Num evento de sustentabilidade num hotel de luxo em São Paulo, em março, Helder Barbalho agitava uma barra de chocolate no ar. “Aqui tem bioeconomia do Pará duas vezes. No cacau e no cupuaçu”, dizia o governador (PMDB), que está em seu segundo mandato.
Cada pessoa na plateia recebeu uma variação do chocolate da marca paraense Gaudens para degustar e também uma pequena brochura com o sumário do “Plano de Bioeconomia do Estado do Pará”.
Na COP27, no Egito, em novembro, quando o plano foi lançado, uma versão em inglês do material também foi entregue à plateia.
Cenas semelhantes têm se repetido com cada vez mais frequência conforme Barbalho roda o Brasil — e o mundo — empunhando a bandeira da economia da floresta em pé, algo que ganhou impulso adicional depois que o presidente Lula lançou a capital paraense, Belém, como candidata a sediar a COP30, em 2025.
O Pará lidera dois rankings que são motivo de vergonha: é o Estado brasileiro que mais emite gases do efeito estufa, com cerca de 20% do total, e também aquele que mais desmata no país. O segundo explica o primeiro e, juntos, esses dados o colocam na posição de principal vilão da mudança climática no país.
Com a vantagem de poder dar continuidade a políticas iniciadas em seu primeiro mandato, Helder Barbalho tenta virar esse jogo e se firmar como líder da agenda de desenvolvimento sustentável entre os Estados da Amazônia Legal.
“O Pará, que representa o maior problema para o nosso país, começa a se apresentar como o Estado que é a solução”, diz o governador, em conversa com o Reset.
Ao menos na percepção, pode-se dizer que ele tem sido bem-sucedido.
“O Pará é o Estado que tem planos mais organizados para criar uma economia sustentável. Mas é claro que os desafios de execução existem”, diz um integrante do Ministério do Meio Ambiente.
O governo estadual tem procurado caminhar em duas trilhas paralelas: ações de comando e controle para reduzir o desmatamento, de um lado, e políticas de desenvolvimento verde, de outro.
As duas estão contempladas sob o guarda-chuva do Plano Amazônia, apresentado em 2020, que trouxe metas de redução de desmatamento e de emissões — inclusive se tornar carbono neutro no uso do solo e das florestas até 2036 — e lançou as bases para políticas de desenvolvimento econômico e social a partir dos ativos ambientais.
“Sem comando e controle, nós não vamos a lugar nenhum. Mas só com comando e controle, também não vamos a lugar nenhum”, diz Barbalho, repetindo um bordão que tem usado em suas andanças mundo afora para resumir sua estratégia.
A abordagem é descrita por ele de forma pragmática.
“Não tenho direito de ficar com o discurso utópico, com romantismo. Enquanto a floresta em pé valer 10% do que vale a floresta deitada, vamos ficar lutando contra a realidade, diz.
E prossegue: “O dono de uma pequena propriedade vai preservar a floresta além do compromisso legal? Não. Então, prefiro ir para a vida real e dizer o seguinte: ‘Parceiro, cria o teu gado, cria a tua lavoura e protege a floresta que tu vai ganhar nos três.”
Agricultura e pecuária, sim
Barbalho faz questão de frisar que não acredita que a bioeconomia seja um substituto para a agricultura e a pecuária.
“Tem gente que acha que tem que acabar com a pecuária na região, tem que acabar com a soja na região. Eu não”, diz ele, que tinha acabado de retornar do evento de abertura da colheita da soja em Santarém e de uma viagem ao município de Xinguara, a capital do boi gordo no Estado.
“Mas não esperem que eu faça um discurso em Xinguara e outro em Davos. Tenho dito em todos os lugares que vamos combater a ilegalidade ambiental com todas as forças do Estado”, diz. “Meio ambiente e agropecuária não são excludentes.”
Segundo ele, o Estado não precisa derrubar mais árvores para ser um dos maiores produtores de proteína animal ou sair de 13º produtor de soja no país para ser um dos primeiros.
“Tenho buscado ser um um pregador desse modelo de transição e os resultados começam a surgir.”
