A COP do petróleo

Há motivos para otimismo com a conferência do clima deste ano, que acontece no Golfo Pérsico, o coração da indústria petroleira global?

Pilha de barris de petróleo com um deles manchado em primeiro plano
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(Este texto foi publicado em primeira mão na newsletter Carbono ZeroInscreva-se aqui.)

São mais de 30 anos de negociações internacionais sobre o clima, com plena ciência de que os combustíveis fósseis são a principal causa do aquecimento global, mas nunca houve uma COP que colocasse no papel a necessidade de parar de queimá-los.

Terá chegado o momento?

COP28 começa daqui a 35 dias em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, com uma pressão sem precedentes para que o texto final inclua alguma menção, ainda que qualificada, à necessidade de acelerar a transição para um mundo sem carbono.

Em um ano de tragédias como as enchentes na Líbia e os incêndios florestais no Canadá, para ficar em só dois exemplos, não se discute mais a urgência.

O consenso diplomático são outros quinhentos. As decisões têm de ser aprovadas por unanimidade – e sauditas e russos têm deixado claro que são contra a ideia.

E as discussões acontecerão na “casa do adversário”. Não é força de expressão: como todas as outras imponentes construções do emirado, a Dubai Expo City foi erguida com dinheiro do petróleo.

O setor de óleo e gás deve enviar o maior contingente de lobistas da história das COPs

O capital vem redobrando a aposta no petróleo: nos últimos dias as duas maiores petroleiras americanas, Exxon Mobil e Chevron, anunciaram aquisições que somam US$ 110 bilhões.

Tudo aponta para uma conferência tensa. Abaixo, tentamos explicar os interesses que vão entrar em choque em Dubai e o que pode resultar da COP28 (spoiler: não crie muitas esperanças).

Pico ou miragem?

Com raras exceções, como a pandemia, o consumo mundial de carvão, gás natural e petróleo aumenta ano após ano.

Depois de mais de um século, esse padrão está prestes a mudar. A demanda mundial por fósseis vai deixar de crescer no fim desta década. O tão aguardado “pico dos combustíveis fósseis” está no horizonte, disse a Agência Internacional de Energia num relatório publicado esta semana.

A explicação é a aceleração massiva de fontes renováveis. Daqui até 2030, a AIE estima que:

  • Fazendas solares gerarão mais eletricidade que todo o sistema elétrico americano;
  • Fontes limpas passarão de 30% para 50% da matriz elétrica global;
  • Os investimentos em eólicas offshore será o triplo do de novas usinas térmicas a gás ou a carvão;
  • O total de carros elétricos nas ruas será dez vezes maior.

Tudo isso significa que os níveis de consumo de combustíveis fósseis se estabilizarão por volta de 2030, segundo os cálculos da agência.

A demanda deve seguir aumentando por três décadas nos países emergentes, mas será compensada pela queda no mundo desenvolvido.

“Não há como impedir a transição para a energia limpa”, disse o diretor-executivo da agência, Fatih Birol.

Falta só combinar com os adversários. “Eu de minha parte discordo, a OPEP discorda”, disse Scott Sheffield, CEO da petroleira Pioneer, sobre as previsões. “Todo mundo que produz óleo e gás discorda.”

Bem, ao menos é o caso das duas principais Big Oil americanas. A Exxon Mobil anunciou a compra da Pioneer por US$ 60 bilhões há duas semanas. Nesta segunda-feira, a Chevron adquiriu a Hess por US$ 53 bilhões.

As duas supermajors estão se preparando para um mundo bem diferente do vislumbrado pela AIE. “Não acho que estejam nem perto de estar certos”, disse Mike Wirth, CEO da Chevron, em relação aos prognósticos da agência. “Você pode desenhar cenários, mas vivemos no mundo real.”

Analistas afirmam que as aquisições podem desencadear uma “corrida armamentista” por reservas. Especulou-se até mesmo sobre uma possível fusão entre BP e Shell, duas das maiores petroleiras europeias.

Mesmo que não aconteça uma grande consolidação, o movimento pode atrasar ainda mais os planos das companhias europeias em relação às energias renováveis.

Essa nunca foi a visão das americanas. Para elas, o foco está e vai continuar nos hidrocarbonetos. E a mudança climática? O CO2 das operações será capturado no ponto da emissão, ou então removido da atmosfera a posteriori, como propõe a Occidental Petroleum.

