COLUNA - NATALIE UNTERSTELL

Na COP29, espere nova queda de braço sobre dinheiro

Meta de financiamento climático – com cifras, prazos e atribuição de responsabilidades – domina a conferência do clima deste ano, no Azerbaijão

Montagem mostra os símbolos de diversas moedas pintados na cor verde
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O Novo Objetivo Coletivo Quantificado (NCQG) de financiamento climático parece um daqueles temas distantes, mas seu impacto é direto e prático no futuro do planeta. Seu foco é revisar o compromisso de US$ 100 bilhões anuais que as economias desenvolvidas assumiram para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar a crise climática. Esse valor, que expira em 2025, é uma gota no oceano quando comparado à necessidade real, que varia de US$ 1,1 trilhão a US$ 5,9 trilhões anuais até 2030.

Mas o debate não se resume a números. O descumprimento do compromisso existente e a ausência de clareza sobre o que conta como financiamento climático (e o que não conta) geraram desconfiança e cisão entre os países.

Iniciado em 2022, esse processo de formulação do NCQG precisa ser concluído na COP29, que acontecerá em Baku, Azerbaijão, em novembro. O trabalho envolve uma série de diálogos técnicos de especialistas (TEDs, na sigla em inglês) e três reuniões do programa de trabalho ad hoc (AHWP) em 2024, destinadas a construir uma estrutura para o texto de negociação do NCQG.

A rodada intermediária de negociações em Bonn, em junho, não trouxe avanços significativos. Em julho, em Baku, os chefes de delegação tentaram destravar o processo. Agora, a expectativa é por uma intensificação nas discussões técnicas e políticas. Em setembro, a 79ª Assembleia Geral da ONU, o Summit of the Future, a Taskforce Clima do G20 e a terceira reunião do AHWP e TED (entre 9 e 12) serão momentos cruciais para buscar consensos.

Um dos grandes pontos de impasse é o valor do novo objetivo, também chamado de quantum. Países em desenvolvimento querem uma meta que reflita as reais necessidades de adaptação e mitigação, enquanto alguns países ricos preferem algo mais contido.

Uma ideia é estabelecer uma meta gradual de mobilização de recursos, começando com valores na casa dos US$ 500 bilhões anuais até 2030. Isso permitiria um período de adaptação para os países contribuintes e de exploração de novas fontes de financiamento, como impostos e taxas. Ao mesmo tempo, evitaria-se um aumento brusco dos atuais US$ 100 bilhões para os trilhões, que poderia ser difícil de cumprir e gerar novas frustrações.

Outra alternativa é definir uma meta cumulativa para o período de 2026 a 2030, permitindo ajustes anuais nas contribuições, desde que o total ao final do período esteja dentro do estipulado.

Mas há quem entenda que não se deve dar “colher de chá” para os contribuintes. Sobre isso, vale lembrar que, somente em termos de reconstrução do Rio Grande do Sul pós-desastre, o governo brasileiro já alocou R$ 60,2 bilhões (cerca de US$ 13 bilhões) em 2024, segundo o mais recente documento sobre orçamento da União.

Para o período após 2030, há um consenso de que o quantum mobilizado deve partir de US$ 1 trilhão por ano, alinhando-se às crescentes necessidades dos países em desenvolvimento em termos de adaptação e mitigação. 

Não apenas quanto, mas quando

Outro ponto de tensão é o cronograma. Alguns propõem que o NCQG siga os ciclos das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), enquanto outros preferem alinhá-lo às metas de neutralidade de carbono até 2050.

O prazo é crucial, pois as necessidades financeiras mudam conforme os prazos são ajustados. Prazo mais curto pode tornar a implementação mais concreta, mas não captar totalmente os efeitos das políticas sobre o financiamento privado. Prazo mais longo oferece um quadro estável para grandes investimentos, mas pode ser afetado por mudanças de governo e desafios na adaptação às novas necessidades climáticas e científicas.

