
Belém – Contrariando expectativas sombrias, a COP30 em Belém não só atraiu dezenas de milhares de pessoas, como reuniu uma constelação de estrelas de diversas esferas da transição climática global.
Uma dessas figuras, que causa furor por onde passa, com filas para selfies, apertos de mãos e abraços, é Christiana Figueres.
A costarriquenha era a chefe das Nações Unidas para Clima – ou Secretária Executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – quando o Acordo de Paris foi fechado, em 2015, na COP21.
Uma das principais arquitetas do grande guarda-chuva de regras para a transição climática global, ela segue uma das vozes mais ouvidas e respeitadas nesse campo.
Hoje ela faz parte de diversos conselhos de organizações, como o World Resources Institute (WRI), e empresas como a espanhola Acciona (infraestrutura e energias renováveis), preside a Fundação Earthshot Prize e é co-apresentadora do popular podcast Outrage and Optimism, que durante a COP30 tornou-se o podcast oficial da conferência, a pedido do embaixador André Corrêa do Lago.
Como o nome do seu programa sugere, Figueres tem levado, por onde passa, uma visão bastante otimista do estado atual e dos progressos do mundo rumo a uma economia de baixo carbono.
Ela vê a China liderando essa transição, deixando para trás os Estados Unidos com Donald Trump na Casa Branca – à qual chama de “Casa Oscura” (Casa Escura). Nesse novo balanço geopolítico global, ela também vê o Sul Global emergindo como potência.
“Temos 70% do potencial de todas as energias limpas, 50% de todos os minerais necessários para a transição climática e países entre Brasil, China, Índia e África do Sul já estão gerando metade de toda a energia solar do mundo. É uma geopolítica muito diferente”, disse ela na quinta-feira (13) durante uma fala na C.A.S.E, casa montada em Belém por Itausa, Itaú Unibanco, Natura, Bradesco, Vale, Marcopolo e Nestlé para evidenciar soluções climáticas brasileiras com potencial de serem escaladas, assistida pela reportagem.
Enquanto vê avanços na transição energética, ela vê atraso na bioeconomia. “As soluções da natureza, que eu chamo de Cinderela [da transição], porque ficou em casa limpando as cinzas enquanto todos foram ao baile, estão muito atrasadas”, disse ela, parabenizando o Brasil por ter colocado o tema no centro da COP30.
Para Figueres, hoje o mundo convive com duas realidades econômicas: a do “business as usual”, que pode “destruir o mundo como conhecemos”, e a da sustentabilidade, que já comprovou ser competitiva e que pode criar um mundo muito melhor, em sua visão. “Em pouco tempo saberemos qual realidade se tornará permanente.”
Para ela, a imprensa tem prestado um desserviço ao noticiar que as empresas têm recuado dessa agenda sob a pressão de Trump. “Pesquisas apontam que 90% das empresas do mundo estão mantendo ou aumentando seu compromisso com a redução das emissões e transição para uma realidade mais sustentável. Porque a lógica empresarial já entendeu que, se quiser ter continuidade, a única rota é a da sustentabilidade.”
A seguir, a entrevista de Figueres concedida ao Reset.
Qual o papel das COPs daqui por diante, já que nós temos a maior parte do Acordo de Paris estabelecido, com as regras criadas?
A verdade é que o papel das COPs tem evoluído ao longo dos anos porque, depois de ter adotado o quadro legal, que é o Acordo de Paris, e ter terminado alguns detalhes que ficaram sem terminar, agora o papel dos governos centrais mudou.
Os governos centrais já não têm que negociar multilateralmente um acordo, mas, sim, têm que dar transparência e monitorar seu progresso. Mas o progresso e o avanço não são estabelecidos pelos governos, são estabelecidos pelo setor privado e a sociedade civil, pelas entidades financeiras, tudo o que não é governo central.
Então, como as COPs foram desenhadas para os governos nacionais, para negociar, e isso foi cumprido, agora o papel das COPs é outro. Os governos se reunirão para poder dar transparência, mas a liderança está nas mãos do setor privado. É por isso que as COPs estão como que dizendo: mas o que fazemos agora? Porque as COPs não foram desenhadas para o setor privado.
Mas você acha que as COPs se transformarão em um lugar para o setor privado?
Já são. É tudo o que vemos hoje.
Você acredita em uma estrutura mais organizada para isso?
Eu não sei se é uma estrutura mais organizada, porque, há 10 anos, cada uma das COPs tem atraído mais e mais pessoas. Mais e mais iniciativas. Eu não sei como se poderia organizar, porque o entusiasmo e o compromisso são tais que transbordam.
