
De Belém e São Paulo – O Parque da Cidade, onde será realizada a COP30, em Belém, foi construído inteiramente com dinheiro da mineradora Vale. A empresa, que também foi responsável pela contratação da construtora e gerenciamento da obra, investiu R$ 980 milhões no complexo, que conta com quadras poliesportivas, parque aquático, áreas de recreação infantil e centros de convenções.
É lá que estão sendo montadas as enormes tendas que formam a Zona Azul, a área onde ocorre a parte “oficial” da COP: salas de negociações, as plenárias e os estandes de países e organizações. Essa estrutura temporária não faz parte do acordo da mineradora com o governo do Estado.
O pagamento da obra pela Vale foi viabilizado pelo programa estadual Estrutura Pará. Regulamentado em 2022, ele estabelece parcerias público-privadas entre o Estado e mineradoras e prevê que até 50% do imposto estadual TFRM – uma taxa sobre atividades específicas do setor, de pesquisas geológicas à extração – seja pago na forma de obras.
“A Vale aderiu ao programa Estrutura Pará, que possibilita a conversão de até 40% da TFRM que seria paga ao governo em obras, iniciativas e projetos que contribuem para a melhoria da qualidade de vida dos paraenses”, informou a Vale, em nota.
A empresa também aponta que, no âmbito deste programa, duas obras gerenciadas pela Vale farão parte do legado da COP30: a construção do Parque da Cidade e do Porto Futuro II. “A contratação das obras seguiu todos os trâmites concorrenciais legais da Vale”, afirmou a empresa.

As COPs tipicamente são realizadas em centros de convenções ou em espaços já existentes que requerem somente estruturas provisórias adicionais. Foi assim nas edições de 2022, em Sharm el-Sheikh (Egito), e na do ano passado, em Baku (Azerbaijão).
O discurso que tem sido repetido pelos governos federal e estadual é que as obras da COP terão utilidade depois de passada a conferência. Outras obras estão sendo realizadas ou já foram inauguradas na cidade, como a Nova Doca, a Nova Tamandaré, o Porto Futuro II e o Complexo Mercedários.
O parque, entregue em junho, fica na área do aeroporto Brigadeiro Protásio, desativado em 2021. O Estado adquiriu a propriedade da União por R$ 25 milhões, em 2021, antes de a capital ser designada sede da conferência do clima.
A área fica a sete quilômetros do centro de Belém e tem 500 mil metros quadrados. Desde que foi aberta ao público, no fim de junho, se tornou um ponto de lazer na cidade, com presença de ciclistas e praticantes de esportes, além de receber famílias.
Isenções fiscais
A TFRM é cobrada por Estados e municípios brasileiros de empresas e pessoas físicas que exploram recursos minerais para financiar a fiscalização e controle ambiental do setor minerário. No Pará, ela foi instituída em 2011.
O tributo foi questionado na Justiça, sob alegação de que seria inconstitucional. Em junho de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou como improcedente uma ação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) que questionava a TFRM do Pará, determinando que a cobrança era constitucional. O programa Estrutura Pará foi regulamentado naquele mesmo ano.
Segundo estudo da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital, em 2021, a dívida acumulada da Vale com o Pará chegava a R$ 1,7 bilhão. Questionadas pela reportagem a respeito da cifra, Vale e Secretaria de Fazenda do Estado do Pará não confirmaram e nem negaram a informação.
O termo de adesão ao programa Estrutura Pará firmado pela Vale com o governo estadual estabelece que a companhia vai arcar com R$ 4,8 bilhões em obras públicas, num período que vai de 2022 a 2026. O conselho gestor do programa, formado por representantes do Executivo paraense, e a empresa definem conjuntamente os empreendimentos financiados.
Entre os membros da primeira formação do conselho gestor estava o então secretário estadual de desenvolvimento econômico, mineração e energia do Pará, José Fernandes Gomes, que foi lobista da Vale no estado entre 2006 e 2021. Hoje, ele preside a Agência Nacional de Mineração.
Além do Parque da Cidade, fazem parte do pacote de obras da mineradora o Porto Futuro II, na antiga zona portuária de Belém; 20 centros sociais espalhados em diversos municípios; e a construção do Hospital Materno-Infantil de Marabá, na região de Carajás, sudoeste do Pará, onde a Vale explora a maior jazida de minério de ferro do mundo.
Em nota, a Secretaria da Fazenda do Pará afirmou que o Estrutura Pará não envolve renúncia fiscal. O pagamento é integral, sendo realizado em sua maior parte em recursos financeiros e até 40% em obras, diz a secretaria.
“A Vale é uma das empresas participantes do programa, ao lado de outras mineradoras que também executam obras de interesse público, dentro das mesmas regras legais. Durante a execução das obras, o valor a recolher permanece suspenso, sendo posteriormente validado e compensado conforme os critérios técnicos estabelecidos”, diz a nota.
Gargalos
Especialistas ouvidos pela reportagem entendem que a TFRM é uma maneira de reequilibrar gargalos fiscais deixados pelas desonerações que a mineração recebe, em especial no Pará.
A mais célebre delas, motivo de disputas entre o Pará e a União, é a chamada Lei Kandir, em referência ao seu criador, Antônio Kandir, que foi Ministro do Planejamento durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Criada em 1996, ela isenta exportadoras de matérias-primas e produtos semi-elaborados do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Estima-se que, em mais de duas décadas, o Pará tenha deixado de arrecadar cerca de R$ 39 bilhões em ICMS devido a esta isenção. O Estado é o sexto maior exportador do país. Em 2021, uma lei foi aprovada para fazer a compensação. Dos R$ 62 bilhões a serem repassados aos Estados nos próximos 17 anos, o Pará receberia R$ 4,5 bilhões.
A pesquisadora Maria Amélia Enriquez, economista pós-doutora em desenvolvimento sustentável, da Universidade Federal do Pará, afirma que o pagamento da taxa mineral em infraestrutura pode ser interessante, considerando a burocracia que um Estado enfrenta para construir obras de grande porte.
“Mas não sabemos as implicações futuras em termos de desoneração, pois, indiretamente, o Estado está abrindo mão da sua competência fiscal”, diz ela.