Em 2022, o Pará registrou redução de 20% no desmatamento em relação a 2021 – mas isso não foi suficiente para tirar dele o posto de líder na remoção de cobertura vegetal, com 35% do total.
Este ano, quando o país teve o pior fevereiro da série histórica de desmatamento, pela primeira vez não havia um município paraense entre os dez que mais desmataram; e tanto em fevereiro quanto em março o Pará escorregou para a segunda posição no ranking de desmatamento por Estado.
Ponte com a iniciativa privada
Mas são as iniciativas para destravar valor dos ativos florestais que têm chamado atenção da iniciativa privada.
O cardápio é composto pela criação de cadeias de valor a partir de insumos da floresta, a chamada bioeconomia, e projetos de preservação e restauro de florestas, bancados por mecanismos financeiros de pagamento por serviços ambientais, como os créditos de carbono.
O plano de bioeconomia foi o primeiro elaborado por um Estado brasileiro (atualmente o governo federal trabalha no seu) e identificou 43 produtos que podem gerar receitas de US$ 120 bilhões por ano.
“Com toda a nossa biodiversidade, a Amazônia responde por apenas 0,2% da receita com bioeconomia no mundo. É insignificante”, diz Barbalho.
O plano indicou 89 ações a serem tomadas para criar condições de atrair investimentos, como a incubação de startups, a implantação de um bioparque para ser um centro de conhecimento e pesquisas, e a criação de políticas públicas e linhas de financiamento para a pesca artesanal, entre outras.
Reflorestamento
Uma das frentes mais aguardadas por investidores e empresas é um programa de concessão de áreas públicas para reflorestamento no qual o governo está trabalhando.
O Estado tem uma meta de restaurar 5,4 milhões de hectares até 2030. “Não tem como o governo executar isso. Queremos desenvolver uma cadeia de restauração toda privada. E tudo financiado com capital privado”, diz Raul Romão, secretário-adjunto do Meio Ambiente.
Ao apresentar a meta de reflorestamento na COP26, em Glasgow, os representantes do governo foram bombardeados com perguntas sobre os planos concretos para chegar lá.
Dois anos depois, na COP28, que acontece este ano em Dubai, o governo paraense promete apresentar como pretende fazer isso.
Um dos pilares é o de concessões florestais para restauro.
“A ideia é pegar grandes maciços de áreas públicas não destinadas e que foram desmatadas ilegalmente, regularizar, fazer a reintegração de posse para, então, conceder à iniciativa privada para que ela faça o restauro; e repartir o benefício”, explica Romão.
Segundo ele, existem de 7 milhões a 8 milhões de hectares de terras estaduais não destinadas e cerca de 20% a 30% deles foram desmatados ilegalmente. Além disso, há terras destinadas que também foram desmatadas.
Os detalhes do planos sairão de um grupo de trabalho com organizações da sociedade civil – num processo semelhante ao que deu origem ao plano estadual de bioeconomia.
Mas o governo quer chegar à COP com um caso concreto e deve fazer uma primeira concessão nos próximos meses. A área já foi identificada e a posse está sendo retomada. “A ideia é testar a hipótese e aprender fazendo, para poder ajustar”, diz Romão.
Também antes da cúpula de Dubai o governo quer rodar um piloto de um programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) de restauração para agricultores familiares. “Até setembro o Estado já começará a fazer os primeiros pagamentos”, diz o secretário-adjunto.
Segundo ele, ainda se discutem a metodologia e o critério de seleção dos produtores rurais e também se a ideia é promover o restauro produtivo (associado ao cultivo agrícola) ou a regeneração de mata nativa.
“Uma das diretrizes é estimular o cumprimento do código florestal e fazer o cadastro ambiental rural para regularizar a terra.”
Os pagamentos na fase piloto serão feitos com verba pública, mas o plano é escalar o programa com capital privado.
“Estamos estudando mecanismos financeiros, porque o orçamento público não cobre esse investimento. O capital público faz o de-risking e atrai o capital privado para o PSA de restauro.”
Preservação
Além do reflorestamento, também há projetos em mais de uma frente para incentivar – e rentabilizar – a preservação da floresta.
