
Considerado um capítulo “fechado” do Acordo de Paris, o Artigo 6, que dispõe sobre os mercados internacionais de carbono e a troca de créditos entre os países, voltou a causar discórdia na COP30. O que deveria ser apenas uma fase técnica em Belém resultou em duas semanas de discussões acaloradas.
Não foram reabertos pontos já acordados, mas foram apontados problemas que podem colocar em risco a credibilidade do sistema mesmo antes de ele engrenar e cumprir seu papel de aceleração da transição climática.
Um dos pontos críticos levantados em Belém foi em relação ao chamado artigo 6.2, que envolve trocas de reduções de emissões entre países, ou ITMOs (sigla em inglês para resultados de mitigação transferidos internacionalmente).
Essas transações são feitas diretamente entre duas nações. Eis um exemplo hipotético: as emissões evitadas por um projeto de energias renováveis no Senegal podem ser vendidas para Singapura.
Esse comércio bilateral está apenas iniciando, mas os relatórios técnicos enviados à Convenção do Clima para documentar essas primeiras trocas apresentam inconsistências técnicas.
Isso poderia matar a credibilidade do sistema antes mesmo que ele ganhe corpo, diz Juliana Marcussi, especialista em mercados de carbono da Laclima, uma entidade que reúne advogados da América Latina. “É a confiabilidade dos ITMOs que está em jogo”.
Uma parte do problema está nos países em desenvolvimento, os vendedores dos ITMOs. Eles precisam de capacitação para lidar com os relatórios exigidos. Há um movimento de organismos multilaterais para o financiamento desse tipo de preparação, segundo Marcussi.
Mantidas as inconsistências, o recado de países como a Suíça, um dos mais interessados no uso do 6.2, foi direto: sem estrutura doméstica robusta, segurança jurídica e dados confiáveis, acordos bilaterais podem simplesmente se inviabilizar.
Pelas regras, um país não pode usar ITMOs inconsistentes para cumprir sua NDC (sigla em inglês para Contribuição nacionalmente determinada). Mas, da maneira que as regras estão escritas hoje, não há proibição explícita de transferi-los.
Essa ambiguidade precisa ser resolvida nas sessões técnicas que acontecem ao longo do ano. Marcussi afirma que as negociações em curso podem ser ao menos uma maneira de os compradores garantirem preços mais baixos, já que esse mercado ainda dá os passos iniciais.
A própria ONU também tem limitações em seu corpo técnico – e o sistema do 6.2 está com um buraco no orçamento.
No biênio 2024-2025, faltam US$ 8 milhões para fechar as contas. Em 2026 e 2027, a expectativa é que operar o sistema vá custar US$ 14 milhões. Ainda não há certeza de onde virão os recursos.
Toda a estrutura da UNFCCC enfrenta dificuldades para pagar suas contas. Sob o governo de Donald Trump, os Estados Unidos deixaram de fazer suas contribuições, que correspondem a 20% do braço climático das Nações Unidas.
REDD+ no radar
No 6.4, um mercado de carbono supervisionado pela ONU em que serão negociados créditos gerados pelo setor privado, o foco das discussões foi a revisão do relatório do órgão supervisor, conhecido pela sigla SBM.
Uma das principais atribuições do SBM é decidir quais metodologias geradoras de créditos serão aceitas nesse mercado, o PACM (Paris Agreement Crediting Mechanism).
A primeira aprovada, há cerca de um mês, envolve a captura de metano em aterros sanitários. Uma das demandas é que o processo de aprovação seja mais rápido e também tenha um período mais longo para as contribuições de partes interessadas.
“Uma análise feita pelo painel técnico recebeu 111 comentários, dos quais só três ou quatro foram de stakeholders”, diz Marcussi. “São documentos técnicos muito complexos. Poucos têm condições de apresentar contribuições se o prazo for curto.”
O fluxo de financiamento também pesou na mesa: o encerramento do MDL foi antecipado para meados de 2025, liberando US$ 26,8 milhões para a operação do 6.4. Desse total, US$ 5 milhões serão destinados à capacitação. Em troca, quando o 6.4 se tornar autossustentável, esses valores deverão ser repassados ao Fundo de Adaptação.
Um tema sensível reapareceu: a possibilidade de barrar metodologias de REDD+, os créditos de carbono relacionados à preservação de florestas. A discussão não avançou e foi retirada do texto final, mas permanece aberta no âmbito do SPM. Na prática, isso significa que não há nenhuma obrigatoriedade de excluir créditos florestais, relevantes para países como o Brasil.
Outra frente que gerou discussões foi a prorrogação do prazo para migração de projetos do MDL para o 6.4, agora estendida até 30 de junho de 2026. Países em desenvolvimento defenderam o adiamento, enquanto outros alertaram para o risco de reabrir regras que já deveriam estar consolidadas.