O mercado brasileiro ainda se mostra um tanto dependente de “customizações” para avançar na descarbonização da logística. Fornecedores apresentam a possibilidade de serviços “sob medida” como um diferencial competitivo, importante para encantar os clientes – mas o resultado final é um avanço em escala e velocidade aquém das necessárias diante da crise climática.
“Montamos projetos a quatro mãos com cada companhia que nos procura”, explicou Vanessa Pilz, vice-presidente de ESG da Reiter Log, prestadora de serviços de logística, no seminário “Energia em Transição: Das Oportunidades na Prática Empresarial às Vantagens Competitivas no Brasil”, realizado pelo Reset na terça (14), em São Paulo, com patrocínio de Natura, Itaú, BRF Marfrig, Bradesco, Suzano, Banco ABC Brasil, Eletrobras e Santander.
O modal rodoviário responde por cerca de 93% das emissões de gases de efeito estufa dos transportes e 10% das emissões totais do Brasil, segundo estudo da Coalizão dos Transportes publicado este ano. Por isso, mitigar as emissões do segmento tem efeito importante para o país.
O menor uso de combustíveis fósseis também beneficiaria a saúde pública e, no caso da opção pela eletrificação, reduziria a poluição sonora nas estradas e cidades. Avançar na transição e incentivar parceiros comerciais a fazer o mesmo não deveria ser uma decisão tão difícil.
“Descarbonizar a logística na cadeia de valor é a maneira mais fácil de reduzir as emissões de escopo 3”, afirmou Eduardo Lima, diretor comercial da Gás Verde, produtora de biometano.
Biometano
Na experiência de Lima, vários clientes chegam a essa conclusão por um caminho em duas etapas. Primeiro, mostram interesse no uso de biometano nas fábricas. Diante da relativa facilidade do processo, avançam para testar a opção em suas frotas.
Para acelerar a tomada de decisões, a Gás Verde passou a oferecer o pacote completo de aluguel de caminhões a biometano, com manutenção e garantia de abastecimento nas principais rodovias da região Sudeste.
Entre os receios comuns no mercado estão o tempo necessário para o abastecimento e o raio de cobertura do fornecimento de biometano. O executivo afirma que, com o equipamento correto, veículos de grande porte podem ser abastecidos em apenas oito minutos. O raio de cobertura se expande com a possibilidade de transportar em carretas o biometano liquefeito, como bio-GNL, a distâncias de até 800 km.
A Reiter Log está adiantada nessa transição. Da frota de 2.400 veículos da companhia, 35% usam fontes alternativas de energia, como eletricidade e biometano. A empresa tem caminhões elétricos de grande porte, com capacidade para 44 toneladas, e adotou a meta de ter uma frota 100% movida a energia renovável até 2035.
Falta infraestrutura
Pilz lembra que parte da infraestrutura necessária para a transição está pronta, porque o biometano é totalmente compatível com o gás natural, um combustível fóssil mais difundido pelo país.
A Reiter Log assumiu a tarefa de contribuir com a expansão da rede de abastecimento – por isso, inaugurou em 2025 seu quarto posto de biometano. Mesmo assim, é preciso um trabalho de convencimento para que os clientes contratem serviços de logística de baixo carbono.
Um executivo de prestação de serviços no setor de transportes, presente ao evento, descreveu o cenário assim: muitos clientes querem fazer projetos-piloto e provas de conceito, mas param por aí, às vezes por causa dos custos. Como poucos avançam para operações em grande escala, os preços caem mais lentamente do que poderiam – e forma-se um ciclo negativo, com custos que continuam assustando alguns.
O Bradesco tem experiência similar com a extrema cautela dos interessados em descarbonizar operações logísticas. O banco elevou este ano de R$ 250 bilhões para R$ 350 bilhões sua meta de capital destinado a setores e ativos de impacto socioambiental positivo, a atingir até dezembro.
Um desses negócios é um financiamento de R$ 85 milhões para a Reiter Log, para a compra de caminhões elétricos. Muitas empresas ainda hesitam em abraçar a mudança. “Precisamos montar a estratégia caso a caso com cada cliente”, afirmou Fabiana Costa, superintendente de sustentabilidade do banco.