Conforme Barbalho anunciou em Londres há duas semanas, o governo está retomando um plano para conceder à iniciativa privada áreas públicas de floresta para desenvolvimento de projetos para geração de créditos de carbono a partir do desmatamento evitado, o chamado REDD+. Até o fim do ano, devem sair ao menos três áreas.
Paralelamente, trabalha para criar um sistema estadual de geração de créditos de carbono por meio da preservação, conhecido pelo nome de REDD+ Jurisdicional.
Os projetos tradicionais de REDD+ são conduzidos individualmente por empresas privadas, de acordo com metodologias desenvolvidas por certificadores internacionais, num sistema totalmente auto regulado.
No sistema jurisdicional, cada jurisdição — ou Estado — define um conjunto de regras próprias para o funcionamento desses projetos.
Uma das principais vantagens apontadas é que os créditos só são emitidos se o desmatamento em todo o Estado for contido. Isso evita o chamado vazamento (leakage), que acontece quando o desmatamento evitado por um projeto específico acaba migrando para uma outra área na mesma região.
Nesse sentido, em tese, os créditos gerados num sistema jurisdicional podem ter mais qualidade.
Mas o tema provoca apreensão entre os desenvolvedores privados, que temem que a participação do poder público reduza a atratividade econômica, crie incertezas ou, no limite, os exclua do jogo.
Saindo do papel
Desde o início do primeiro mandato de Barbalho havia interesse no tema, mas a ideia ficou em banho-maria por causa do alto custo para estruturar o sistema e pela pouca demanda por créditos no mercado voluntário.
O plano começou a sair do papel com o aquecimento do mercado voluntário e o surgimento da Coalizão Leaf, em 2021. Formada pelos governos da Noruega, Estados Unidos e Reino Unido, junto de empresas compradoras de créditos, como Amazon, Airbnb e Bayer, a iniciativa busca incentivar o desenvolvimento de sistemas jurisdicionais.
“Eles garantem um valor de US$ 10 por tonelada de CO2, com compra ilimitada, e isso reacendeu o interesse do Pará e de outros governos subnacionais para entrar no mercado voluntário com créditos jurisdicionais”, diz Raul Romão. O Estado foi uma das jurisdições que submeteram uma proposta à coalizão.
Uma doação do governo da Noruega está sendo usada para estruturar o sistema do Pará, processo que deve ser concluído até o fim de 2024.
Quanto aos receios do setor privado, Romão diz que existem ao menos três modelos de sistema jurisdicional, com mais ou menos interferência do governo.
No mais centralizado deles, o governo não reconhece projetos privados. Numa segunda abordagem, os projetos privados são reconhecidos, mas não podem vender os créditos no mercado, recebendo uma recompensa (reward) caso consigam performar. Ou seja, existe um monopólio do Estado para a comercialização. A terceira hipótese admite projetos privados que podem vender créditos diretamente no mercado, mas a contabilidade e a metodologia de monitoramento e reporte são centralizados.
“Não cabe ao Estado sozinho tomar essa decisão. Vamos levar realmente isso para debate público para concluir o que gera mais segurança para os créditos de carbono. Não queremos créditos podres e vazios.”
Segundo Romão, é errada a informação que tem circulado de que o Estado obrigatoriamente terá que vender os créditos para os doadores do Leaf.
“Podemos vender para qualquer um e isso está bem claro nos contratos.” O que existe, diz, é uma trilha de compra, da qual o Estado pode sair antes de chegar à etapa final.
Barbalho diz que com o REDD+ jurisdicional o Pará começa a entregar uma regulamentação regional do mercado de carbono, inclusive com a criação de uma agência estadual para regular o processo e a distribuição dos recursos, e defende que o Congresso vote logo o projeto que cria o mercado regulado nacional.
Os planos do governador para criar uma economia de baixo carbono e sustentável no Estado são vistos por muitos como uma plataforma de pré-candidato à presidência da República. “Claramente é uma agenda que o tira do regional e o projeta nacional e internacionalmente”, diz um empreendedor da região.
Quando questionado sobre isso, Barbalho desconversa. “Tenho muito trabalho pela frente e não acredito em colocar a carroça na frente. Temos que fazer o nosso dever de casa primeiro.”