César de Mendes sempre acreditou que o gosto amargo do avanço do garimpo e da pecuária extensiva na Amazônia pudesse ser rebatido com uma espécie endêmica da região e seu produto mais conhecido: o cacau amazônico e o chocolate.
Foi essa convicção que o levou a fundar a Chocolate De Mendes, em 2014. A empresa produz chocolates finos, sempre com cacau nativo, encontrado na natureza ou plantado em sistemas agroflorestais, que preservam a floresta.
A ideia original de De Mendes estava certa: o chocolate recebeu prêmios no exterior, e o sucesso se traduziu em impacto direto na vida de 3,5 mil pessoas, que passaram a ter uma atividade econômica aliada à preservação ambiental e ajudam na conservação de 300 mil hectares de floresta.
Mas faltavam recursos para dar o passo seguinte.
Depois de algumas tentativas frustradas para conseguir sócios investidores, no final do ano passado De Mendes finalmente encontrou um parceiro com quem “o santo bateu”.
A companhia recebeu um investimento de R$ 1,5 milhão da aceleradora de negócios de impacto CBKK, que tem como um dos investidores Marcello Brito, que até o fim do ano presidiu a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e é engenheiro de alimentos de formação.
O plano é que a CBKK venha a ter 50% do capital da empresa, mas não há um prazo definido para isso. A aceleradora também não revela que porcentagem da De Mendes detém hoje.
O objetivo do aporte é ampliar o alcance da empresa tanto do lado de seus fornecedores –incluindo povos indígenas e comunidades ribeirinhas raramente atingidos pelo desenvolvimento econômico – quanto na abertura de novos mercados.
Com mais fontes de cacau, a De Mendes espera passar de pouco mais de 1,5 tonelada produzida mensalmente (segundo as projeções deste ano) para 5 toneladas.
As vendas, que até o ano passado eram realizadas no Mercado Livre, agora também são feitas no próprio site, que foi reformulado e ganhou uma nova identidade visual. E a companhia também está estreitando contatos com varejistas e exportadores. Há um mês foi fechada a primeira exportação das barras para os Estados Unidos.
Uma meta ambiciosa da empresa é a de impactar até 50 mil pessoas, contribuindo para a conservação de 1 milhão de hectares de floresta até 2025. “Mas este é apenas um norte. Antes disso precisamos fortalecer e aperfeiçoar a estrutura que já temos”, afirma Andrea Apponi, COO da CBKK e que hoje está 100% dedicada ao projeto da De Mendes.
Chocolatier mateiro
Para De Mendes, que se define como um “chocolatier mateiro”, a chegada do sócio-investidor vai permitir que ele se concentre em uma das partes do trabalho que mais gosta: criar novas receitas e entrar mata adentro em busca de novas fontes de cacau.
“Minha rotina é ir nas vilas, nas aldeias, ficar andando pela floresta. Vou com o pessoal em mata fechada, com botas altas, um facão, um cesto e com olhos e ouvidos atentos”, afirma ele.
Além de trabalhar somente com plantas nativas, a De Mendes produz chocolates “single origin”. São barras que contêm somente um tipo de cacau e expressam as características das terras e da variedade daquela matéria-prima.
A mais exclusiva é a Yanomami-Ye’kwana (69% cacau), feita de uma variedade de cacau ainda não-identificada e que é encontrada em uma aldeia Yanomami em Roraima.
O chocolate “tem sabor prolongado, notas de amêndoas e de banana. Uma experiência muito marcante”, afirma o chocolatier De Mendes. Não à toa é a barra mais cara: 50 g estão a R$ 50.
Encontrar mais variedades – ou novos terroirs – é uma das chaves para crescer. Essa ideia se mistura com outra, que envolve uma questão de reconhecimento, segundo De Mendes. O cacau é originário da Amazônia, mas países como Bélgica e Suíça ficam com a fama.
“O cacau é um tesouro nativo da Amazônia, mas por que não reconhecemos o chocolate como brasileiro? Porque a indústria usa a fruta brasileira para fazer chocolate europeu. Os ingredientes, o modo de fazer e o produto final, tudo é europeu”, afirma o chocolatier.
Rastreabilidade
A De Mendes não é a única empresa que procura estabelecer um negócio sustentável baseado no cacau amazônico. Para ficar em dois exemplos, a chocolatier Luisa Abram tem um modelo mais artesanal, enquanto a Danke, de Ernesto Neugebauer, já nasceu em busca de escala, com base em vendas no varejo.
Apponi acredita que a remuneração oferecida aos fornecedores pode ser um dos diferenciais da empresa – e não só no valor pago por quilo de cacau.
Em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), a companhia está desenvolvendo um programa de treinamento em regiões com indígenas.
“Nossos colaboradores são populações extremamente vulneráveis e ameaçadas. Queremos capacitar essas pessoas, principalmente os mais jovens, propondo o cacau como uma alternativa frente ao garimpo ilegal”, afirma Apponi.
Outra iniciativa é ter uma rastreabilidade completa de cada barra de chocolate. Usando blockchains, a tecnologia por trás das criptomoedas, a De Mendes quer que o comprador de cada barra tenha a informação completa do que tem nas mãos.
“A ideia é que ele possa checar a localização, quem colheu [o fruto] e até veja a foto do cacau que foi usado na barra que ele está comendo.”
Apponi também menciona um certificado de neutralização de carbono. A cada chocolate vendido estaria associada uma compensação das emissões de gases de efeito estufa de um dia do consumidor. O projeto está sendo desenvolvido com a ZCO2.
Na gôndola
A demanda por esses chocolates bean to bar (da amêndoa à barra) vem aumentando a despeito da crise, informa a Associação Bean to Bar Brasil (ACCB).
Segundo um mapeamento da entidade, em conjunto com o Sebrae Nacional, já existem no país ao menos 147 fabricantes deste tipo de chocolate, concentrados principalmente no Pará e na Bahia, e que iniciaram a sua produção entre 2019 e 2020.
Todo esse esforço da De Mendes de nada terá adiantado se os apaixonados por chocolate não conhecerem – ou não encontrarem – os produtos da empresa. Distribuição e comunicação são dois focos importantes da CBKK neste ano.
A companhia vai buscar certificações que estão em alta demanda, como o de produtos veganos, orgânicos ou sem glúten. Segundo Apponi, esses três selos distinguirão a De Mendes de uma série de chocolaterias que já pululam na região Norte e na Bahia, principal polo produtor de cacau do país.
Além das vendas diretas pela internet, até o fim do primeiro semestre as barras criadas pelo chocolatier mateiro estarão disponíveis na seção Caras do Brasil dos mercados do Grupo Pão de Açúcar. Outra frente é aumentar os mercados externos além dos atuais Japão e Estados Unidos.
Com tantas frentes, uma das preocupações de Apponi e do fundador é manter o negócio fiel à sua origem.
Em sua sede, às margens da Baía da Ilha de Marajó, a Chocolates De Mendes recebe cestos de cacau que chegam de todos os cantos da Amazônia, por todo tipo de meio de transporte: barco, avião, carro e até a pé.
Esse contato direto com a população que vive na Amazônia é a razão de ser da empresa e é inegociável, afirma De Mendes. “É claro que queremos crescer, mas esse crescimento não pode ser às custas de deturpar a nossa identidade.”
“No médio prazo, queremos trabalhar com mais fornecedores e, portanto, acumular mais floresta conservada”, diz Apponi. “Por isso esse negócio é tão fascinante. Para crescer, os chocolates comuns derrubam florestas; nós só podemos escalar o negócio preservando a floresta em pé.”