A movimentação em torno do hidrogênio verde já era intensa, mas quando algumas das maiores petroleiras do mundo demonstram interesse no assunto — prometendo investimentos de dezenas de bilhões de dólares —, a conversa muda de patamar.
Uma série de anúncios, incluindo compromissos anunciados pela britânica BP e pela francesa Total Energies, é o sinal mais recente de que esse novo vetor energético deve ter mesmo um papel central na descarbonização do planeta.
A BP vai colocar US$ 30 bilhões para erguer uma das maiores usinas de hidrogênio renovável do mundo, no desértico e pouco populoso oeste australiano.
A petroleira europeia terá 40,5% do capital e vai operar o Asian Renewable Energy Hub, um empreendimento que deve ocupar 6,5 mil quilômetros quadrados, quase o tamanho da região metropolitana de São Paulo.
O desenho é típico de outros que pretendem produzir o hidrogênio a partir da água: grandes usinas solares e eólicas fornecerão a energia que será usada pelos eletrolisadores para separar os átomos de hidrogênio e oxigênio.
Quase a totalidade do hidrogênio produzido no mundo hoje vem do gás natural, um processo extremamente poluente. Quando as matérias-primas são fontes renováveis e água, as emissões de CO2 são muito baixas.
A expectativa é que a produção comercial do projeto da BP comece em 2027. Quando estiver 100% operacional, o polo deve produzir 1,6 milhão de toneladas anuais de hidrogênio verde (ou amônia verde, uma forma mais eficiente de transportar esse vetor energético e também um insumo essencial para a produção de fertilizantes).
O objetivo é que o hidrogênio inicialmente substitua o uso de combustíveis fósseis pelas mineradoras australianas – já existem protótipos para que o H2 sirva de combustível para os enormes caminhões usados nas minas.
Depois, a ideia é exportar parte da produção para países como Japão e Coreia do Sul. “Nossos clientes de gás natural hoje serão clientes de hidrogênio verde no futuro”, disse ao Wall Street Journal Anja-Isabel Dotzenrath, vice-presidente da BP para gás e energia de baixo carbono.
O complexo, que também tem como sócios as desenvolvedoras de projetos InterContinental Energy e CWP Global, ainda depende da obtenção de licenças ambientais.
Corrida mundial
Com áreas livres, muita irradiação solar e fortes ventos, a Austrália tem o maior número de projetos de hidrogênio verde do mundo em desenvolvimento.
Segundo dados da consultoria Rystad, o país tem pouco mais de 9 milhões de toneladas anuais em seu pipeline. Em seguida vêm a Mauritânia, com 3,4 milhões de toneladas, e os Estados Unidos, com 2,9 milhões.
O Brasil, com longa tradição na produção de eletricidade limpa e frequentemente apontado como um dos potenciais líderes mundiais na produção de H2V, aparece em oitavo lugar no ranking, com 1,6 milhões de toneladas no pipeline.
O polo exportador mais adiantado fica no Porto de Pecém, no Ceará. Mas, entre os dez consórcios ou empresas que pretendem produzir hidrogênio no hub cearense, não há nenhuma grande petroleira.
Bernard Looney, CEO da BP, já afirmou que a empresa quer dominar 10% do mercado global de hidrogênio verde em 2030. A expectativa é que a Shell também anuncie logo um megaprojeto, como afirmou um executivo da companhia num evento recente.
A francesa TotalEnergies foi em busca do sol e dos ventos da Índia. Em sociedade com o bilionário Gautam Adani, a major europeia anunciou a aquisição de 25% da Adani New Industries.
A companhia tem a intenção de investir mais de US$ 50 bilhões para produzir 1 milhão de toneladas anuais de hidrogênio verde até o fim da década.
Para dimensionar esse volume, o plano estratégico de descarbonização da União Europeia prevê que em 2030 o continente seja capaz de produzir 10 milhões de toneladas localmente e importe outros 10 milhões.
Esses números, entretanto, foram anunciados antes da crise energética causada pela guerra da Ucrânia – que também deve acelerar a transição energética no resto do mundo.
Essa expectativa de uma demanda grande e mundial pelo hidrogênio verde significa que mesmo os países que demorem um pouco mais para ganhar escala – como deve ser o caso do Brasil – devem se beneficiar da queda de preços tanto do próprio combustível quanto dos equipamentos necessários para produzi-los.
Além disso, ainda há algumas barreiras técnicas a superar. Hoje, os eletrolisadores típicos têm capacidade de 3 ou 4 megawatts. Quando atingirem a capacidade máxima, os hubs planejados por BP e TotalEnergies consumirão milhares de vezes mais eletricidade.
A consultoria Rystad estima que os eletrolisadores não atinjam 100 megawatts antes de 2025. Para chegar à escala de gigawatts, portanto, ainda há um caminho a percorrer.
Mas trabalhar com projetos enormes, contados em bilhões de dólares, é a especialidade das petroleiras, disse à Bloomberg Juliet Rolland, responsável por energia e renováveis da negociadora de commodities Trafigura.
“Esse negócio de hidrogênio verde, amônia verde será a nova indústria da energia”, afirmou ela.