Logomarca oficial da COP 28

O que isso significa para a COP?

Bem… é complicado. Primeiro, é importante saber que as Conferências do Clima têm duas “partes”.

Uma delas envolve as negociações oficiais, em que são tomadas as decisões no nível dos países e que se tornam leis internacionais. Falaremos delas um pouco mais abaixo.

Em paralelo, ocorre a parte “civil” da COP. É onde empresas, universidades, ONGs, governos subnacionais e assim por diante se manifestam com a intenção de se fazer ouvir pelos negociadores.

É nesse espaço que são anunciadas iniciativas voluntárias, como a aliança financeira pelo net zero, apresentada na COP26, em Glasgow, ou o compromisso assumido por alguns países na COP27 para reduzir as emissões de metano.

Este ano, uma das intenções dos anfitriões é lançar uma aliança para formalizar o comprometimento do setor de óleo e gás com a descarbonização até 2050.

A iniciativa é liderada pelo presidente da COP, Sultan Al-Jaber, o CEO da Abu Dhabi National Oil Company, a estatal de petróleo dos Emirados Árabes.

Os críticos apontam dois problemas. O primeiro e mais óbvio é o conflito de interesses de um presidente de uma petroleira à frente de uma conferência que discute a descarbonização.

O segundo está relacionado aos sinais que Al-Jaber vem dando desde sua nomeação. Suas declarações públicas repetem as ressalvas e qualificações usadas pela indústria.

Sim, diz ele, o mundo tem de parar de queimar combustíveis fósseis, mas somente aqueles de emissões não-abatidas (veja o glossário acima). Isso significa usar tecnologias promissoras – e ainda não comprovadas em grande escala – de captura de carbono.

(No que só pode ter sido uma coincidência, a companhia presidida por Al-Jaber assinou no começo de outubro um acordo para explorar a construção de uma planta de remoção de carbono do ar em parceria com a americana Occidental Petroleum.)

“Queremos descarbonização ou temos alguma ideia ideológica contra o petróleo e o gás? Queremos resolver as emissões, então vamos nos concentrar nelas. Elas são o inimigo. Vamos combatê-lo, e não a indústria que ajudou a moldar o mundo em que vivemos hoje”, disse ele numa entrevista recente à Reuters.

Ambientalistas enxergam nesse tipo de solução uma tentativa mal disfarçada de a raposa tomar conta do galinheiro.

Sem regras que estabeleçam com clareza os prazos e um abandono completo de fontes fósseis para geração de energia, dizem os críticos, a crise climática não terá solução.

O que esperar das negociações de Dubai?

Todas as decisões adotadas no âmbito da Conferência do Clima precisam de unanimidade. Basta a resistência de um único país para que o assunto seja vetado.

Em outras palavras, um texto que mencione uma “eliminação gradual” (phase out) dos combustíveis fósseis está essencialmente fora de questão.

A Arábia Saudita impediu que o termo “redução” no uso de combustíveis fósseis fosse incluído no comunicado final de um encontro dos ministros da Energia do G20, realizado em junho.

A Rússia depende da venda de petróleo e gás natural para financiar a guerra na Ucrânia. E, em COPs passadas, os chineses também se opuseram à ideia, pois o país ainda vai demorar décadas para limpar sua matriz energética.

Os 27 países da União Europeia pretendem brigar por uma redação que inclua a necessidade de “eliminar gradualmente” (phase down) os combustíveis fósseis cujas emissões não foram abatidas.

Mesmo com essas qualificações, a posição da UE é considerada ambiciosa. Em primeiro lugar, não existe consenso sobre o que exatamente significa esse “abatimento” das emissões.

E muitos países pobres não teriam condições de implementar as soluções tecnológicas necessárias para seguir usando insumos essenciais para o funcionamento de suas economias.

Em um evento nesta semana, o ex-vice-presidente americano Al Gore resumiu a frustração de muitos quando o assunto envolve as forças ligadas ao petróleo.

“O setor é contra. Os petro estados são contra. Um deles está com o martelo na mão e decide o que vai acontecer”, disse Gore.

“Quando Al-Jaber diz que a indústria deveria colaborar com os governos para que haja progresso, quem está querendo enganar? Ele acha que somos idiotas?”