
Belém – Nove Estados da Amazônia Legal lançaram nesta quarta-feira (12) um mecanismo financeiro para pagar pelos serviços ambientais que prestam – cujos custos de preservação hoje saem dos cofres públicos, com pressão fiscal sobre os Estados.
O objetivo é transformar conservação em um ativo financeiro que possa ser uma fonte de receita para manutenção das Unidades de Conservação (UCs) de Proteção Integral, na tentativa de garantir a preservação da biodiversidade no longo prazo.
“É uma resposta concreta aos desafios fiscais e ambientais que enfrentamos”, disse Marcello Brito, diretor-executivo do Consórcio Amazônia Legal, que lidera a iniciativa ao lado da NatureFinance, organização internacional sem fins lucrativos com sede na Suíça. A iniciativa foi lançada nesta quarta-feira (12) na COP30.
O instrumento financeiro que vai viabilizar isso é um crédito de biodiversidade – um mecanismo inovador que vem ganhando força no Brasil e no mundo como maneira de direcionar recursos privados para a conservação e restauração da natureza. Eles seguem a mesma lógica dos créditos de carbono, criados há mais tempo.
Como toda inovação financeira sob o guarda-chuva das finanças climáticas, ainda é cedo para dizer se a ideia irá parar de pé e ganhar a escala necessária.
Foram mapeadas 27 UCs estaduais elegíveis ao programa, que juntas somam 8,9 milhões de hectares, equivalente a duas vezes o tamanho da Suíça, localizados nos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Um piloto está sendo estruturado para a implementação gradual da iniciativa.
A proposta é que os beneficiários dos serviços ecossistêmicos da Amazônia paguem essa conta, com foco em empresas cujas cadeias de valor dependem do bioma, como agroindústrias, companhias de cosméticos, bebidas, mineração e energia (hidrelétricas).
“100% da economia depende da natureza. Os incentivos para as empresas aderirem são reputacional e a dependência de sua cadeia de suprimentos dos serviços ecossistêmicos da Amazônia”, diz Luana Maia, diretora da NatureFinance no Brasil. “Uma empresa de bebidas precisa de água para fazer refrigerante e cerveja, não precisa?”
Britto destacou que recursos para isso já existem nos orçamentos das empresas e poderiam ser direcionados à compra dos créditos. “Todas as grandes mineradoras têm projetos de investimento na biodiversidade.”
A Amazônia gera 20% da água doce superficial do planeta, abriga a maior biodiversidade do mundo e abriga 40% das florestas globais remanescentes. Apenas a Amazônia brasileira gera cerca de US$ 317 bilhões por ano em serviços ambientais, biodiversidade e regulação climática, segundo o Banco Mundial.
A manutenção de cerca de 80% da floresta, faixa considerada crítica para evitar o colapso ecológico, requer entre US$ 1,7 bilhão e US$ 2,8 bilhões anuais em fiscalização e gestão das áreas protegidas, segundo estudo do Instituto Socioambiental.
As UCs têm restrição legal à exploração econômica. “Estamos falando de áreas de conversação que o Estado é obrigado a conservar e a lei de PSA [pagamento por serviços ambientais] abriu essa oportunidade”, diz René de Oliveira e Sousa Júnior, secretário da Fazenda do Pará.
Uma das curiosidades da iniciativa é que ela partiu dos secretários da Fazenda dos Estados, e não das secretarias de meio ambiente, que apoiaram o programa.
Estrutura financeira
Os créditos de biodiversidade serão baseados em indicadores objetivos, como o aumento da população de uma espécie-chave, conectividade ecológica e qualidade do solo e da água das unidades de conservação.
A metodologia do projeto está sendo desenvolvida por equipes técnica, financeira e jurídica, com base em referências nacionais e internacionais reconhecidas, segundo Maia, da NatureFinance.
A partir desses indicadores, os Estados vão emitir seus créditos. Esses ativos vão compor um fundo no formato de FIDC (fundo de investimentos em direitos creditórios).
Os Estados vão subscrever as cotas subordinadas do fundo, com o aporte feito em direitos creditórios sobre os serviços ambientais das unidades de conservação. As cotas sêniores do fundo serão subscritas por investidores privados e institucionais, com aporte de recursos financeiros.
O administrador do fundo ainda será escolhido e, segundo Britto, já há dois bancos interessados. O fundo vai receber os recursos, certificar os créditos (diagnóstico, mensuração e valoração dos serviços performados) e vendê-los em regime de concorrência.
A princípio, os recursos aportados seriam a fundo perdido, ou seja, sem retorno do principal e remuneração. Mas segundo a executiva da NatureFinance, a depender do desenvolvimento futuro de um mercado de créditos de biodiversidade, isso pode mudar.
Já os recursos arrecadados serão repassados aos Estados, com destinação obrigatória para gestão e melhoria das UCs geradoras dos créditos.
“Se a gente não começar a pagar pela floresta em pé, sabe o que vai acontecer? O pessoal dos Estados vai começar a destruir para fazer projeto de restauração, que dá dinheiro”, comentou uma pessoa que acompanhou o lançamento da iniciativa.
“Essa ideia não substitui outras iniciativas, como as de crédito carbono, mas somam com um novo ativo”, disse Marcos Rocha, governador de Rondônia.
O diretor-executivo do Consórcio Amazônia Legal está ciente do tamanho do desafio. “Quando começamos a conversar, o pessoal perguntou: mas por que você acha que vai dar para fazer um FIDC disso? Eu falei: gente, eu sou do agro. Há 30 anos, 100% do financiamento do agro brasileiro era Plano Safra. Hoje, quase 70% são do setor privado por meio de ferramentas financeiras como CRAs, FDICs, LCA, Fiagro. Será que nós não temos a inteligência de criar as ferramentas necessárias?”, contou Britto.
“Então, quem sabe, nós estamos quebrando um paradigma e iniciando algo novo.”