As maiores empresas de alimentos e do agronegócio podem ter perdas multibilionárias até o fim da década por conta das mudanças climáticas, gerando um baque para o setor comparável ao sofrido pelo setor financeiro na crise de 2008.
Essa é uma das conclusões de um novo relatório divulgado nesta terça-feira pelos chamados “campeões do clima” da ONU.
O levantamento recomenda que instituições financeiras comecem a agir já para retirar de seus portfólios companhias que estejam associadas ao desmatamento e à perda da biodiversidade.
O relatório alerta que os instrumentos para precificar risco são inadequados — eles se concentram em energia e não cobrem setores como agricultura e uso da terra.
Realizada com apoio de instituições como BlackRock, BNP Paribas e Goldman Sachs, a análise calcula que os investidores podem sofrer perdas irrecuperáveis de US$ 150 bilhões caso “não ajam agora”.
O levantamento analisou 40 das maiores companhias envolvidas do setor de alimentos, de fabricantes de insumos a varejistas, passando por frigoríficos e traders.
Juntas, elas valem mais de US$ 2,2 trilhões e empregam 8 milhões de pessoas. Todas faturam mais de US$ 3 bilhões anuais. Os nomes das companhias não foram revelados.
Em média, elas correm o risco de perder 7,2% de seu valor até o fim da década. Alguns setores, como o de insumos, serão mais afetados, com reduções de até 14%.
Nos segmentos em que o Brasil tem grande participação mundial, o impacto estimado fica em linha com a média do setor: queda de 7,2% para as companhias de proteínas animais e de 7,4% para as de commodities agrícolas.
Hora da ação
Os campeões do clima da ONU afirmam que será necessário acabar com o desmatamento associado a commodities responsáveis pelo grosso do impacto ambiental negativo: carne bovina, soja, óleo de palma, celulose e papel.
“A questão é: dados os riscos e oportunidades, por que nem todas as instituições financeiras que têm compromissos net zero – com um total de mais de US$ 130 trilhões em ativos sob gestão – se comprometeram com isso?”
Mais de 30 instituições financeiras assinaram um compromisso para eliminar o financiamento desses negócios, o equivalente a US$ 8,7 trilhões em ativos.
O plano é que elas divulguem em 2025 o progresso feito. “Mas, sinceramente, isso não é suficiente”, afirmou em comunicado Nigel Topping, um dos dois “campeões do clima” da ONU cuja missão é envolver o setor privado na luta contra a mudança do clima.
Os sistemas de produção de alimentos são “desiguais, intensos em carbono, prejudiciais ao meio ambiente, inacessíveis [em termos de custo] e cada vez mais vulneráveis”, escrevem os autores.
Não será possível limitar o aquecimento global a 1,5°C sem acabar com a derrubada de florestas – e é aí que reside a grande contribuição das atividades agrícolas.
A transição no uso da terra será tão profunda quanto a transição energética, segundo o documento, e isso terá implicações significativas para o agronegócio.
“Um sistema de produção de alimentos net zero e resiliente pode gerar até US$ 4,5 trilhões em novas oportunidades anualmente até 2030”, diz o texto.
Créditos de carbono de qualidade
O documento lista cinco “chamados à ação” para investidores e instituições financeiras, além da faxina em seus portfólios.
Eles incluem a compreensão dos riscos ligados à mudança do uso da terra e a importância do respeito aos direitos de comunidades locais e/ou indígenas.
Um ponto em particular deveria chamar a atenção dos brasileiros: a integridade das soluções baseadas na natureza.
O país vive um boom de interesse por créditos de carbono gerados por iniciativas de proteção da vegetação nativa e de reflorestamento.
Do ponto de vista econômico, essas atividades podem ser eficientes para sequestrar CO2 e promover biodiversidade.
Mas os investimentos nesses créditos de carbono, afirma o documento, “devem seguir princípios de boas práticas de integridade como os do Integrity Council for the Voluntary Carbon Markets, que serão anunciados ainda este ano”.