Num movimento que o alinha às principais autoridades monetárias do mundo, o BC brasileiro colocou hoje em consulta pública uma proposta que inclui questões climáticas, sociais e ambientais como fatores a serem monitorados no gerenciamento de risco tradicional exigido das instituições financeiras.
A proposta, que foi bem recebida pelo mercado, mostra que o regulador vê as questões ESG e o clima como riscos efetivos para a estabilidade do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e deve mudar a forma como os bancos lidam hoje com esses riscos em seus balanços.
“É um passo efetivo que induz o fluxo de capital, via instituições financeiras, a direcionar recursos mais qualificados para nossa transição para a economia de baixo carbono e bioeconomia”, afirma Ana Luci Grizzi, sócia do Veirano Advogados, especializada em direito ambiental.
Segundo passo da Agenda BC# de Sustentabilidade, divulgada em setembro do ano passado, a consulta pública também traz medidas que conferem mais robustez para a Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA), exigida das instituições financeiras desde 2014.
Estabelecida pela própria instituição, que se compromete a implementar ações positivas em seus negócios e na sua relação com as partes interessadas, a PRSA hoje é considerada praticamente uma autorregulação, muito ampla e com pouco alcance prático para mitigar riscos socioambientais.
A nova proposta — agora rebatizada de PRSAC por inserir também a dimensão climática —, busca mitigar o problema, propondo estruturas de governança específicas a serem exigidas das instituições financeiras para gerir riscos sociais, ambientais e climáticos.
Além disso, o texto dá mais transparência às políticas, estabelecendo que elas precisam ser divulgadas a todo o mercado, e as traz mais para o mundo prático, com obrigação de estabelecimento de ações específicas para combater os riscos identificados.
“O texto é positivo, quase sem reparos”, afirma Gustavo Pinheiro, coordenador do programa de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade (IcS). “Avança do que é hoje uma iniciativa de autorregulação para integração de risco social, ambiental e climático como parte da estrutura de gerenciamento integrado de riscos e de gerenciamento de capital.”
Gestão integrada de riscos
Na prática, na dimensão de gerenciamento de riscos, o Banco Central está demandando que os bancos determinem de forma prospectiva possíveis perdas com fatores sociais, ambientais e de governança — de forma a evitar possíveis choques nos balanços e no sistema financeiro como um todo.
“Estamos trazendo as dimensões social, ambiental e climática para regras que já estão estabelecidas para riscos tradicionais — como de crédito, liquidez e mercado — e reforçando com comandos específicos a forma como as instituições precisam gerir a integração dos efeitos adversos de todos esses riscos em conjunto”, resume Carolina Barbosa, do departamento de regulação prudencial e cambial (Dereg) do Banco Central.
A regulação tipifica e estabelece exemplos para cada um desses eventos de risco, com situações que precisam ser gerenciadas pelas instituições financeiras antes da sua possível ocorrência.
“Os riscos ESG são dinâmicos: podem parecer irrelevantes no momento da concessão de crédito e se materializar ao longo do tempo”, afirma Barbosa, dando como exemplo mudanças na legislação que se tornem mais rígidas e desastres ambientais, que são eventos raros, mas com grande impacto para o sistema como um todo. “É esse olhar que a gente requer das instituições.”
Os bancos precisarão rodar testes de estresse para saber o que aconteceria se a mudança climática se materializasse e avaliar fatores como concentração de risco em regiões ou setores mais suscetíveis a danos ambientais e climáticos.
Além disso, precisarão ter critérios objetivos de concessão de crédito, risco de mercado, e liquidez para evitar a propagação dessas perdas para riscos tradicionais do sistema financeiro.
Próximos passos
Nas próximas semanas, o Banco Central deve colocar em consulta pública a proposta de reporte compulsório de informações relacionadas a questões ambientais, sociais e climáticas pelas instituições financeiras, informou hoje o regulador.
Quando lançou sua agenda de sustentabilidade, o BC já anunciou que tornaria obrigatória a divulgação de riscos e oportunidades climáticas de acordo com o Task Force on Climate-Related Disclosures (TCFD), que emergiu como padrão internacional, a partir de 2022.
Mas agora o regulador afirma que deve ir além.
“A proposta que em breve colocaremos em consulta pública tem um diferencial importante em relação ao padrão internacional: ela virá com um escopo mais amplo, porque, além do risco climático, também iremos exigir as divulgações das informações relacionadas a riscos sociais e ambientais”, afirmou o diretor de regulação do BC, Otávio Damaso.
No mês passado, o Banco Central divulgou o primeiro passo da sua agenda de sustentabilidade, com o estabelecimento de critérios de sustentabilidade para a concessão de crédito rural. A proposta enfrentou algumas críticas do mercado e de ambientalistas.
SAIBA MAIS
Banco Central sobre crédito rural: “Não podemos proibir o que a lei não proíbe”