BC vai exigir reporte climático dos bancos a partir de 2022 e quer 'birô verde' para crédito rural

Regulador reconhece questão climática como risco ao sistema e à política monetária e dá norte à transição para economia de baixo carbono

BC vai exigir reporte climático dos bancos a partir de 2022 e quer 'birô verde' para crédito rural
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O Banco Central anunciou hoje uma agenda ambiciosa de sustentabilidade,  num poderoso incentivo para as finanças verdes e para a concessão de crédito de acordo com premissas sustentáveis, e incluindo a questão climática como um dos pilares da estabilidade do sistema financeiro.

As medidas anunciadas alinham o BC brasileiro às políticas de outras autoridades monetárias mundo afora, preenchem um vácuo institucional importante em meio à cobrança de investidores e consumidores e dão um norte para transição em direção a uma economia de baixo carbono.

“É muito difícil fazer parte da recuperação econômica sem ter uma dimensão de sustentabilidade. E uma que foque não só o lado do risco, mas também das inúmeras oportunidades de negócios que se abrem nesse campo”, disse o presidente do Banco Central, Roberto Campos Netto, em transmissão ao vivo no YouTube. 

Uma das principais medidas e com efeitos mais imediatos será a obrigatoriedade para as instituições financeiras de adoção do reporte nos moldes do Task Force on Climate Related-Disclosures, o TCFD.  

O TCFD é um padrão para quantificar os riscos e oportunidades associados à mudança climática para os negócios, seja via os riscos físicos — como enchentes, secas e incêndios — , ou aqueles devidos à transição para uma economia de baixo carbono, como precificação de emissões.

O BC pretende lançar uma consulta pública sobre o tema já no começo do próximo ano, com adoção mandatória a partir de 2022. O banco já se comprometeu a reportar os seus dados no padrão. 

“Colocar como dimensão faz o sistema financeiro se mexer”, disse Campos Neto. “Quando anunciamos que vai ter regulamentação em 2022, as instituições financeiras começam a se adaptar a esse processo.”

O TCFD nasceu dentro do Financial Stability Board (FSB) do G20, a partir do entendimento do grupo de que o risco climático é um risco estrutural para a estabilidade do setor financeiro. 

Se bem implementada, a medida tende a ter efeito em cascata. Para reportar e quantificar o risco climático em seus balanços, os bancos precisam ter acesso a esses dados das empresas para quem concedem o crédito.

Os grandes brancos brasileiros já vêm se adaptando ao padrão, mas a transição não deve vir sem dor: na América Latina ainda há grande desconhecimento sobre o tema, mostra um relatório da Unep-FI, da ONU

Birô verde — ou o ‘Serasa da Sustentabilidade’

Outra medida com potencial transformador é a criação de um ‘birô verde’ para o crédito rural direcionado.

Ainda com poucos detalhes sobre a implementação, a iniciativa quer funcionar, na prática, como uma espécie de ‘cadastro positivo’ ou ‘Serasa da Sustentabilidade’, reforçando o veto a operações em desconformidade ambiental e premiando projetos com características sustentáveis. 

A ideia é atingir todo tipo de crédito rural. São mais de 2 milhões de operações por ano, que somam R$ 200 bilhões. 

A proposta é ampliar o escopo do sistema de banco de dados de crédito rural, o Sicor. Dentre as informações reportadas, as instituições financeiras terão que identificar também se as operações financiadas atendem a critérios sustentáveis, como recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura-pecuária-floresta e sequestro de carbono por aumento de biomassa no solo. 

Com o uso de tecnologia, o BC quer ainda conseguir identificar sobreposição com áreas de preservação, terras indígenas e áreas críticas no momento de contratação de crédito, colocando uma trava para a operação se não houver conformidade. 

O birô deve ser aberto, no formato de open banking. O tomador do empréstimo poderá obter essa informação junto ao sistema e disponibilizar para terceiros ou autorizar a instituição financeira a compartilhá-lo. 

O desafio — tão grande quanto a ambição — será coletar as informações de forma padronizada e confiável. 

Para ajudar nessa tarefa, o BC firmou um memorando de entendimentos com o Climate Bonds Initiative (CBI), think tank independente que é referência em taxonomia para finanças verdes.

No Brasil, o CBI já tem parcerias com o Ministério de Infraestrutura e com o Ministério da Agricultura e já mapeou US$ 163 bilhões em investimentos potenciais no agronegócio brasileiro que poderiam ser feitos via instrumentos de finanças sustentáveis.

“Esse birô vai facilitar o processo de certificação de segunda opinião para práticas sustentáveis e vai facilitar a securitização de títulos verdes” disse o diretor de regulação do Banco Central, Otavio Damaso. 

Ainda no crédito rural, a BC quer aumentar em até 20% os limites de contratação de crédito rural que reúnam características sustentáveis. Os tomadores com boas práticas — a serem definidas — poderão tomar até 20% a mais de crédito direcionado, a condições mais atrativas do que o permitido hoje.

Nas contas do BC, 11% dos produtores cadastrados no Pronaf, programa voltado a produtores de menor renda, teriam capacidade de atender a esses quesitos. Entre os produtores de “maior envergadura”, esse percentual pode chegar a até 40%.

Um risco sistêmico 

A identificação de riscos e oportunidades relacionados ao clima e às questões ambientais parte do pressuposto que essas dimensões são cruciais para o processo de supervisão do sistema financeiro.

“Está claro que eventos climáticos antes considerados raros se tornaram mais frequentes e trazem riscos significativos ao sistema financeiro. Choques climáticos afetam preços na economia e podem ter impacto na política monetária”, disse Campos Netto.  “Assim, para correspondermos aos objetivos do BC determinados por lei, de assegurar a estabilidade de preços e a solidez do sistema nacional, devemos nos preparar.” 

O Banco Central quer fazer um teste de estresse a riscos climáticos ‘turbinado’, com informações mais granulares das instituições financeiras, já em 2022.

A autoridade já fez um teste do tipo para avaliar a resiliência e os impactos da seca de 2014/2015 no sistema financeiro. E mensalmente avalia os riscos socioambientais do sistema, mas a partir de dados setoriais de acordo com uma metodologia desenvolvida pelo IFC.

Entre as políticas de sustentabilidade a serem implementadas pelo BC está ainda uma ‘linha financeira de liquidez’ que teria incentivos para uso de títulos sustentáveis como garantia. Os detalhes, no entanto, ainda não estão disponíveis. 

“Estamos fazendo estudos internos de como implementar, quais os parâmetros que têm que ser escolhidos. Pode ser excluir algum tipo de ativo, dar preferência a outros”, disse Fernanda Nechio, diretora de assuntos internacionais do BC. 

Numa visão holística sobre o assunto, o BC pretende incluir a dimensão de sustentabilidade até na gestão de reservas internacionais. 

“A governança dos investimentos das reservas internacionais é bem definida, tem várias instâncias decisórias, todas as alterações passam pela diretoria colegiada. E as medidas que estamos trazendo hoje trazem os riscos climáticos e socioambientais para esse processo”, disse Nechio.