CEO da Orizon: 'O negócio é ser dono do biogás'

Empresa de valorização de resíduos vai vender os primeiros créditos de carbono no mercado voluntário este ano e prepara entrada no negócio de gás natural renovável, diz Milton Pilão

A Orizon, de valorização de resíduos, transforma seu negócio de olho na economia circular e transição energética
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Paulínia (SP) – Quando os caminhões carregados de resíduos atravessam os portões da Orizon, a expressão “o lixo de uns é o tesouro de outros” é elevada a outro patamar – o das centenas de milhões de reais em receita. 

A empresa de valorização de resíduos está se transformando. Além de reciclagem e aterramento, a Orizon produz fertilizantes e gera energia elétrica a partir do lixo. A companhia ainda se prepara para vender créditos de carbono no mercado voluntário neste ano e biometano no próximo. 

O objetivo é multiplicar o valor de cada tonelada de lixo, aterrando cada vez menos. Em 2023, a companhia recebeu um volume de resíduos 5% menor do que no ano anterior. Mesmo assim, elevou a receita em 24%, para R$ 776 milhões. O prejuízo de R$ 143 mi de 2022 deu lugar a um lucro líquido de R$ 50 mi. 

“As nossas plantas serão ‘hubs’ industriais”, disse o CEO da Orizon, Milton Pilão, em entrevista ao Reset antes da publicação dos resultados no último dia 27 de março. “Estamos estudando diversas tecnologias que devem ser implementadas ao longo dos próximos dez anos”.

Bolo de noiva

Embaixo do guarda-chuva da holding Orizon VR, a subsidiária Orizon Meio Ambiente é dona de 16 aterros em 11 Estados, que recebem o lixo de 40 milhões de brasileiros. As quase 10 milhões de  toneladas anuais tratadas pela empresa correspondem a cerca de 20% do lixo com destinação adequada no país. 

A visão de futuro da empresa se materializa na unidade de Paulínia, que fica a 120 km da capital paulista e atende a região metropolitana de Campinas. Lá estão as estruturas para todas as linhas de negócio que a empresa pretende explorar em suas outras plantas.

A Orizon chama o modelo de ecoparque, e ele é de fato diferente de um lixão a céu aberto. O aterro onde são depositados os materiais não-aproveitados lembra um bolo de noiva gigante, com camadas formadas por terra e resíduos.

Embaixo dessa pilha existe uma rede de 50 quilômetros de tubulações pela qual circula o biogás, uma mistura de metano e outros gases resultante da decomposição do material orgânico.

O precioso biogás

“O negócio é ser dono do biogás”, diz Pilão, “Quando você é dono da molécula, pode decidir para qual caminho ela deve seguir.” 

Além de representar uma peça fundamental na estratégia de crescimento, o biogás também é peça importante da transição energética e da luta contra a mudança climática.

Hoje, seu uso mais frequente é na geração de eletricidade. Mas, depois de passar por um processo de purificação, o biogás se transforma em biometano, uma molécula equivalente ao gás natural de origem fóssil e também é chamada de gás natural renovável. 

Essa matéria-prima também pode ser combinada com átomos de carbono, dando origem a combustíveis sintéticos líquidos para os dois tipos de transporte de mais difícil descarbonização: marítimo e aéreo.

Negócios como o da Orizon, que administram resíduos urbanos e agrícolas e a reciclagem de plásticos, podem oferecer 20 milhões de barris por dia de biocombustível líquido até 2050, de acordo com estimativa da Wood Mackenzie.

A Orizon quer surfar essa onda e se prepara para investir R$ 1,2 bilhão na produção de biometano em suas plantas nos próximos três anos por meio da BioE, seu braço de energia. 

“Em 2023, tivemos um EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 313 milhões. Acreditamos que conseguimos multiplicar esse EBITDA entre quatro e cinco vezes nos próximos quatro anos, independentemente do crescimento inorgânico”, disse Pilão em teleconferência com analistas. 

O banho de loja do lixo

Uma pequena parte do total processado em Paulínia é de lodo orgânico, que vai diretamente para a área de fertilizantes. Ali, a Orizon já fatura a cada tonelada de resíduo, com pagamento por prefeituras e empresas para a destinação adequada.

