Brasil apresenta ‘versão flex’ em Glasgow

País se mostra mais aberto e negocia pontos que inviabilizaram mercados de carbono em 2019

Brasil apresenta ‘versão flex’ em Glasgow
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Sob risco de sentir cada vez mais no bolso a condição de pária da comunidade internacional que busca uma transição para a economia de baixo carbono, o Brasil tem demonstrado na cúpula do clima, em Glasgow, um posicionamento diferente daquele que dois anos atrás travou as negociações climáticas em Madri.

Certamente pesou a pressão do PIB brasileiro, com a assinatura de mais de 100 CEOs numa carta divulgada no fim de setembro que cobrava uma postura construtiva do país nas negociações em Glasgow.

Em alguns casos houve uma meia-volta completa, em outros, o país vem mostrando mais disposição em negociar temas em que antes era inflexível.

O fato é que o governo brasileiro já reviu algumas das posições anteriores, segundo observadores presentes à COP e como indicam também declarações dadas por integrantes da comitiva brasileira. A mudança é notada por empresários e executivos brasileiros com interesses diretos nos resultados alcançados.

“O Brasil veio para sair bem na foto, num trabalho conjunto dos ministérios do Meio Ambiente, Relações Exteriores e também Economia”, diz um dos CEOs que assinaram a carta um mês e meio atrás e de uma empresa que está em Glasgow.

A seguir, a posição atual do Brasil em pontos-chave em negociação:


Dupla contagem de créditos de carbono

Esse foi o grande ‘deal breaker’ dois anos atrás. Antes contrário a esse ponto, agora o Brasil mudou de posição.

Em 2019, em Madri, o governo brasileiro inviabilizou um acordo para regulamentar os mercados de carbono globais ao não aceitar um mecanismo para impedir a dupla contagem de créditos, previsto no Artigo 6 do Acordo de Paris.

Basicamente, a ideia é impedir que tanto créditos vendidos nas trocas bilaterais entre países quanto aqueles vendidos no grande mercado global de compensações de emissões de CO2 sejam considerados pelos países que originaram os créditos no cumprimento de suas metas nacionais de emissões — o que, na prática, significaria que um mesmo crédito foi usado duas vezes: pelo país comprador e pelo país originador.

A União Europeia era a principal defensora desse ponto em Madri. Agora, diz um observador das negociações, o Brasil se alinhou ao bloco europeu, ajudando a superar o impasse.

“Não queremos dupla contagem, queremos que sejam feitos os ajustes correspondentes”, afirmou em entrevista à Bloomberg Paulino de Carvalho Neto, secretário para assuntos políticos multilaterais do Itamaraty.


Créditos de Kyoto

Países como Índia e Brasil, que têm um estoque de créditos de carbono gerados em projetos sob as regras do Protocolo de Kyoto, hoje já superado pelo Acordo de  Paris, defendiam que esses créditos de CO2 fossem  admitidos dentro do novo mercado de créditos de carbono, que se tenta regular em Glasgow.

Mas agora o Brasil concordou com uma regra mais branda, de transição, em que uma parte menor dos créditos será aproveitada. Antes o país queria que fossem válidos aqueles originados desde 2013 ou 2014, mas agora está disposto a aceitar algo em torno de 2016 em diante, disse Carvalho Neto à Bloomberg.


“Share of proceeds”

Esse é um dos principais pontos que ainda impedem que Glasgow termine com uma bem-sucedida regulamentação dos mercados globais de carbono. Trata-se da cobrança de uma taxa sobre os volumes de créditos de carbono transacionados no mundo. A arrecadação seria destinada aos países que não têm recursos para fazer frente às mudanças climáticas.

Há consenso sobre a incidência dessa taxa sobre as trocas voluntárias de créditos de carbono (como já existia no Protocolo de Kyoto, com uma cobrança de 2%). A disputa se dá sobre a taxação das trocas bilaterais entre países.

Aqui o Brasil segue alinhado aos países em desenvolvimento, que querem que a taxa incida também sobre as trocas bilaterais, se opondo a União Europeia e Estados Unidos.

 “Apoiamos o que os países em desenvolvimento têm dito”, disse Carvalho Neto. “Mas isso de forma alguma é um sinal de que não queremos chegar a um acordo, de que não podemos e não estamos sendo flexíveis para chegar a um acordo. A questão do ‘share of proceeds’ é mais importante para os países menos desenvolvidos, as economias menores e as pequenas ilhas que têm sofrido muito com as mudanças climáticas.”


Fundo de adaptação

Outro item do acordo que diz respeito ao financiamento à adaptação às mudanças climáticas e que opõe países desenvolvidos e em desenvolvimento. 

Em Copenhague, em 2009, os países industrializados prometeram destinar US$ 100 bilhões ao ano a partir de 2020 para um fundo para financiar a adaptação climática dos países em desenvolvimento. Até hoje essa promessa não se concretizou, e os dois lados estão numa queda de braço em torno do assunto. 

O Brasil faz parte do chamado G-77, grupo dos países em desenvolvimento liderado pela África do Sul, que propôs meses atrás que a ajuda escale para US$ 750 bilhões ao ano, a partir de 2025. 


Atualização das NDCs

Alguns países estão pressionando para que as metas de descarbonização dos países, as chamadas NDCs, sejam atualizadas todos os anos, para aumentar a ambição climática. O texto do Acordo de Paris prevê que isso seja feito pelo menos a cada cinco anos.

O Brasil indicou que não concorda que a revisão anual seja mandatória e prefere que seja incluída uma recomendação para que os países busquem atualizá-las todos os anos.