada país tem um escritório para as delegações oficiais, a gestão azerbaijana dos trabalhos está causando estranhamento.

No início da semana, Brasil e Reino Unido foram incumbidos pelo presidente da conferência, Mukhtar Babayev, de ouvir os blocos negociadores (Grupo Africano, países insulares etc.) e entender as principais demandas e obstáculos.

A dupla formada por Ana Toni, secretária nacional de Mudança Climática, e Ed Milliband, ministro britânico de Segurança Energética e Net Zero, fez um relato das 14 reuniões que realizou – e foi só. Ofertas de apoio adicional foram recusadas.

O país-sede da conferência também assume a presidência dos trabalhos, mas seu papel é independente. Da escolha dos itens da agenda às resoluções adotadas no encerramento, tudo depende do consenso entre as partes.

Apesar de não ter mais voz que os outros nas questões em discussão,

os anfitriões têm a responsabilidade de garantir uma COP que entregue resultados.

Isso significa pressionar as partes e usar habilidade diplomática para encurtar distâncias e encontrar consenso.

Esperava-se que os azerbaijanos, com pouca tradição nas negociações globais de clima, contassem com o suporte da chamada parceiros de troika: Brasil e Emirados Árabes Unidos.

Os emiradenses conseguiram um acordo histórico em Dubai, no ano passado, e os brasileiros são tidos como uma das principais pontes entre os países em desenvolvimento e o mundo industrializado.