Cada caminhão de lixo comum que chega a um ecoparque da Orizon é pesado ao passar pela porteira. Caso o material venha de bairros de renda mais alta e, portanto, com mais conteúdo reciclável, o destino da carga é a triagem. O restante será aterrado.

“O aterro é como se fosse a sacolinha de lixo orgânico que deixamos sobre a pia por dias demais: aquele líquido que escorre é o chorume e o cheiro ruim, o biogás”, diz Diogo Arantes, gerente regional das operações da Orizon em São Paulo. 

A Orizon e outras companhias que trabalham com o biogás têm a opção de queimá-lo em pequenas térmicas para abastecimento de eletricidade (e venda do excedente na rede), mas nem sempre a conta fecha.

“O preço da energia está baixo e, hoje, já é mais vantajoso transformar o biogás em biometano para a venda. A nossa aposta é fazer isso em todos os nossos ecoparques no médio prazo”, afirma Pilão. 

Hoje, o biogás de Paulínia ainda é transformado em energia elétrica ou queimado. O plano é que ele comece a gerar receitas a partir do ano que vem, no interior paulista e além.

Em Paulínia, a Orizon fechou uma joint-venture com a Compass em agosto passado, que permitirá a primeira venda de uma mistura de gás natural fóssil com o biometano, com um prêmio para ambas. 

No último trimestre deste ano, a planta de Jaboatão dos Guararapes (PE) vai começar a fornecer biometano para a CoperGás, distribuidora de gás em Pernambuco. O contrato tem duração de 10 anos.

Já nos ecoparques Nova Iguaçu e São Gonçalo (RJ), a empresa anunciou uma sociedade com a GN Verde, do grupo Urca, com produção inicial estimada em 180 mil m³/dia. 

Até 2028, a projeção da companhia é produzir entre 700 mil e 1 milhão de m³ de biometano por dia – o equivalente a toda a produção nacional atual, conforme estimativas da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás).

O negócio ainda pode ser beneficiado pelo PL do Combustível do Futuro, aprovado na Câmara no mês passado, já que o texto cria um programa focado em biometano, com o requisito de inserção mínima da molécula renovável no mercado de gás natural. A legislação ainda precisa ser aprovada no Senado. 

Os créditos de carbono

A empresa também vai começar a faturar com créditos de carbono no mercado regulado — antes, a venda era feita no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, da ONU. No mês passado, a Orizon recebeu a primeira certificação da Gold Standard, uma das mais reconhecidas do mundo, por evitar que o metano seja lançado na atmosfera.

O gás é um dos mais potentes causadores do efeito estufa: nos primeiros 20 anos, seu poder de reter o calor na Terra é 80 vezes maior que o do dióxido de carbono. 

A planta de João Pessoa foi a primeira habilitada a gerar esse novo ativo, e a expectativa é que São Gonçalo e Jaboatão dos Guararapes recebam suas autorizações este ano. 

“Só com esses três projetos, devem ser contabilizados cerca de 4 milhões de toneladas de carbono ao longo deste ano. Na próxima conferência de resultados (em 15 de maio), nós devemos anunciar a concretização da venda de 1,5 milhão a 2 milhões de créditos”, diz Pilão. 

O preço do crédito deve ficar entre US$ 6 e US$ 7, o que garantiria até US$ 28 milhões de novas receitas sem a necessidade de nenhum investimento.

Três outras plantas podem receber a certificação para créditos de carbono este ano, levando o total para cinco, o que traria “um impacto significativo no EBITDA e no resultado” de 2024, segundo o CEO. 

O preço-alvo da ação para os próximos 12 meses é de R$ 50 pelo BTG, R$ 48,47 pelo Itaú BBA e R$ 47 na XP. Hoje, o papel da Orizon está em R$ 38. 

A companhia espera que o aumento de volumes de resíduos em determinados aterros, a renegociação do preço de contratos e um resultado positivo na divisão de economia circular fortaleçam o balanço de 2024.

*Atualização às 10h14: A Orizon vai começar a vender créditos de carbono no mercado voluntário, mas antes já vendia no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, e a previsão para o EBITDA independe do crescimento inorgânico, não orgânico, como constava. As informações foram esclarecidas.

*Foto: Caio Theodoro