Café Apuí recebe R$ 11 milhões para crescer com a floresta

Dívida lastreada em créditos de carbono permitirá expandir produção em até 50 vezes

Café Apuí recebe R$ 11 milhões para crescer com a floresta
A A
A A

Localizado num dos epicentros do desmatamento no Amazonas, o Café Apuí conseguiu achar o xis de uma equação complexa: mostrar que é possível garantir mais renda aos pequenos proprietários de terra com o cultivo associado à floresta do que derrubá-la para dar lugar aos bois. 

Agora, acaba de levantar R$ 11 milhões numa rodada que permitirá levar a empresa de um projeto piloto para uma escala comercial, aumentando a produção das atuais 231 sacas para mais de 12 mil até 2026 e o número de produtores envolvidos de 50 para mais de 300 no mesmo período. 

A maior parte do cheque, de R$ 10 milhões, veio de um empréstimo com vencimento em 2030 fechado com a gestora de impacto francesa Mirova. A estrutura tem um componente ainda pouco usado no Brasil: o pagamento será feito com créditos de carbono que serão gerados pelo cultivo do café. 

“Como o projeto está implementado num lugar com alto desmatamento, ele pode gerar muitos créditos de carbono”, afirma Nick Oackes, diretor de investimentos do Amazon Biodiversity Fund (ABF), fundo da Mirova levantado para investir apenas na biodiversidade da Amazônia Legal brasileira e que fez a operação. 

O Café Apuí é plantado no chamado sistema agroflorestal, consorciado com outras espécies, em geral árvores nativas da região, como andiroba, ipê e jatobá. 

É um ganha-ganha. As árvores ciclam melhor os nutrientes do solo, as folhas caídas adubam o café naturalmente e a sombra dá mais conforto para os pés de café, especialmente na época da seca, mantendo a umidade do solo e aumentando a produtividade. Isso o torna mais rentável que a alternativa mais comum na região: derrubar a floresta para dar lugar à pastagem de bois.

O esquema permite ainda a emissão de créditos de desmatamento evitado, que serão gerados ao longo do ciclo de produção. 

“É muito interessante porque trata-se de um mecanismo de carbono que está beneficiando pequenos agricultores e não os grandes proprietários rurais, que são o alvo das principais desenvolvedoras de créditos de carbono na região”, diz Mariano Cenamo, diretor de novos negócios do Idesam, organização do terceiro setor na qual nasceu o Café Apuí. 

Além de pegar o empréstimo, os créditos a serem gerados devem remunerar ainda a empresa e serem repartidos com os produtores. 

A rodada foi híbrida. Além do financiamento, o restante do dinheiro, R$ 1 milhão, veio na forma de equity. A Axcell, aceleradora do empresário local Átila Denys, dono do maior escritório de advocacia de Manaus e que vem se dedicando a incentivar empresas de impacto na região, ficou com uma parcela não revelada da empresa.  

Capital paciente 

Trata-se da primeira operação do tipo feita pela Mirova no Brasil, mas a gestora já usa o mecanismo de dívida baseada em carbono em outros países, como a Guatemala e a Indonésia. 

A ideia é replicar o mecanismo em outras empresas por meio do Amazon Biodiversity Fund (ABF), que já tem R$ 62 milhões levantados com organizações multilaterais e está perto de encerrar uma segunda rodada. A meta é levantar R$ 300 milhões até o fim do ano e investir em até 20 companhias. 

O ABF já investe em três empresas: Manioca e Horta da Terra, de ingredientes amazônicos, e Inocas, que produz a macaúba em sistema agroflorestal, cujo fruto pode substituir o óleo de palma. Em todos os casos, trata-se de dívidas baseada na receita futura e não em créditos de carbono.

No Café Apuí, a lógica da operação visa não só maximizar o retorno, mas garantir o impacto. Ao contrário dos fundos tradicionais de venture capital, que normalmente entram como sócios das empresas e miram uma venda num período de cinco a sete anos, o capital da ABF é mais paciente. 

“Conseguimos aportar esse tanto de capital sem diluir os fundadores, repartindo o benefício com os produtores, e sem ter de pressionar no fim para uma venda para alguém que pode não estar tão alinhado com a missão do projeto”, resume Alan Batista, gestor do ABF. 

Na operação, o ABF assumiu alguns cenários de risco: mais do que a emissão dos créditos de carbono em si, o risco é operacional. “Escalar a produção agroflorestal em pequenas propriedades é um desafio enorme, até pela questão logística de trazer as mudas e os insumos”, diz Batista. “Na prática, é um instrumento de quase equity: só recebemos se a empresa tiver eficiência operacional e não tiramos caixa da empresa quando ela não tem.”

Da filantropia ao negócio

A estruturação do projeto e a organização dos produtores pelo Idesam foi o que deu conforto para o investimento da Mirova. 

“O desafio de replicar essa estratégia é encontrar o parceiro. O Idesam está lá desde 2013, conhecendo os produtores, implementando o projeto e fazendo um trabalho incrível”, diz Batista. 

Financiado com doações de entidades como Fundo Vale e Instituto Clima e Sociedade (iCS), dentre vários outros parceiros, o Café Apuí passou por uma espécie de profissionalização para torná-lo apto a operar como negócio. Há dois anos, foi criada uma empresa, chamada Amazônia Agroflorestal, apta para receber os investimentos privados. 

“Muito se fala de qual o papel da filantropia para estruturar um ecossistema de impacto na Amazônia. Está aí um ótimo exemplo”, diz Cenamo, do Idesam.