Por fim, o velho debate sobre quem arca com os custos. Está claro que os países desenvolvidos devem liderar o financiamento, conforme acordado na Convenção-Quadro e no Acordo de Paris.

Novos contribuintes potenciais incluem grandes economias do G20, países do Golfo e alguns países ricos adicionais fora do Anexo II, como Israel, Cingapura e Brunei. Ideias variadas de “burden sharing” têm surgido, mas frequentemente são usadas como tática para atrasar as discussões.

O texto do NCQG pode seguir três caminhos: manter os países desenvolvidos como principais financiadores, com contribuições voluntárias adicionais; todos os países contribuindo de acordo com suas capacidades, que podem evoluir; ou os países desenvolvidos liderando, com contribuições adicionais de outros países conforme suas condições.

O estado atual das negociações sobre esses pontos acima e outros está refletido em um  “input paper” dos co-presidentes do AHWP, de 29 de agosto. Ele apresenta sete pacotes e propostas para a meta de financiamento climático pós-2025, evidenciando que há muito chão pela frente.

Do ponto de vista das convergências, o paper indica consenso de que o financiamento deve ser substancial após 2025, com metas na casa dos trilhões de dólares até 2035. A maioria dos pacotes concorda que é essencial alinhar os recursos com as metas do Acordo de Paris, especialmente a limitação do aquecimento global a 1,5°C. E a participação do setor privado no complemento ao financiamento público também é considerada.

Apesar das semelhanças, os pacotes divergem em pontos cruciais. Alguns favorecem mais a concessionalidade do financiamento, enquanto outros consideram empréstimos e financiamentos híbridos, levantando preocupações sobre o acúmulo de dívidas para países mais pobres.

A questão da base de contribuintes também é debatida, com propostas para que os grandes emissores assumam parte das responsabilidades financeiras. O princípio das “responsabilidades comuns porém diferenciadas” continua no centro das discussões.

Sólido, mas flexível

O NCQG se aproxima de um ponto crítico. A estrutura precisa ser flexível para lidar com realidades econômicas diversas, mas sólida o suficiente para garantir que os compromissos sejam cumpridos.

É um equilíbrio delicado, com implicações para o futuro das metas climáticas nacionais (as chamadas NDCs, ou contribuições nacionalmente determinadas). Sem financiamento adequado, os países em desenvolvimento não conseguirão implementar ou superar a ambição atual de mitigação, como alguns relataram ter ocorrido no período de implementação da meta dos US$ 100 bilhões. 

Ao mesmo tempo, criar um mecanismo de financiamento climático que premie a ambição dos países em desenvolvimento é um desafio.

Para o Brasil, seria espetacular que houvesse essa lógica, dado que somos um países que reage bem a incentivos, vide Fundo Amazônia, PPCDAM e a queda nos desmatamentos. 

Hoje, porém, o NCQG está focado em reverter a escassez de recursos, focando nas obrigações e necessidades de financiamento, especialmente dos países mais pobres. Ele não está direcionado a premiar quem, dentre os países em desenvolvimento, está disposto a agir mais rápido e com mais intensidade.

Além disso, existe a preocupação de que premiar ambição poderia abrir a porta para novas condicionalidades no financiamento, o que pode enfraquecer a soberania nacional e priorizar a vontade do doador, e não a necessidade do país em desenvolvimento. 

Assim, o NCQG não representa, hoje, uma chance de reconfigurar a forma como o mundo financia a transição para um futuro resiliente e de baixo carbono de maneira profunda, dando uma nova lógica sistêmica.

Mas ele pode resultar em um consenso que equilibre ambição e viabilidade, trazendo à tona novos atores, novos incentivos e novos instrumentos. A decisão final sobre os parâmetros do NCQG será determinante para o futuro do financiamento climático global e, em última instância, para o sucesso do Acordo de Paris.