O anúncio viria em setembro, durante a Semana do Clima de Nova York. Depois, sairia logo após a COP29. Nesta terça-feira (15), era dado como certo que o nome do presidente da COP30 seria conhecido à tarde, depois de uma reunião de Lula com ministros.
O encontro foi desmarcado, e ainda não se sabe quem será a pessoa responsável por conduzir as negociações na conferência do clima da ONU, que começa em 10 de novembro na capital do Pará.
Já temos um mascote, pelo menos. O Palácio do Planalto escolheu o curupira como símbolo do evento de Belém.
A lenda do folclore nacional, registrada pela primeira vez há quase 500 anos pelo jesuíta José de Anchieta, é conhecida pelos pés virados para trás.
Essa curiosidade anatômica serviria para despistar caçadores sem escrúpulos que se aventuram pelas florestas. Bem, no mínimo os observadores das COPs ele está confundido com muito sucesso.
Não se tem notícia de mascote oficial nas 29 edições anteriores da conferência. Talvez a inovação pegue. Pode ser uma maneira agradável de aproximar o cidadão comum das áridas e complexas negociações climáticas.
Mas um personagem bonitinho para ilustrar camisetas e chaveiros está longe do topo da lista de prioridades da COP30. Encontrar lugares para acomodar dezenas de milhares de visitantes esperados em Belém deveria ser a questão número 1.
A número 0 é definir quem vai empunhar o martelo da conferência. Por enquanto, o curupira é o mascote de uma COP-sem-cabeça.
O que faz o presidente da COP?
É importante entender o papel do presidente da COP. Apesar de indicado pelo país-sede, ele (ou ela) não atua em nome do país. Sua função primordial é conduzir os trabalhos realizados durante a conferência.
Uma comparação com o presidente da Câmara ou do Senado ajuda a entender o cargo: não se trata de tomar decisões sozinho, mas sim de atuar como um facilitador.
Mas existem duas ressalvas fundamentais nessa analogia. A primeira é que a COP se reúne por apenas alguns dias do ano. A conferência é o momento de sacramentar decisões que são negociadas no processo quase contínuo que é a Convenção do Clima das Nações Unidas.
Nada é aprovado nas COPs sem a concordância unânime dos quase 200 signatários da convenção. Na prática, isso significa que o presidente e sua equipe trabalham ao longo de meses tentando construir consensos e pontes bem antes do começo oficial da conferência.
A segunda é que a presidência serve a todas as partes. Em Belém, o brasileiro ou brasileira que estiver no cargo terá de trabalhar em nome do planeta, não do Brasil.
Igualmente, a pessoa escolhida terá de dialogar com o mundo inteiro, o que inclui ouvir os interesses brasileiros – sem que eles tenham precedência sobre os dos outros países.
Política
Dado o perfil da vaga, é um mistério a demora na escolha do nome. As informações de bastidores indicam que Lula está fazendo um cálculo eminentemente político. Uma das preocupações seria encontrar um nome com “peso”.
Mais que isso: o cálculo seria eleitoral. A COP30 vai acontecer a um ano da eleição presidencial.
Isso explicaria o nome de Geraldo Alckmin como um dos favoritos. Teria o lustro do cargo de vice-presidente e de bônus seria um bom nome para levar a culpa de um eventual fracasso, preservando o partido do presidente.
É uma ideia que só faz sentido na câmara de eco de Brasília. A COP é no Brasil, não do Brasil.
O sucesso da conferência é medido perante o avanço da cooperação global na luta contra a mudança do clima, seja em mais financiamento para os países em desenvolvimento ou em metas mais ambiciosas para cortar emissões de carbono.
Mais que isso, lembra Natalie Unterstell, presidente do centro de estudos Talanoa e uma das grandes especialistas do país em política climática: “A presidência da COP estabelece jurisprudência internacional em tempo real. As decisões alcançadas numa COP reverberam diretamente nas políticas climáticas domésticas de cada nação”
Submeter a escolha de um presidente de COP a qualquer critério que não seja técnico – e por isso entenda-se gastar sola de sapato, acumular milhas de voos e ter habilidade diplomática – já é um mau ponto de partida.
As lições do passado recente
Nem é preciso voltar muito no tempo para entender dos riscos envolvidos.
Mukhtar Babayev, que presidiu a COP do Azerbaijão em novembro passado, foi uma unanimidade como um péssimo condutor das negociações.
Além da falta de transparência com as delegações, Babayev escreveu um artigo no jornal britânico The Guardian logo após a COP29, expondo detalhes das negociações que deveriam ser confidenciais, numa tentativa de jogar a culpa nas costas dos outros.
Talvez ainda mais grave, ele recusou uma oferta de ajuda dos experientes diplomatas brasileiros e britânicos quando as conversas sobre financiamento climático estavam perigosamente perto de sair dos trilhos.
A mistura de “soberba e inexperiência”, de acordo com um integrante da equipe do Itamaraty que acompanhou de perto o drama das horas finais de Baku, foi um problema muito maior que o histórico dele na Socar, a estatal de petróleo azerbaijana.
Um ano antes, Sultan Al-Jaber, CEO da empresa de petróleo do país, foi nomeado presidente da COP28.
Nos meses que antecederam a conferência, Al-Jaber viajou pelo mundo e respondeu às críticas insistentes de que ele não seria a pessoa adequada para presidir a conferência.
Ele pode não ter sido muito convincente nas explicações, mas na hora H entregou. Talvez por sua experiência no mundo corporativo, ou por ter a confiança de países como Rússia e Arábia Saudita, conseguiu o feito de incluir uma menção à necessidade de reduzir o uso de combustíveis fósseis – pela primeira vez na história das COPs.
O tempo voa
Nos anos de suas respectivas COPs, a esta altura de janeiro tanto Al-Jaber quanto Babayev já haviam sido anunciados oficialmente.
Com as grandes expectativas por resultados concretos – a ministra Marina Silva disse repetidas vezes que Belém será uma conferência de implementação –, fica difícil compreender a demora no anúncio.
Além do vice Geraldo Alckmin, outro nome cotado é o do embaixador André Corrêa do Lago, responsável pela área de clima, energia e meio ambiente do Ministério das Relações Exteriores.
Sob qualquer ângulo que se analise, a escolha parece a mais óbvia. Corrêa do Lago trabalha com temas de sustentabilidade há mais de duas décadas e tem larga experiência na diplomacia climática internacional.
Diferentemente de seus antecessores, seu nome seria imune a qualquer suspeição de conflito de interesse, o que não é pouca coisa em um momento de desconfiança extrema que marcou a cúpula de Baku.
O trabalho do presidente da COP de Belém precisa começar o quanto antes – e ele não se encerra com a batida de martelo na plenária final em Belém. Além de conduzir a complexa dança diplomática com equilíbrio e visão estratégica, o escolhido (ou a escolhida) terá de garantir que o legado do evento seja concretizado, acompanhando a implementação das iniciativas lançadas sob sua liderança, diz Unterstell.
O curupira que vive no nosso imaginário pode assustar os inimigos da floresta – mas a COP-sem-cabeça dá muito mais medo na vida real.