A Amazônia e o Cerrado vêm crescendo nas telas do cinema, com olhares menos colonizadores e que vêm dando mais protagonismo à população e aos povos originários das regiões.
Essa força apareceu nos festivais de cinema de 2022, começando por Sundance, em janeiro, nos Estados Unidos, onde O Território, dirigido pelo americano Alex Pritz e tendo entre seus produtores seu conterrâneo Darren Aronofsky, foi escolhido pelo público o melhor documentário internacional.
O filme, que está entre os 15 semifinalistas da categoria documentário em longa-metragem do Oscar, é uma coprodução de Estados Unidos com Brasil e Dinamarca e conta com a participação fundamental do povo Uru-Eu-Wau-Wau, responsável por grande parte das imagens.
O Território mostra a luta do jovem líder Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau e de ativistas como Neidinha Bandeira para proteger as terras indígenas, mas também entrevista posseiros que ocupam terrenos, em geral depois tomados por grandes proprietários e grileiros.
Em fevereiro, Fogaréu, longa de estreia da goiana Flávia Neves, ficou entre os mais votados pelo público da Mostra Panorama do Festival de Berlim. É um filme de terror que se passa em Goiás Velho e mergulha na cultura do lugar, entrelaçando as famílias enriquecidas com o agronegócio, as relações de trabalho descendentes da escravidão, a forma de ocupação colonial da terra e o peso da religião.
A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, realizada entre 20 de outubro e 2 de novembro, também percebeu a tendência e criou um recorte da programação nacional chamado Olhares sobre a Amazônia.
Entre as produções estavam Amazônia, A Nova Minamata?, em que o veterano Jorge Bodanzky, vencedor do Prêmio Humanidade, investiga a contaminação de mercúrio por causa dos garimpos ilegais, e À Margem do Ouro, de Sandro Kakabadze, ganhador do prêmio de melhor filme nacional da Associação Brasileira de Críticos de Cinema, que mostra a vida dos garimpeiros.
Pouco depois, em novembro, o Festival de Brasília também destacou longas-metragens sobre as regiões Norte e Centro-Oeste. A Invenção do Outro (foto), uma produção São Paulo-Amazonas dirigida por Bruno Jorge, levou quatro Candangos, incluindo melhor filme.
O documentário acompanha uma expedição liderada por Bruno Pereira, o indigenista assassinado em junho deste ano, junto com o jornalista inglês Dom Phillips, na qual ele tenta promover o encontro de seis korubos com um grupo isolado de indígenas do mesmo povo.
Já o brasiliense Mato Seco em Chamas, de Adirley Queirós e Joana Pimenta, saiu do festival com sete Candangos. Trata-se de um filme entre a ficção distópica e o documentário, sobre três irmãos em Ceilândia, periferia de Brasília, e a exploração de petróleo.
O filme, que estreou no Festival de Berlim em fevereiro e foi premiado no Cinéma du Réel, em Paris, também entrou na lista de 50 melhores do ano da revista Sight and Sound.
Em agosto, o Festival de Gramado já tinha reconhecido Noites Alienígenas, de Sérgio de Carvalho, primeiro longa-metragem de ficção do Acre que terá lançamento comercial, previsto para março. A produção levou cinco Kikitos, incluindo melhor filme. Noites Alienígenas apresenta a tensão de uma periferia de Rio Branco que se transforma com a chegada das facções criminosas.
Olhares mais complexos
É verdade que o interesse do cinema pela Amazônia e pelos indígenas não é de hoje. Desde a década de 1910 são produzidos registros na região, que atraiu cineastas como Humberto Mauro, Hector Babenco, Nelson Pereira dos Santos, Werner Herzog. Mas as novas produções trazem olhares mais complexos, menos romantizados ou colonizadores.
Há algumas razões para essa onda de filmes recentes. A primeira é a atenção nacional e mundial para os perigos enfrentados pela Floresta Amazônica e pelo Cerrado, com o avanço do garimpo, da exploração de madeira e do agronegócio.
Hoje, essa preocupação inclui também os povos indígenas, vistos como guardiões fundamentais dos biomas e, enfim, como seres humanos com direitos e com culturas, línguas, visões de mundo próprias que precisam ser preservadas.
Por causa disso, há um esforço maior de dar voz a pessoas indígenas, oferecendo oportunidades para que elas mesmas contem suas histórias ou, pelo menos, sua inclusão na criação de filmes.
Outro fator essencial para esses novos filmes é a descentralização da produção audiovisual promovida pelos governos Lula e Dilma Rousseff, que ainda rende frutos. Foi graças a isso que cineastas da região começaram a conseguir recursos para filmar suas histórias.
Os filmes exibidos recentemente nos festivais internacionais ainda demoram um pouco para chegar aos cinemas e plataformas de streaming. Para quem quiser opções para dar o play imediatamente, trazemos também seis sugestões para conhecer diferentes pontos de vista e se informar sobre a realidade atual dessas regiões disponíveis em Netflix, HBO Max e Prime Video.