ANÁLISE: É difícil enxergar a COP em meio à névoa dos anúncios voluntários

Enxurrada de declarações de intenções rouba a atenção das negociações oficiais, o real propósito da conferência

ANÁLISE: É difícil enxergar a COP em meio à névoa dos anúncios voluntários
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DUBAI – In loco ou à distância, está perdoado o observador que não consegue enxegar através da névoa destes primeiros dias da COP28. Entre tantos anúncios e declarações de intenções, é quase impossível não sentir-se soterrado por uma avalanche de iniciativas grandiosas e bem-intencionadas.

Mas, com exceção do fundo de perdas e danos adotado no primeiro dia do evento, todas os outros compromissos apresentados até aqui são voluntários.

Traduzindo: empresas e países estão dizendo o que querem fazer, muitas vezes daqui a algumas décadas. Mas não há nenhum mecanismo de acompanhamento nem de cobrança. A maioria será esquecida antes do fim da conferência.

É compreensível que as COPs sejam o local escolhido para fazer essas divulgações. As atenções do mundo estão voltadas para Dubai. A imprensa internacional está aqui.

A dificuldade para quem acompanha a cobertura das negociações do clima casualmente ­– basicamente todo mundo que não está aqui em Dubai – é entender o que faz sentido e o que tem cara de COPwashing, para emprestar um termo da nossa colunista Caroline Prolo.

Escolhi dois dos que chamaram mais atenção para tentar ilustrar por que essa chamada “agenda da ação” ­– que, mais uma vez, não tem relação com as negociações oficiais – é ao mesmo tempo relevante e uma distração.

Net zero segundo quem?

A presidência da COP colocou muitas fichas na Carta de Descarbonização do Petróleo e do Gás. A iniciativa, liderada pelo país-sede e pela Arábia Saudita, terá “impacto de grande escala e vai acelerar a ação climática do setor”.

O documento foi assinado por 50 empresas, muitas delas estatais (incluindo a Petrobras), responsáveis por 40% da produção global.

Caso ainda não o tenham feito, elas se comprometem a adotar estratégias para atingir a neutralidade de carbono até 2050 – mas somente de suas operações próprias.

Isso significa não emitir mais CO2 nas atividades de extração, refino e transporte. Mas a conta não inclui os gases de efeito estufa que serão emitidos quando a gasolina ou o óleo diesel forem consumidos.

Essas emissões, também conhecidas como escopo 3, são de longe a parte mais crítica da indústria.

O texto também fala em “investir no sistema energético do futuro, incluindo renováveis, combustíveis de baixo carbono e tecnologias carbono-negativas”.

Mas não há detalhes, valores ou prazos. Cada signatário dessa declaração faz o que bem entender, no tempo que considerar adequado. “A única maneira de ‘descarbonizar’ o petróleo é parar de produzi-lo. Menos que isso é só greenwashing”, disse Carroll Muffett, presidente do Center for International Environmental Law.

Como isso poderia acontecer? Com uma decisão vinculante e referendada pelos países que integram a Convenção do Clima.

Existe um movimento para incluir algum tipo de linguagem na decisão desta COP, inclusive por parte do bloco europeu, mas as chances são consideradas pequenas.

As decisões são tomadas por consenso. Se um único país se opuser, nada feito – e já está claro o pensamento do presidente da conferência, Sultan Al-Jaber, a respeito do assunto.

Mais usinas nucleares

Um grupo de 22 países, incluindo Reino Unido, Canadá, Coreia do Sul e Estados Unidos, anunciou um compromisso de triplicar a capacidade de energia nuclear no mundo até 2050.

Os defensores da tecnologia argumentam que as usinas nucleares são limpas (pelo menos do ponto de vista das emissões de gases de efeito estufa), seguras e representarão uma parte importante do mix de energias do mundo pós-carbono.

“Não tem como chegar ao net zero [global] em 2050 sem um pouco de energia nuclear”, disse John Kerry, a mals alta autoridade climática americana, no lançamento da iniciativa.

Independentemente da sua opinião pessoal sobre o assunto, a própria Agência Internacional de Energia afirma que novos reatores serão “cruciais” para que o mundo siga na rota delineada no Acordo de Paris.

Mas entre a meta e realidade existe um abismo financeiro e de prazos. O custo de uma usina nuclear tradicional fica na casa das dezenas de bilhões de dólares cada uma, e não é raro que as obras durem mais de dez anos.

Muita esperança é depositada em um novo tipo de planta, com reatores modulares de apenas 3 metros de diâmetro e 20 metros de altura.

Mas um dos projetos pioneiros nos Estados Unidos foi cancelado no mês passado. Mesmo com os incentivos do megapacote verde de Joe Biden, as finanças do projeto simplesmente não pararam em pé.

O governo britânico espera elevar a participação da energia atômica dos atuais 14% para 25% da matriz elétrica do país na metade do século, usando a tecnologia de reatores modulares.

Mas por enquanto trata-se ainda de um plano.

A promessa anunciada na COP28 tem “fins políticos que não refletem o papel da energia nuclear na transição energética, que será mínimo. O crescimento é pequeno – certamente nada perto de triplicar”, diz David Tong, do centro de estudos Oil Change International.

Os esforços para combater a mudança do clima não são exclusivos dos governos nacionais. Empresas, administrações subnacionais, universidades: todos têm papel a desempenhar. Mas transição energética precisa de mais do que declarações de boas intenções. Ela precisa de velocidade e mecanismos de cobrança e responsabilização – de leis e regulamentações.