Carta do enviado especial: Estamos em 2035 e a COP30 foi um sucesso para a Amazônia

Denis Minev, CEO da varejista manauara Bemol, foi escolhido pela presidência da COP30 para ser o enviado especial para o setor privado da Amazônia. Ele e outros 29 enviados especiais têm a missão de apoiar a liderança da conferência no engajamento e na escuta de setores e regiões prioritárias. O Reset publica em primeira mão a terceira carta de Minev sobre a agenda que pretende fomentar. Leia aqui a primeira e a segunda cartas.

No próximo 21 de novembro (estamos em 2035), teremos o sexto IPO de empresa genuinamente amazônica na Bovespa, que coincide com os 10 anos da COP30 de Belém. Nos últimos anos, essa empresa “rematou” mais de 10 mil hectares com agroflorestas produtivas de curauá e macaúba e deve fechar o ano com pouco mais de R$1 bilhão em faturamento e crescimento vertiginoso conforme mais plantações vão maturando. Vai buscar R$2 bilhões para acelerar ainda mais a expansão de SAFs, rumo aos 100 mil hectares plantados prometidos até 2040.

E a boa notícia é que ela é apenas um caso de muitos. As duas grandes da regeneração produtiva já “remataram” mais de 100 mil hectares, gerando produção que hoje ultrapassa R$ 6 bilhões em faturamento e mais de 50 mil empregos. Mais IPOs de empresas com sistemas agroflorestais que envolvem cacau, açaí, macaúba, mandioca, castanha, cupuaçu, palmito, pequi, piaçava, babaçu, bacuri, cumaru, tucumã, paricá, banana, madeira, guaraná, café, cubiu e dendê virão ao mercado nos próximos anos.

Junto com as duas grandes de restauração florestal e da grande de manejo florestal, formou-se o que investidores estão chamando “as MAG6 amazônicas”. Inicialmente apoiadas por carbono exportado em mercados voluntários e depois regulados (negociação iniciada na COP-30), hoje os aprendizados e técnicas desenvolvidas em agronomia, sensoriamento remoto, IA e robótica fazem com que a produtividade seja tão alta que o carbono já se tornou secundário.

Além das grandes empresas, o aprendizado hoje já se encontra em disseminação pela Amazônia toda. Cada vez menos se vê pastos degradados com meia cabeça de gado por hectare, numa transformação de conhecimento e produtividade sem igual. 

Pequenos e médios agricultores, apoiados por instituições de pesquisa e extensão rural, já conseguem vislumbrar condições melhores de vida.  Quem diria que pequenos agricultores com 5 hectares de sistemas agroflorestais entremeados por gado poderiam alcançar renda de até R$10 mil mensais? E que o PRONAF aprenderia a financiar agricultura regenerativa? E que o rebanho amazônico continuaria crescendo mais de 10% ao ano, com pequenos pecuaristas conseguindo costumeiramente mais de 5 cabeças de gado por hectare?

E assim se soergue uma nova classe média rural amazônica, puxando uma enorme demanda de serviços que vão de energia (majoritariamente solar com baterias, hoje baratas), bancos (as agências flutuantes já deixaram de ser curiosidade), varejo e logística, revitalizando pequenas cidades do interior. Drones de carga já não assustam mais as crianças de comunidades remotas.

E quem imaginaria que a concessão de crédito na Amazônia realmente avançasse a partir daqueles embriões que eram Eco Invest e Floresta Viva, chegando a mais de R$18 bilhões de investimento produtivo anual? E que a Amazônia estaria na trajetória de ultrapassar o Cerrado até 2050 como principal exportador de alimentos, além de bioplásticos, madeira e combustíveis renováveis?

Em quase toda cidade hoje temos formação universitária em agronomia amazônica, com um fluxo enorme de jovens buscando oportunidades.  Após o sucesso do curauá (para bioplásticos) e cubiu (substituto mais saboroso que o tomate), as pesquisas se ampliaram, com os próximos prováveis sucessos vindo da baunilha amazônica, munguba (isolante térmico), unha de gato e voacangina (farmacêuticos). 

Parece claro já que a grande nova droga da longevidade e do emagrecimento virá mesmo da Amazônia, com múltiplos laboratórios nacionais e globais hoje estudando a biodiversidade da região, 18 compostos candidatos promissores apoiados por venture capital.

