O economista francês Bertrand Badré era o número 2 do Banco Mundial em 2015, quando os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU foram lançados.
Do seu posto, acompanhou de perto a elaboração das metas e também o seu lançamento. Mas começou a nutrir um incômodo.
“Era como se bastasse concordar sobre os objetivos e a crise climática e a pobreza estariam resolvidos”, disse Badré ao Reset, em passagem pelo Brasil. “Houve pouca discussão sobre quanto custaria para chegar lá e se o capitalismo, como conhecemos, funcionaria para nos levar naquela direção.”
Pouco tempo depois resolveu agir.
Em 2017 co-fundou a gestora de fundos de impacto Blue Like an Orange para mobilizar capital para negócios que contribuem para os 17 objetivos.
Discretamente, ele vem cumprindo a missão. Desde que desembarcou no país, no começo de 2019, a gestora já colocou R$ 580 milhões (US$ 115 milhões) em seis empresas, a partir de dois fundos dedicados à América Latina.
Só nos últimos meses, a BlaO engatou uma sequência de três novas operações com aporte total de quase R$ 200 milhões.
A gestora trabalha essencialmente com a modalidade de investimento conhecida como ‘mezanino’, que mistura características de dívida e ações — como um crédito que pode ser convertido em participação acionária ou com remuneração ligada aos resultados financeiros da empresa.
No recente sprint, a gestora colocou R$ 60 milhões na Rede Decisão, de escolas acessíveis, e R$ 72 milhões na rede de farmácias populares InvestFarma. Em março, aportou R$ 50 milhões na startup de bicicletas compartilhadas Tembici, conhecida pelas bikes laranja do Itaú.
Completam o portfólio brasileiro a empresa de energia solar distribuída Órigo, a empresa de saúde Placi e a Qintess, de TI.
Com isso, a gestora já fincou o pé em boa parte dos setores que considera prioritários em sua estratégia de apoiar o desenvolvimento sustentável.
“Nós não somos um fundo setorial, mas temos setores prioritários em que buscamos investir ativamente”, diz a diretora da gestora no Brasil, Cristina Penteado, uma executiva do mercado financeiro com passagem por Morgan Stanley, Credit Suisse e Darby.
Educação
Com o primeiro fundo para a América Latina, de US$ 200 milhões, totalmente investido, e o segundo, de US$ 400 milhões a US$ 500 milhões, em fase de captação, a gestora está com o pipeline de negócios bastante ativo, diz Badré.
Com a raspa do tacho do primeiro fundo, a gestora fez em dezembro a sua primeira aposta em educação no Brasil.
A Rede Decisão, uma empresa familiar criada em São Paulo, tem hoje mais de 7 mil alunos em 15 escolas de ensino fundamental e médio com mensalidades que em sua maioria ficam abaixo de R$ 1000.
“Idealmente, para gerar impacto investiríamos com o setor público, mas com a Rede Decisão conseguimos preencher, com qualidade, um gap entre o ensino público e o ensino privado de alto custo”, diz Penteado. “O incremental de qualidade em relação ao ensino público é grande, com muita tecnologia por trás. Sem falar no vínculo emocional que é construído com a comunidade escolar”.
Com o dinheiro levantado, algumas novas unidades devem ser abertas, mas a prioridade é comprar escolas já existentes para convertê-las para o modelo da rede.
Saúde
Também com uma tese de ampliar o acesso, mas na área de saúde, foi feito o primeiro investimento com os recursos do segundo fundo, na InvestFarma.
Controlada pelo fundo Stratus, a rede de 96 farmácias populares tem planos de expandir organicamente para ir além dos 30 municípios em que está presente, mas sempre dentro do Estado de São Paulo.
“Além de dar acesso a medicamentos mais baratos e da presença nos bairros onde as pessoas moram, são criados empregos na região, muitos primeiros empregos para jovens, e também há um efeito no entorno com a melhoria do comércio.”
Mobilidade
O segundo fundo trouxe a novidade de permitir que até 10% dos recursos sejam aplicados em participações acionárias, no lugar da usual dívida. A estreia na nova modalidade se deu com a entrada na rodada série C da Tembici, liderada pela Crescera.
Penteado diz que, embora muita gente associe as bicicletas compartilhadas à atividade de lazer nos fins de semana, o ponto forte do modelo é oferecer um intermodal que complementa o deslocamento diário das pessoas para escola e trabalho.
“E a tendência é cada vez mais migrar para bicicletas elétricas, que permitem ir mais longe e mais rápido, abrangendo um público ainda maior.”
Um novo investimento, desta vez na área de agricultura sustentável, já está engatilhado. Com isso, a grande ausência do portfólio entre os setores prioritários ficará por conta da inclusão financeira.
“O Brasil é bastante desenvolvido nessa área e há muito capital em busca de fintechs. Nossa proposta de valor até agora fez mais sentido para setores mais carentes de capital. Mas esse é um setor que, em algum momento, vamos fazer”, diz Penteado.
Horizonte estreito
Embora otimista com os resultados que o fundo vem alcançado e com a qualidade dos empreendedores e negócios impulsionados até agora, Bertrand Badré sabe que se trata de uma gota no oceano e ainda não conseguiu dissipar o incômodo que contraiu em 2015.
“Estamos longe de atingir os ODS e nossos horizontes estão encolhendo. Na frente climática, a conta só aumentou. A perda de biodiversidade e a desigualdade também pioraram.”
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro deste ano, ele conta ter ouvido da filha de 10 anos a incômoda pergunta: “Quem vai cuidar do planeta agora?”
Apenas seis meses se passaram desde a COP 26, em Glasgow, mas parece uma eternidade. Depois de dois anos de espera para o encontro por causa da pandemia, a cúpula climática foi envolta em euforia e grandes promessas.
“A próxima COP será no Egito e a população do país está passando fome agora, porque 80% do trigo deles vem da Ucrânia e da Rússia. O nível de prioridade da pauta climática caiu.”