Aqui em Belém, onde todo mundo sabia que não havia camas suficientes, que era difícil chegar, veja as milhares de pessoas que estão aqui pelo entusiasmo transbordante.
E o que você tem achado do setor privado no Brasil?
É uma maravilha o setor privado aqui, uma maravilha. Entendem que a sustentabilidade é a única maneira de seguir adiante e, além disso, têm esta proximidade com os recursos naturais, muito mais que em outros países.
Portanto, parece-me que eles têm a visão, mas têm que ser mais rigorosos em seus compromissos, para que tenham mais credibilidade.
Mas esta questão do rigor e credibilidade é no Brasil ou em geral?
Em geral, mas é que há muitas companhias [no mundo] que já estão fazendo isso com muito rigor.
E o que você acha do TFFF como solução financeira?
Me parece a proposta mais ambiciosa que há para proteger a natureza e as florestas. Além disso, a regra que determina que 20% dos recursos sejam direcionados diretamente para as comunidades que estão protegendo as florestas é muito, muito inovadora e muito importante. E a aspiração é chegar a US$ 125 bilhões, não é?
Essa é a expectativa…
Mas começou muito bem. A verdade é que US$ 5,5 bilhões está muito bom para começar e, além disso, conseguiu-se que o Banco Mundial fosse quem administra [o fundo] e dá a credibilidade, muito bem.
Você se referiu à geopolítica da “Casa Oscura” quando falou da Casa Branca. Como vê o novo balanço de poder com Estados Unidos de um lado e China de outro quando se pensa na transição climática da economia?
Bom, os chineses estão fascinados, estão fazendo festa porque estão celebrando muito o fato de que os Estados Unidos saíram [do Acordo de Paris], de que estão colocando tantas barreiras. Os chineses estão sofrendo com seu próprio mercado doméstico, mas agora têm a grande possibilidade de poder continuar produzindo para exportar porque os países menores dizem, bom, temos que ir à China.
Você também enfatizou que a China já está reduzindo emissões de gases de efeito-estufa e que ninguém fala disso…
É que a imprensa não reporta isso! [risos]. Mas veja que a China está há 18 meses ou estável ou já reduzindo. Ou seja, dentro de pouco tempo eles vão reduzir vertiginosamente, mas ninguém fala a respeito. Todo mundo diz que a China é o problema. Não, não, não. A China é a líder.
E você acha que a China vai liderar essa nova economia?
Já está liderando. E, se a China reduz as emissões, o mundo reduz. E, além disso, lembre-se que na China não há democracia. Então, a opinião do governo não vai mudar. O Presidente Xi [Jinping] já disse: nós queremos criar uma civilização ecológica.
E como você vê o caminho, o roadmap para financiar a transição? Porque os fundos como TFFF são muito pequenos ainda, segundo o que você disse.
Mas não no setor privado. E nem sequer são necessários fundos novos. É simplesmente pegar os recursos que têm sido investidos em tecnologias sujas e mudá-los para tecnologias limpas. Também não é preciso criar mais dinheiro. É simplesmente redirecionar o dinheiro. E isso já está acontecendo.
Como eu disse, já estamos investindo 2,2 vezes mais em tecnologias limpas do que em tecnologias sujas. Porque as tecnologias limpas são muito competitivas. São mais baratas, são mais eficientes e são mais rápidas de construir. Ou seja, também não é uma ideologia. Simplesmente é um melhor investimento.
Você se referiu às soluções baseadas na natureza como a Cinderela da transição climática da economia, ou seja, a irmã maltratada, na comparação com transição energética e outras áreas. O que você acha que precisa acontecer para acelerarmos isso?
O problema aí é que ainda não há um fluxo de receitas previsível. Porque com uma fábrica de painéis solares ou turbinas de vento, por exemplo, você sabe quanto produz, quanto vende e qual será seu fluxo financeiro. Na parte da natureza ainda não temos esses mecanismos financeiros, mas, no momento em que houver um fluxo financeiro, então isso crescerá muito rapidamente.
Hoje ainda não damos valor à natureza. No momento em que os economistas acordarem e derem um valor à natureza, aí teremos um fluxo financeiro e então isso crescerá muito rapidamente, mas por enquanto é preciso ir subsidiando.
Já existem alguns fundos especializados em oceanos, em florestas, em bosques, alguns fundos pequenos especializados que estão justamente buscando entender qual é o fluxo de dinheiro que entra. E claro que são fundos muito pequenos porque estão ainda experimentando. Mas ninguém está dizendo que nunca vai existir um fluxo. O que estamos dizendo é: vamos criá-lo.
E o que você espera da COP30?
Eu espero que esta COP30 confirme que este processo em direção a uma transição econômica já é irreversível. Que está crescendo exponencialmente, e que já não depende da política.