É preciso reconhecer que após a COP30, o financiamento internacional acordado para a transformação climática e econômica da Amazônia que uniu União Europeia e China ao Brasil e demais países da OTCA foi transformador.  Quem imaginaria que um dia teríamos orçamentos de mais de R$ 7 bilhões em instituições de pesquisa, inclusive militares, para produtividade econômica da Amazônia todos os anos?

E o TFFF, que nasceu em 2025 meio desacreditado, chega hoje distribuindo US$ 10 bilhões ao ano e fortalecendo todo o sistema de unidades de conservação e terras indígenas.

Quem diria que as condições de vida de ribeirinhos avançariam tanto?  Ninguém mais tem de subir em árvores para ganhar (arriscando) a vida.  Combinando um extrativismo de alta tecnologia e produtividade, compensações globais e uma crescente população jovem educada que vive na Amazônia profunda mas conectada ao mundo, trabalhando remotamente na economia do conhecimento, parece vermos uma semblância de classe média até nas unidades de conservação e terras indígenas.

Quem diria que a logística avançaria tanto com eletrificação (estimulada pela COP30), barateando a vida dos mais remotos e promovendo a adaptação à vida de secas mais frequentes com ecranoplanos, drones, roboembarcações, hovercrafts e hidrofólios?  Ou que estivéssemos próximos a universalizar energia, ar condicionado e saneamento de qualidade?

E foi com todas essas ações que finalmente se formou a coalizão política na qual prefeitos e governadores se engajaram profundamente para reduzir o desmatamento ilegal em conjunto com autoridades federais. Os prefeitos eleitos em 2032 tiveram apoio popular para zerar o desmatamento ilegal já em 2033 – e hoje estamos em vias de plantio e regeneração natural de tal forma a chegarmos no final dessa década com mais de 85% do território amazônico de florestas.  Entregaremos à próxima geração mais Amazônia e mais prosperidade do que recebemos. E de um humilde mutirão convocado uma década atrás, veja onde chegamos!  

Voltemos a 2025. As sementes estão plantadas. O Brasil passa a olhar para o financiamento produtivo na Amazônia com incipiente seriedade.  Empreendedores e capital de risco começam jornadas promissoras em atividades regenerativas. Financiadores públicos mostram mais que apenas boa vontade. Teremos nós a coragem de acelerar o que há de bom? Ou será essa uma utopia?

Essa carta também tem uma versão sombria, na qual incêndios florestais invadem cidades e pulmões e encurtam vidas, secas bloqueiam a navegação e destroem plantios, criminosos estimulados pela ausência do estado e pelas forças do mercado ilícito aceleram a já existente economia ruim que vai do garimpo, informalidade e mais terra degradada e grilada.  Ribeirinhos e populações tradicionais continuam na penúria, num extrativismo primitivo, arriscando a vida nas alturas para que você consuma seu açaí. A logística regional permanece tão cara que arroz e café chegam à maior parte dos municípios com preços dobrados em relação a São Paulo, tornando as transferências de renda menos eficazes.

E as periferias das nossas cidades continuam as mais violentas do Brasil em meio a drogas, desemprego e armas, com energia intermitente, sem ar condicionado (um direito humano na região) ou perspectivas. Órgãos federais continuam ineficazes e despriorizados pelos locais, sempre associados a uma visão estrangeira do futuro da Amazônia, como se mais unidades de conservação fossem a panacéia. Lideranças locais, a maioria bons cidadãos em busca de um futuro melhor para seus filhos, aceitam que os únicos modelos que dão certo na Amazônia são Lucas do Rio Verde e Sinop (soja) e buscam com todas as forças alcançá-lo na região toda.  

E então encerro com duas preces.  

“Que Tupã não permita que eu viva e testemunhe o ecocídio da selva, para que de minha boca não saia oração ao sepulcro da biota e do homem amazônicos.” – Samuel Benchimol, 1979.  

“Que Tupã permita que meus filhos Ben e Liz vejam a Amazônia do século XXII, que seus olhos testemunhem e suas bocas recitem orações em celebração à prosperidade e conservação.” – Denis Minev, 2025, às vésperas da COP30.

*Denis Minev é economista e CEO da Bemol, além de investidor em projetos sustentáveis na Amazônia. Foi secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Amazonas e cofundador da Fundação Amazonas Sustentável.