Créditos de carbono abrem crise em certificadora de planos net zero

Funcionários se revoltam com guinada da SBTi sobre os offsets e pedem saída do CEO; ‘não podemos ser plataforma de greenwashing’

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A decisão de aceitar compensações com créditos de carbono nas estratégias net zero das empresas abriu uma crise na entidade que confere o principal selo de qualidade aos planos corporativos de descarbonização.

Funcionários da iniciativa Science Based Target (SBTi) afirmaram estar “profundamente preocupados” com a mudança de posição, com o processo decisório e com a maneira como foi feita a divulgação.

O novo posicionamento veio a público na terça-feira, em comunicado assinado pelo conselho gestor da entidade. Em uma resposta aberta, os signatários, que se definem como uma “grande maioria dos funcionários”, afirmam que o órgão não teria o poder de tomar esse tipo de decisão sozinho nem de anunciá-la.

“O conselho técnico não foi informado nem consultado sobre o tópico e não concedeu sua aprovação em decisão tão relevante”, afirma o texto.

Em carta enviada à direção da entidade, lida por jornalistas estrangeiros, eles usam termos mais duros e pedem a renúncia do CEO da SBTi, o brasileiro Luiz Amaral, e dos integrantes do colegiado que aprovaram a decisão.

A entidade não pode se tornar uma “plataforma de greenwashing, em que as decisões são indevidamente influenciadas por lobistas, motivadas por potenciais conflitos de interesse e pouca aderência aos procedimentos de governança existentes”, diz o texto.

Entre as críticas tipicamente associadas aos créditos de carbono estão problemas de integridade na implementação dos projetos e questões de perenidade, como quanto tempo o CO2 ficará de fato sequestrado e os riscos de que eles acabem voltando para a atmosfera.

Outra ideia muito difundida é que os créditos não são nada mais que licenças para poluir. Em vez de fazer o trabalho difícil e caro de mudar processos e buscar novas tecnologias, as empresas estariam recorrendo a algo semelhante às indulgências vendidas pela igreja na Idade Média.

Do outro lado, as empresas que atuam nesse segmento afirmam que há bons e maus atores como em qualquer outro negócio e que o esforço de aprimoramento é constante.

Os defensores desse mecanismo também dizem que essa é uma maneira eficaz de levar dinheiro para os países em desenvolvimento e que, diante da urgência da crise climática, não temos o luxo de ignorar nenhuma solução.

Guinada

Numa mudança de posição marcante, a SBTi anunciou na terça-feira que passaria a aceitar os offsets de carbono como ferramenta de redução de emissões.

Os rigorosos critérios da entidade em vigor hoje permitem que esse instrumento seja usado somente no fim da jornada de descarbonização, para dar conta das emissões que não puderem ser cortadas.

A liberação do uso de créditos vem com ressalvas importantes. Eles só poderão ser utilizados no chamado escopo 3, que cobre as atividades indiretas das companhias. Nas suas operações diretas (escopo 1) e na energia comprada (escopo 2) as empresas que almejam o selo SBTi continuam obrigadas a buscar reduções efetivas caso queiram o selo da entidade.

As condições específicas de aceitação dos offsets serão divulgadas até julho, mas espera-se que haja limites na quantidade admitida e requerimentos de qualidade dos créditos.

Embora a SBTi não vá validá-los, diversas iniciativas do setor tentam estabelecer salvaguardas e critérios objetivos para garantir integridade desses ativos.

Reflexos no mundo corporativo

A crise tem implicações importantes, pois a SBTi é vista como o principal árbitro dos planos de descarbonização das empresas.

Os compromissos são avaliados levando em conta as trajetórias de corte de emissões apontadas pelo painel científico da ONU que limitariam o aumento da temperatura global, evitando as piores consequências da mudança climática.  

Das 8317 companhias que se comprometeram com essa abordagem científica em suas estratégias, 5.127 receberam a aprovação da entidade, o carimbo mais valioso dos planos climáticos corporativos.

As brasileiras Marfrig, Natura, Votorantim Cimentos e Citrosuco estão entre elas.

A possibilidade do uso das compensações foi recebida com entusiasmo pelas empresas que desenvolvem projetos geradores de créditos de carbono.

O mercado atravessa uma fase de reorganização depois de uma série de denúncias publicadas nos últimos meses, envolvendo especialmente os créditos ligados à floresta, os mais comuns no país.

O Reset entrou em contato com a SBTi mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. A entidade ainda não se pronunciou publicamente sobre a reação dos funcionários.