Diferentemente dos investidores estrangeiros que se reuniram com o vice-presidente Hamilton Mourão na véspera, os CEOs de empresas brasileiras conseguiram extrair alguns compromissos do governo brasileiro na tarde de hoje.
Depois de uma hora e meia de conversa, ninguém deixou o encontro com a certeza de que todas as promessas serão cumpridas, mas o balanço foi mais positivo.
Segundo relatos de presentes, diante do pedido dos empresários por uma meta de redução expressiva do desmatamento da Amazônia, Mourão afirmou que o governo já estuda o assunto e prometeu divulgar em breve uma meta.
Ao que se seguiu uma demanda dos executivos por uma governança crível no manuseio e divulgação dos dados.
De acordo com uma pessoa presente, o vice-presidente afirmou que o governo estava assumindo a posição de “calçar as sandálias da humildade” e fazer ajustes pedidos pelo setor privado.
Mercado de carbono
Os CEOs também pediram a adesão do Brasil às cláusulas 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris pelo clima, o que, na visão deles, colocará o país na posição de se beneficiar do mercado de créditos de carbono.
As cláusulas apresentam os dois mecanismos de mercado para promover a cooperação entre os países na execução de medidas de redução de emissões de gases de efeito estufa. Vale lembrar que todo o artigo 6 do acordo ainda está em aberto, dependendo da ratificação dos países signatários.
Para responder a essa demanda, Mourão passou a palavra ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que disse ser favorável e sinalizou intenção do governo de seguir esse caminho.
A dúvida que permanece é qual posição predominará dentro do governo, uma vez que, no entendimento do empresariado, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é contrário a essa adesão.
Rastreabilidade da cadeia
Numa outra frente, os empresários pediram também que o governo crie uma legislação que obrigue as empresas do agronegócio a rastrear sua cadeia de suprimentos.
Marcos Molina, presidente do conselho da Marfrig, chegou a afirmar que o “boi pirata” é o principal motivo do desmatamento e, segundo relatos, disse que a empresa pretende fazer o rastreamento total de sua cadeia em cinco anos.
Os CEOs acreditam, entretanto, que o tema é tão fundamental para desincentivar o desmatamento que não basta as empresas terem políticas próprias: é necessária uma medida impositiva do governo federal.
Não houve qualquer compromisso em relação a isso.
“Se conseguirmos avançar nessas frentes e também na regularização fundiária e na definição de áreas não destinadas, as coisas vão começar a mudar de fato”, avalia um dos presentes.
A leitura é que, com a pressão dos CEOs de empresas locais, o governo perde o argumento de que existem questões geopolíticas por trás das críticas à política ambiental do país.
O espaço para o negacionismo se reduziu significativamente.
Depois do encontro, o vice-presidente disse que a carta dos empresários vai ao encontro do que o governo pensa. Ele não descartou a definição de metas para redução do desmatamento, mas ponderou que precisa estabelecer parâmetros viáveis.
O manifesto dos CEOs para pressionar o governo para mudar sua política ambiental, que levou à reunião de hoje, começou a semana com 40 signatárias e já chegou a 50.
A lista atualizada pode ser vista no site do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), que organizou o movimento. FS Bioenergia, Equinor e Boticário foram algumas das adesões recentes.
Participaram do encontro de hoje com o governo Marina Grossi, presidente do Cebds, Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Paulo Hartung, presidente da Indústria Brasileira da Árvore (Ibá), João Paulo Ferreira, CEO na América Latina da Natura, Walter Schalka, CEO da Suzano, André Araujo, CEO da Shell, Paulo Sousa, CEO da Cargill, Marcos Molina, da Marfrig, Candido Bracher, CEO do Itaú e Luiz Eduardo Osorio, diretor da Vale.
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