OPINIÃO

Para investir na Amazônia, aprenda a ouvir

Muito se fala nas oportunidades de negócios da bioeconomia, mas muitos 'forasteiros' esquecem da importância de se adaptar à cultura local

Colheita de frutos de guaraná
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A temática do investimento tornou-se um assunto constante em muitos dos eventos e fóruns sobre bioeconomia e Amazônia. Embora a oferta de recursos disponíveis tenha aumentado consideravelmente para o nosso território, muitos fundos e investidores não estão aplicando esse capital de forma eficiente ou na velocidade planejada, o que pode comprometer o alcance dos objetivos propostos e até o interesse no médio e longo prazos.

O que impede que esses recursos cheguem efetivamente à Amazônia? Com minha vivência em muitas rodadas de investimento e após refletir sobre o assunto, identifiquei alguns possíveis motivos e soluções.

A região, que concentra cerca de 15% da biodiversidade mundial e tem uma população que utiliza e gerencia essa riqueza com maestria há séculos, possui um potencial enorme para inovação e desenvolvimento de soluções climáticas globais. Temos um terreno fértil para geração de negócios e prosperidade.

Mas não é qualquer espécie que brota em um terreno fértil. É preciso considerar o clima, a umidade, o ambiente. E aqui surge o primeiro motivo: o ambiente e as pessoas da Amazônia ainda não estão totalmente preparados para a geração de negócios.

Não se trata apenas de questões estruturais, como estrada, energia, conectividade e/ou educação, mas também do entendimento da dinâmica do mundo corporativo: linguagem, indicadores, velocidade e resultados mensuráveis em números.

Preparando o terreno

Uma das prioridades deve ser preparar o ambiente para a geração de negócios. Embora já existam iniciativas importantes, como a Aceleradora de Negócios de Impacto Amaz, criada pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam); a Jornada Amazônia, da Fundação Certi; o Centro de Empreendedorismo da Amazônia; o Inova Amazônia, do Sebrae; os programas universitários como o Enactus, da Universidade Federal do Pará (UFPA), o Amazon Hacking e o Empreende Amazônica, do Cesupa/PA, ainda é necessário um esforço muito maior nesse sentido.

Não me refiro somente a ações de apoio e fomento ao empreendedorismo, mas também de infraestrutura e melhoria da educação voltada aos negócios, passando por um maior investimento em pesquisa aplicada e uma maior aproximação da academia com o mercado, para que os modelos de negócios da região sejam acessíveis para os investidores e adaptados ao mercado.

Para além do que o território precisa, é importante perceber que nem toda planta retirada de um bioma vai conseguir se adaptar ao solo de outro. Muitas vezes ela precisa passar por transformações. Eis mais uma constatação: os investidores também não estão preparados para os negócios amazônicos.

Esse desafio surge da dificuldade dos investidores em lidar com seres humanos culturalmente diversos, com prioridades distintas e outra lógica de relação com a natureza e com o tempo. Diante desse potencial conflito, é urgente que os investidores se eduquem sobre o território e suas pessoas, e se abram para novos modelos.

A COP30, que vai ocorrer no próximo ano em Belém, é uma grande oportunidade para que essas boas conexões aconteçam. Embora o tempo seja um fator crítico, o investidor não deve ter uma abordagem apressada.

Ouça antes de falar

O primeiro passo é o diálogo. Ele não deve trazer projetos e fundos sem considerar a realidade local. Caso contrário, há grandes chances de fracassar.

O segundo passo é a humildade. Sempre que posso, digo aos investidores que nunca venham achando que são melhores que um morador da floresta ou de um de seus centros urbanos. Anos de educação formal, experiência em várias empresas, prêmios e viagens ao redor do mundo não garantem a sobrevivência na Amazônia.

Desde a tentativa do industrial americano Henry Ford de produzir borracha no oeste do Pará, na década de 1920, até o mais recente Projeto Jari, no sul do Amapá, há inúmeros exemplos de negócios que sucumbiram ao não considerar a cultura local. 

O fracasso de Ford foi contado no livro Arrabalde, de João Moreira Salles. Ele conta que os engenheiros da empresa, sem conhecimento do ecossistema que pretendiam dominar, usaram sementes importadas das fazendas da Goodyear em Sumatra (Indonésia) e plantaram milhões de árvores sem espaçamento adequado e em imensos bosques homogêneos, o que facilitou a vida das pragas. As plantações foram dizimadas.

Os que se abriram para se adaptar estão aqui até hoje. O maior caso de sucesso é o da Natura. Segundo o relatório de 2023, a companhia, que tem uma longa trajetória de relacionamento com o território, movimentou R$ 2,1 bilhões em volume de negócios na região amazônica, ajudando a conservar mais de 2 milhões de florestas e impactando 44 comunidades agroextrativistas.

O respeito mútuo e o aprendizado contínuo são essenciais para construir um ambiente de negócios viável e produtivo. Não temos todas as respostas e ferramentas para o desenvolvimento sustentável que as Amazônias e seus povos precisam, mas essa conexão com outros territórios pode ser poderosa se bem feita.

Temos habilidades e conhecimentos complementares e precisamos estar dispostos a atuar juntos para desenhar projetos que unam esses dois mundos e potencializem nossas riquezas.

A convivência entre os dois mundos é fundamental na construção de um ambiente de negócios seguro para ambos – tanto para o amazônida, que se sente protegido em seu território e tem ambições e desejos diferentes do restante do Brasil, quanto para os investidores. A partir dessa compreensão, será possível gerar prosperidade na região e garantir a preservação dessa floresta que é essencial para a sobrevivência do planeta.

*Joanna Martins é CEO e sócia-fundadora da Manioca e integrante do núcleo de governança de Uma Concertação pela Amazônia