Discretamente, a Vale resolveu desistir oficialmente de todos os pedidos de pesquisa e lavra de direitos minerários em terras indígenas no Brasil — entregando o que demandavam há tempos tanto ativistas de direitos humanos quanto investidores que adotam princípios ambientais.
A empresa deverá protocolar essa desistência junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) nos próximos dias e caberá à agência decidir como e quando retornará esses direitos ao mercado.
A decisão foi atualizada em texto de duas linhas no portal ESG da mineradora na noite de segunda-feira.
Procurada, a companhia confirmou a decisão.
Na prática, a Vale já não minerava ou conduzia de forma ativa pesquisas em territórios indígenas e informava que tais áreas tampouco constavam de seus planos futuros de produção.
Mas, para ativistas e investidores, pairava no ar a dúvida sobre o real compromisso da empresa em respeitar os direitos dos indígenas sobre suas terras e sobre seu interesse econômico no longo prazo, uma vez que a companhia mantinha ativos os pedidos de lavra e pesquisa junto à ANM.
Esses pedidos eram uma “herança” de quando a empresa ainda era estatal. De 2020 a 2021, a companhia já havia aberto mão de 89 pedidos e agora ainda restavam 14.
Hoje, no mundo, as companhias de mineração que adotam as melhores práticas seguem o entendimento de que a exploração de quaisquer atividades econômicas em terras indígenas por terceiros deve se dar mediante Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI ou FPIC, na sigla em inglês).
Ou seja, as comunidades devem ser devidamente informadas dos planos e impactos da atividade para que, então, possam negociar as condições de execução e autorizar ou não a exploração. Esse é um direito dos povos indígenas reconhecido pela Organização das Nações Unidas.
Segundo a Vale, sem uma regulamentação da mineração em terras indígenas no Brasil que contemple a consulta a essas comunidades, a companhia não voltará a requerer novos direitos de lavra e pesquisa nessas terras.
No Canadá, por exemplo, a companhia exerce a atividade com o consentimento das comunidades originais na região de Voysey’s Bay.
Em post no Linkedin, a gerente executiva de gestão social da Vale, Camilla Lott, comentou a decisão:
“Se não há uma lei amplamente debatida e que reflita os desejos dos indígenas, deve haver direitos de terceiros sobre suas terras? O reconhecimento ao Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI, ou FPIC em inglês) é fundamental para atender aos direitos das populações indígenas de determinar o próprio desenvolvimento e o direito de exercer a autodeterminação diante de decisões governamentais ou empresariais que dizem respeito aos seus territórios.”
Para um gestor de fundos que investe em Vale, é uma mudança de posição relevante da empresa.
“É uma questão estratégica e financeira de longo prazo, porque algum governo pode autorizar outro operador a explorar”, diz ele.
“É um avanço importante e um posicionamento que, indiretamente, ajuda no atual debate sobre a demarcação de terras indígenas no Brasil”, diz outro gestor.