Projeto do mercado de carbono não deve ser votado este ano, diz autor

"A principal resistência vem do governo", afirma o deputado Marcelo Ramos (PSD-AM)

Projeto do mercado de carbono não deve ser votado este ano, diz autor
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Autor do projeto de lei para criar um mercado de carbono regulado no Brasil que se encontra em estágio mais adiantado de tramitação, o deputado Marcelo Ramos (PSD-AM) vê como baixas as chances de votação até as eleições presidenciais, em outubro. 

“Eu já estive mais animado com a possibilidade de votação, não consigo ver como algo próximo”, afirmou o parlamentar em entrevista ao Reset

Tramitando há mais de um ano no Congresso, o PL 528 criava efetivamente um mercado de ‘cap-and-trade’, em que alguns setores da economia têm metas obrigatórias de redução de emissões de gases de efeito estufa: quem emite mais que o permitido precisa ir a mercado comprar créditos de quem emitiu menos do que poderia. 

É o sistema adotado nos mercados mais desenvolvidos do mundo, como o europeu. A lógica é incentivar a redução de emissões.

O PL foi construído a diversas mãos e teve forte contribuição do Centro Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). No fim do ano passado, próximo à COP 26, chegou-se a um texto consensual, que costurou o apoio de setores antes bastante avessos a uma regulação, como a indústria e o agro. 

A Câmara chegou a aprovar a votação em regime de urgência.  Mas fato é que o projeto nunca andou.

“O problema é que tem resistência do governo, em especial do ministro Joaquim [Leite, do Meio Ambiente]. E aí fico na dúvida de onde vem essa resistência dele e se ela é republicana. Ele tem uma obsessão por tentar supervalorizar os créditos gerados pelo mercado voluntário”, diz Ramos. 

Em maio, o governo apresentou um decreto sobre mercados de carbono – que, na prática, versa mais sobre a criação de um sistema de registro para os créditos negociados no mercado voluntário, em que os créditos são comprados pelas empresas de maneira espontânea e não obrigatória. 

Há apenas menção a metas setoriais, que podem ser definidas em até um ano em acordos com os próprios setores – o que, argumentam especialistas, abre forte espaço para atuação dos lobbies. 

“Não tem obrigatoriedade para nada, portanto não muda nada no atual modelo que nós temos. O mercado voluntário já tem seus padrões para registro”, afirma Ramos. “Não adianta ir no cartório e batizar o elefante de gato, porque ele continua sendo elefante.”

Estágio atual

Segundo Ramos, após o decreto do governo, a deputada Carla Zambelli, presidente da Comissão do Ambiente, apresentou um relatório ao projeto de lei 528 que desconfigurou a proposta do mercado regulado. 

“Eles queriam que quem emite acima da meta comprasse crédito obrigatoriamente do mercado voluntário e quem emite abaixo da meta não tivesse ganho nenhum. Não fazia sentido, não tinha incentivo à redução de emissões. Não dava para votar”, afirma. 

Segundo ele, houve novas negociações e hoje há um novo texto, longe do original, mas que preserva algumas características cruciais, como o sistema de cap and trade.

“Hoje temos um acordo interno, a Carla [Zambelli] concorda com o meu texto, ele está distante do lá de trás, mas está todo mundo topando botar para votação e discutir os pontos controversos em destaques, emendas e corrigir no Senado. Mas o governo não deixa votar.”

O projeto ainda tem caráter de urgência, mas precisa ser pautado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. 

Caindo a ficha

De acordo com Ramos, os setores econômicos estão alinhados quanto à necessidade de um mercado regulado de carbono no Brasil, em grande medida, por conta da possibilidade de que os europeus imponham taxas sobre importação de países que não reduzirem suas emissões. 

“A indústria sabe que precisa entrar nisso, porque aderir a esse mercado não é mais uma opção, é uma imposição por uma questão ambiental e por uma questão econômica. É uma imposição porque nós precisamos entregar um planeta habitável para as próximas gerações, mas também porque no médio prazo vamos começar a ter restrições nas nossas exportações”, pontua. 

O deputado afirma ainda que houve uma resistência inicial do agro – mas que, a seu ver, o setor não deve ser incluído num mercado regulado de emissões. 

“Num primeiro momento, a CNA [Confederação Nacional da Agricultura] se manifestou contra, eu fui até eles e falei: ‘Vocês estão errados por um motivo objetivo: em nenhum lugar do mundo se regulamentou o mercado de agro. A Austrália tentou e deu errado. Para vocês é menos uma obrigação e mais uma possibilidade [de venda de créditos].”