O Brasil foi o primeiro país a autorizar o uso do Bovaer, um suplemento nutricional animal que vem sendo desenvolvido há mais de uma década pela holandesa DSM e que promete reduzir em até 90% as emissões de gases de efeito-estufa do gado bovino.
A aprovação chega num momento em que os grandes frigoríficos vêm tentando reduzir o impacto ambiental da pecuária e se comprometendo, inclusive, com metas de se tornarem neutros em carbono nas próximas décadas.
Para isso, além de resolver a questão do desmatamento associado à cadeia de fornecimento no Brasil, eles terão que lidar uma questão tão comezinha quanto danosa: reduzir as emissões resultantes dos arrotos e flatulências do gado, que são até 20 vezes mais poluentes que o dióxido de carbono.
O Bovaer é adicionado à ração comum e pode ser utilizado em vacas, bois, cabras e veados — e tem potencial para reduzir, em média, 55% das emissões. Um quarto de colher de chá do aditivo ao dia inibe a enzima que ativa a produção do gás metano no estômago do animal. Segundo a fabricante, o efeito é imediato e, se o uso for interrompido, a emissão de gases é retomada integralmente.
Os resultados variam de acordo com a espécie. Em vacas leiteiras, a redução das emissões é de cerca de 30%. No gado de corte, as emissões podem ser reduzidas em até 90%.
De acordo com a DSM, o uso do suplemento em um milhão de vacas tem efeito semelhante ao de plantar uma floresta de 45 milhões de árvores. O produto foi apontado como uma das dez inovações tecnológicas que ajudarão a alimentar o planeta sem destruí-lo, segundo o Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês).
Ainda segundo a companhia, o Bovaer passou por 45 testes em mais de 13 países, o que resultou em 48 estudos científicos. Por aqui, as medições para avaliar a capacidade de redução das emissões foram realizadas em parceria com a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).
No Brasil, maior produtor de gado do mundo, a fermentação entérica é um dos grandes vilões do aquecimento global. Da agropecuária, que representa 28% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, cerca de 61% vêm de gases associados ao processo
Protocolos de integração lavoura-pecuária-floresta têm sido adotados como solução para sequestrar parte do metano produzido na criação do gado, mas os produtores estão de olho em rações que tenham potencial para cortar as emissões.
À espera das aprovações externas
O Ministério da Agricultura concedeu autorização ao uso do produto no Brasil no fim de agosto. Dias depois, o Chile tomou a decisão.
O produto deve chegar oficialmente ao mercado brasileiro nos próximos meses. Ainda não há estimativa de preço nem de demanda, mas, segundo Maurício Adade, presidente da DSM América Latina, já há empresas de olho no lançamento.
A questão é que os produtores que usarem o aditivo não poderão exportar a carne para países que ainda não tenham autorização.
“O interesse do Hemisfério Norte por uma carne produzida de forma sustentável é enorme, mas isso [o timing da aprovação] vai depender das autoridades”, disse Adade ao Reset.
Questionado, o executivo afirmou que não há efeitos colaterais na suplementação: “Não há impacto nenhum na carne, seja na textura, no gosto… não muda nada.”
A ração, que hoje é produzida na Suíça ou da Holanda, deve ser importada.
O Brasil é um mercado importante para a DSM. Do faturamento global de cerca de 10 bilhões de euros, cerca de 1 bilhão vem da operação da América Latina, na qual o Brasil é responsável por algo em torno de 60% a 70%.
(Com edição de Natalia Viri)