De vodca a diamantes, startups dão novo destino para captura de CO2

As empresas que querem transformar em produtos do dia-a-dia o CO2 retirado do ar – e dar um empurrãozinho em uma tecnologia essencial

De vodca a diamantes, startups dão novo destino para captura de CO2
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A ideia parece boa demais para ser verdade: fábricas que usam o ar como matéria-prima.

Uma nova onda de startups quer transformar em produtos do dia-a-dia o CO2 retirado do ar e, ao mesmo tempo, dar um empurrãozinho em uma tecnologia essencial na luta contra a mudança climática.

Uma delas recicla o carbono em perfume e vodca; outra produz diamantes. Algumas fabricam gasolina com ar, água e eletricidade.

Nenhuma promete fazer a diferença na contabilidade global de emissões para limitar a 1,5° C o aumento da temperatura no fim do século. Dar escala à captura de carbono é parte do incentivo para esses negócios que pretendem viver de brisa.

Em seu relatório mais recente, a ONU indicou que parar de lançar CO2 na atmosfera não será suficiente para evitar as piores consequências da mudança climática – teremos de removê-lo do ar.

Não há área suficiente no planeta para que esse trabalho seja feito por árvores. A boa notícia é que a alternativa tecnológica é conhecida. A má é que ela ainda custa caro demais e tem pouca eficiência.

Crédito de carbono de luxo

A americana Aether Diamonds quer ajudar a fechar essa conta – no segmento de luxo, onde o preço de venda não é tanto um problema. Desde o meio do ano passado, a empresa produz o que diz ser o primeiro diamante de laboratório do mundo com uma pegada negativa de CO2.

Empresas que sintetizam diamantes utilizam duas matérias-primas básicas: metano, de onde será extraído o carbono, e muita eletricidade para operar os reatores, num processo que dura semanas para as gemas crescerem.

Na Aether, diz o fundador Ryan Shearman, “todos os átomos de carbono estavam no ar, aquecendo o planeta”, e as fontes de energia são exclusivamente limpas.

Cada quilate de diamante vendido pela startup equivale à remoção de 20 toneladas de CO2 da atmosfera – mais que as 16 toneladas emitidas por um americano médio durante um ano inteiro.

Desse total, na verdade, uma parte muito pequena corresponde ao CO2 que de fato foi parar na pedra. 

A maior porção é uma espécie de “crédito de carbono de luxo”, que inclui o financiamento de empresas que capturam o carbono diretamente do ar.

Shearman afirma que um dos motivos que o levaram a fundar a empresa foi impulsionar os negócios nascentes de retirada de CO2 da atmosfera.

A Aether Diamonds tem um escritório no bairro dos diamantes, em Manhattan, conta com certificado de B Corp, de empresas com propósito, e começou a vender suas pedras no ano passado. A companhia não revela o faturamento nem quanto CO2 já ajudou a remover do ar – diz apenas que já produziu “centenas de quilates”.

Primeira infância

Ainda há mais dúvidas que certezas quanto ao futuro comercial da tecnologia. A maior planta de DAC (de direct air capture) do mundo fica na Islândia e tem capacidade para capturar 4 000 toneladas de CO2 por ano.

A suíça ClimeWorks, que opera a unidade, recebeu no começo de abril um aporte de US$ 650 milhões. Com o investimento, o plano é erguer uma unidade dez vezes maior nos próximos três anos, com a meta de atingir 1 milhão de toneladas capturadas até o fim da década.

A maior parte do CO2 é injetada em poços subterrâneos ­– de onde, em tese, ele não sairá mais. Mas o custo ainda é proibitivo. Estima-se que hoje a remoção e sequestro de uma tonelada de carbono custe entre US$ 500 e US$ 600.

Algumas companhias estão dispostas a pagar caro para limpar o ar, mas encontrar compradores dispostos a dar uma segunda vida ao dióxido de carbono também será essencial.

Apesar do nome, a Air Company, startup com sede no Brooklyn, diz ser “agnóstica” em relação à origem da matéria-prima. 

Seus produtos utilizam carbono retirado do ar, mas também o capturado numa indústria próxima.

O primeiro lançamento da startup foi a Air Vodka, um “destilado” de luxo que custa cerca de US$ 70 e tem uma pegada de carbono negativa. Segundo a Air Company, cada garrafa de 750ml de uma vodca típica representa a emissão de 5,9 kg de CO2; no caso da Air Vodka, 6,4 kg são removidos, pois o álcool é produzido com carbono reciclado.

No começo da pandemia, a empresa passou a fazer um spray de álcool desinfetante e no ano passado lançou o Air Eau de Parfum. 

Incluindo todo o processo produtivo, cada vidro do perfume representa a retirada de meras 36 gramas de CO2 da atmosfera. É quase nada quando se considera que o problema global se mede em milhões de toneladas.

“Sabemos que nosso impacto climático ainda é mínimo, mas se usássemos nossa tecnologia em todas as indústrias em que ela pode ser aplicada poderíamos cancelar 10% das emissões globais”, afirmou ao New York Times Gregory Constantine, CEO da Air Company.

Combustível de ar

Já a aposta da Dimensional Energy só estará disponível para os consumidores indiretamente – mas em um setor que é um dos grandes vilões da mudança climática: o das viagens aéreas.

A companhia está desenvolvendo um querosene de aviação produzido a partir de três ingredientes: CO2, água e energia solar.

De forma resumida, o hidrogênio é separado da água via eletrólise e depois combinado com o dióxido de carbono, dando origem a um gás que posteriormente será liquefeito e refinado.

A produção ainda está em testes, mas o plano é produzir cerca de 150 litros diários no ano que vem. Em dez anos, disse o CEO Jason Salfi numa entrevista recente, o “querosene de ar” terá preços competitivos com os fósseis.

(Por enquanto, esses chamados combustíveis sustentáveis de aviação só podem ser utilizados como mistura ao querosene tradicional.)

Mas faz sentido?

Em teoria, uma infinidade de produtos que contém derivados de petróleo poderia ser produzida à base de carbono retirado do ar ou de emissões capturadas na fonte.

A londrina Econic Technologies desenvolveu polímeros sustentáveis que podem substituir diferentes plásticos usados na indústria e em bens de consumo.

A também britânica Adaptavate criou um material usado em drywalls que absorve CO2 do ar.

Mas existem dois problemas. O primeiro tem a ver com o custo. Mesmo que haja um considerável ganho de escala na captura de CO2, todo o processo de transformação posterior demanda muita energia, e ela tem de ser limpa para que haja impacto climático.

O segundo é a concorrência. Fabricantes de bebidas alcoólicas e mineradores de diamantes já estão na corrida para neutralizar suas emissões, e existem diversas iniciativas para encontrar combustíveis de aviação de baixas emissões.

Alguns especialistas afirmam ainda que o objetivo principal da captura de carbono deveria ser retirar o gás da atmosfera para sempre. Mas talvez a reciclagem seja um passo necessário para viabilizar a tecnologia de limpeza do ar.