Jogo limpo: Paris está entregando a prometida Olimpíada 'verde'?

O objetivo era realizar na capital francesa os Jogos Olímpicos mais sustentáveis da história – mas os detalhes mostram que a ambição pode ter sido exagerada, diz relatório da XP

Os anéis olímpicos na Torre Eiffel
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Os organizadores da Olimpíada de Paris sempre tiveram a meta ambiciosa de promover os jogos mais sustentáveis da história recente, com cortes drásticos de emissões de carbono associadas ao evento e redução no uso de plásticos de uso único, entre outras medidas.

Ainda que inovações apresentadas na França contribuam para esses objetivos, elas também evidenciam que viabilizar um evento ‘verde’ para 15 milhões de pessoas não é nada simples. 

A equipe de análise da XP, patrocinadora do Comitê Olímpico Brasileiro, publicou um relatório no qual compila quais compromissos estão se tornando realidade à medida que o evento ocorre. 

A 33ª edição dos Jogos Olímpicos se comprometeu a reduzir suas emissões de carbono em 50% em comparação à média de 3,5 Mt (milhões de toneladas de carbono equivalente) do Rio, em 2016, e de Londres, em 2012. Isso corresponde às emissões da cidade de Campinas (SP) em todo o ano de 2021. 

Em Tóquio, há três anos, o total ficou em 1,9 Mt de carbono – a redução se explica pela ausência de turistas estrangeiros por causa da pandemia.

“Ao mesmo tempo em que vemos com bons olhos as metas de sustentabilidade de Paris 2024, não vemos que elas serão facilmente cumpridas – em comparação, atingir essas metas resultaria em emissões ainda menores do que as de Tóquio”, escrevem os analistas.

O relatório se concentra nas ações adotadas pela organização em três áreas: infraestrutura, uso de energia renovável e incentivo ao transporte público. 

Mas não foi necessário examinar com detalhes as medidas tomadas. Relatos e anoedotas publicados pela imprensa e pelos próprios atletas mostram que algumas ideias simplesmente não faziam sentido.

Na cidade onde foi assinado o Acordo de Paris, o paradoxo do ar-condicionado ganhou atenção redobrada. Em vez do resfriamento tradicional, foram utilizados sistemas geotérmicos, em que a temperatura do ambiente é resfriada levemente com o uso de água retirada do solo.

Mas, com os termômetros locais alcançando 33 ºC, o sonho derreteu. A organização teve de comprar 2,5 mil aparelhos de ar-condicionado – além dos que foram adquiridos por conta própria por delegações como a  brasileira, a alemã e a grega. 

Uma imagem do nadador italiano Thomas Ceccon, medalha de ouro nos 100 metros costas, resumiu o problema: ele foi retratado dormindo num gramado, por causa do calor.

A meta de reduzir pela metade os plásticos de uso único também encontrou barreiras. A ideia era que a Coca-Cola, tradicional patrocinadora do evento, instalasse fontes pela cidade para incentivar o uso de copos reutilizáveis.

A gigante de bebidas encontrou dificuldades de tornar o plano realidade e, em vários pontos, garrafas de plástico estão sendo utilizadas, de acordo com o noticiário internacional

Infraestrutura

Das áreas que mais receberam investimentos para darem a pincelada verde nos Jogos Olímpicos, a de infraestrutura foi a que envolveu inovações mais evidentes. A estratégia de adaptar os eventos às construções já disponíveis foi realçado no relatório da XP.

Paris está sediando 95% dos eventos em locais pré-existentes ou temporários, que passaram por alguma modificação ou modernização para receber as competições. No Rio, por exemplo, metade das construções eram novas e, em Londres, um terço. 

A escolha dos materiais também foi importante na trajetória de descarbonização, uma vez que o cimento e o aço, amplamente utilizados em construções de grande porte, são intensivos em emissões de carbono durante sua produção.

Na capital francesa, biomateriais reciclados, como a madeira, foram usados para levantar estruturas, enquanto as camas dos atletas combinam redes de pesca recicladas e papelão reforçado. 

Os 2,8 mil apartamentos construídos na Vila Olímpica serão reaproveitados após os Jogos, destaca a XP – um terço deve ser destinado para moradias públicas e o restante vendido a preços acessíveis, segundo a organização. 

Energia renovável

A energia que alimenta as instalações olímpicas vem de fontes renováveis, destaca o relatório da gestora, fornecida por seis parques eólicos e dois solares. Também foi instalado um painel solar no teto do centro aquático olímpico e uma usina solar flutuante pelo Rio Sena. 

“Embora reconheçamos os esforços da França para o uso de energia renovável, vale notar que o país já tem uma das matrizes de menor emissão da Europa, o que a coloca em vantagem em comparação com outros países que dependem principalmente de combustíveis fósseis, tornando o desafio relativamente menor por lá”, afirmam os analistas. A matriz energética do país é composta, principalmente, por energia nuclear (38%), petróleo (31%), gás natural (16%) e eólica e solar (4%).

Lâmpadas usadas no Stade de France, onde acontecem as competições de atletismo, também foram substituídas pelas alternativas de LED, que devem reduzir o consumo de energia em 80%. 

Transporte – e seus desafios

O transporte é o terceiro ponto visto com atenção pela organização por conta das emissões de carbono. Há quatro anos, Paris abraçou o conceito de ser uma “cidade de 15 minutos”, que prevê a priorização do uso de transportes públicos e bicicletas em detrimento dos veículos privados (e mais poluentes). 

Nos Jogos, 85% dos atletas estão alojados a 30 minutos de seus locais de competição, destaca o relatório, e a frota oficial do evento é formada por veículos elétricos e movidos com células de hidrogênio. 

Para os turistas, arenas e estádios podem ser acessados por metrôs e ônibus, e o número de bicicletas de uso compartilhado também cresceu. 

Mas o principal desafio da cidade, quando se trata de emissões, está no que não pode controlar: as emissões de viagens aéreas por espectadores, atletas e equipes vindos de 200 países. Os deslocamentos por aeronaves devem representar até 25% das emissões totais do evento, afirma a XP. 

Os resultados

As Olimpíadas começaram em 26 de julho e se encerram no próximo domingo, 11, e serão seguidas pelas Paralimpíadas, de 28 de agosto a 8 de setembro. Ao fim do evento, deve ser realizada uma avaliação sobre as medidas que funcionaram ou não na área de sustentabilidade. 

Emissões que forem consideradas inevitáveis serão compensadas com a compra de 1,3 milhão de créditos de carbono gerados em projetos de proteção de florestas em Quênia, Guatemala, Nigéria e República Democrática do Congo. 

No tratamento das águas, por exemplo, o rio Sena ainda pode proporcionar notícias pela sua contaminação – a belga Claire Michel contraiu uma infecção bacteriana logo após a disputa individual de triatlo. 

“Nadar no Sena é oficialmente proibido desde 1923 devido a preocupações com a qualidade da água. Para reverter tal situação, os organizadores investiram US$1,5 bi para limpar o rio antes dos Jogos”, afirma a XP, que ressalta que os altos custos e a incerteza sobre o resultado a longo prazo levantam questões sobre a eficácia da estratégia dos organizadores.