
Reduzir as emissões de gases de efeito estufa da agropecuária é um caminho cheio de desafios para os produtores rurais. Apesar do potencial da chamada agricultura regenerativa, que aumenta o estoque de carbono no solo, o diagnóstico do setor é de que a transição precisa acelerar. Hoje, técnicas tradicionais de cultivo que perturbam o solo e usam insumos químicos seguem dominando a produção nacional.
Mas quem vai pagar essa conta se o consumidor final não traz essa demanda?
O tema foi discutido pelos principais elos do setor no evento “Futuro regenerativo: O agro como solução climática”, promovido pelo Reset, correalizado pela Produzindo Certo, nesta quinta-feira (10), em São Paulo. O encontro foi patrocinado por Itaú, BRF Marfrig e Natura, três dos parceiros do projeto COP30 do Reset.
“Não existe pressão do consumidor. O que faz a decisão dele é segurança, qualidade e bolso”, disse Paulo Pianez, diretor global de sustentabilidade da Marfrig e da BRF. “A demanda tem vindo muito mais de investidores, da indústria varejista e dos próprios bancos, que têm apertado critérios para a concessão de crédito.”
Sem um prêmio no preço do produto mais sustentável, a remuneração pelo investimento que precisa ser feito para a adoção de práticas mais sustentáveis precisa vir de outros lugares. A equação não é simples.
Produtora rural na Fazenda Santa Helena, no interior de São Paulo, Maira Lelis desenvolve práticas como mix de plantas de cobertura, rotação de cultura e preservação da biologia do solo, numa experiência que começou há dez anos. “Foram muitos erros e acertos”, lembra.
Ela fez investimentos na compra de máquinas plantadeiras capazes de fazer o plantio sem revolver o solo, evitando emissões de carbono e melhorando sua qualidade. Lelis conta que sua família planta na mesma terra há quase 90 anos e que começou a estudar novas práticas de cultivo quando o solo deu os primeiros sinais de esgotamento.
A experiência mostra que a transição para a agricultura regenerativa leva, em média, de três a cinco anos e os agricultores podem ter perda de lucratividade até que o sistema esteja maduro. Na Fazenda Santa Helena, a conta fechou com o aumento de produtividade e a queda de custo com insumos químicos – hoje, produz soja sem a aplicação de defensivos, devido à melhora da qualidade do solo.
“A maturidade da Fazenda Santa Helena, porém, ainda é um ponto fora da curva, não está nem no gráfico”, disse André Germanos, gerente de negócios de carbono e agricultura regenerativa para América Latina na ADM.
Dividindo os riscos
A remuneração aos produtores pode ser composta também por novas linhas de receita, como créditos de carbono e o pagamento de serviços ambientais, segundo Eduardo Bastos, diretor executivo do Instituto de Estudos do Agronegócio na Abag (Associação Brasileira do Agronegócio) e presidente da Câmara do Agrocarbono Sustentável no Ministério da Agricultura.
Ele avalia, porém, que os créditos de carbono são uma opção no futuro, pois é preciso fazer a medição e monitoramento do estoque de CO2 no solo para gerá-los, prática ainda incipiente no Brasil.
Os riscos de transição e os custos precisam ser divididos entre os elos da cadeia, diminuindo a pressão econômica na ponta, avalia Germanos. “O custo não pode ficar só com o produtor rural, só com a trading, só com o supermercado. Temos que fazer com que isso atravesse a cadeia, juntar esforços e multiplicar resultados.”
Comprador de soja e boi, a BRF e a Marfrig negociam tanto com produtores de grãos quanto pecuários – este segundo, um mercado bastante pulverizado. Segundo Pianez, são 1,2 milhão de produtores de gado no Brasil, sendo 70% pequenos negócios. “O fato é que a gente não tem os meios necessários para fazer com que essa transição aconteça lá na ponta, em especial para os produtores que precisam, os menores”.
Segundo ele, grande parte do investimento que necessita ser feito não está à disposição. “A gente ouve que tem bilhões de dólares para crédito e bonds verdes, mas parece uma coisa meio esotérica, porque a gente não vê esse dinheiro.”
Cadê a grana?
Maior banco na concessão de crédito rural, o Banco do Brasil tem uma carteira de R$ 397 bilhões em financiamento ao setor. Destes, 42% foram destinados para a transição e adoção de práticas mais sustentáveis, segundo Ketlin Sfair, gerente executiva de agronegócios e agricultura familiar do BB. “Precisa de mais, a demanda é muito maior, a gente sabe.”
Ela destacou a necessidade de o crédito vir acompanhado de outros instrumentos. “Os arranjos comerciais mudaram. O financiamento precisa vir com assistência técnica, com arranjos de comercialização, parceiros capazes de trabalhar a questão do carbono, com consultoria de gestão também”, afirma.
Há uma avaliação, porém, de que não se trata de falta de dinheiro, mas sim de custo. “Não é que falta recurso, é que o custo precisa ser mais atrativo”, avalia João Adrien, head de ESG Agro no Itaú BBA e vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). “As instituições financeiras sozinhas não conseguem dar uma taxa tão atrativa se não tiverem parcerias dentro da cadeia produtiva.”
Ele cita o exemplo o Programa Reverte, iniciativa que faz a recuperação de pastagens, convertendo áreas degradadas em áreas agricultáveis, o que reduz a pressão sobre a fronteira de desmatamento.
Na operação, há a parceria da Syngenta com o banco, que atua como braço financeiro. Para trazer dinheiro a um custo competitivo, o banco fez parcerias com órgãos multilaterais, que adquiriram R$ 1,4 bilhão em títulos sustentáveis emitidos pelo Itaú no mês passado, doa quais R$ 400 milhões serão destinados para o Reverte.
Uma solução encontrada tem sido o blended finance, modelo em que um capital subsidiado ou filantrópico reduz custos ou mitiga riscos, atraindo recursos privados em maior escala. Para os bancos, o Eco Invest tem sido um caminho, programa do governo federal para atrair capital estrangeiro privado para a descarbonização da economia. O Tesouro entra com recursos a uma taxa de juros baixa e os bancos vão buscar no exterior recursos para alavancar esse dinheiro.
Mas há também outros formatos. O Rabobank criou o AGRI3, fundo de impacto voltado ao financiamento do agro. Nele, tem como parceiros o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e o FMO, banco de desenvolvimento holandês. Além de financiamento, o fundo oferece assistência técnica.
“Com a divisão de riscos é possível dar um prazo de carência maior ou alongar a dívida”, diz Taciano Custódio, head de sustentabilidade do Rabobank na América do Sul. “Isso é interessante para o produtor que está olhando para práticas mais sustentáveis, que levam um certo tempo para gerar resultados em termos de produtividade.” O fundo financiou US$ 150 milhões nos últimos três anos no Brasil e a meta é chegar a US$ 1 bilhão.