Menina em lavoura no Chade, África

O Brasil tem diante de si uma oportunidade rara de construir um eixo estratégico de crescimento, por meio de uma intensificação das relações comerciais com a África, especialmente a região subsaariana. Não estamos nos referindo à histórica visão filantrópica que, ao longo de décadas, caracterizou as relações de inúmeros países com o continente, mas, sim, de uma nova fronteira de investimento.

Em poucas décadas, o Brasil deixou de ser importador de alimentos para se tornar potência agroexportadora. Essa virada se deu graças à ciência tropical, ao trabalho da Embrapa, ao uso intensivo de tecnologia adaptada e à integração entre lavoura, pecuária e floresta. Hoje, esse know-how é um dos ativos mais valiosos que o país pode compartilhar. Exportar tecnologia, modelos produtivos e soluções energéticas para a África significa abrir novos mercados e, ao mesmo tempo, ampliar a presença global das empresas brasileiras.

A África subsaariana reúne fatores que a tornam uma das regiões mais promissoras do planeta. A região abriga alguns dos países com maiores índices de crescimento econômico do mundo no ano passado, como Ruanda (7% de crescimento), Etiópia (6,2%) e Tanzânia (6,1%).

Além disso, quando nos referimos à agricultura, o continente como um todo é, de longe, o que mais possui áreas conversíveis para as atividades agrícolas. São mais de 600 milhões de hectares cultiváveis, ou cerca de 60% do total mundial. Vale destacar que a região deverá importar, em 2025, um total de US$ 100 bilhões em alimentos.

Existe outro aspecto do universo de oportunidades da África, seu bônus demográfico. Hoje, a população do continente é de 1,3 bilhão de pessoas, com um crescimento médio de 2,4% ao ano. Enquanto países como Japão, Itália e Coreia do Sul enfrentam um envelhecimento da população (com todos os desafios inerentes a esse processo), no continente africano, 60% da população tem menos de 25 anos.

Estima-se que, em 2040, a região terá 1,1 bilhão de pessoas economicamente ativas. Trata-se de um potencial incrível em termos de mão de obra e de mercado consumidor.

Retorno financeiro e geopolítico

Conforme já mencionamos, durante décadas a África foi vista sob a lente da ajuda humanitária. Embora não se possa desprezar sua importância, o futuro do continente não se constrói apenas com doações: se constrói com investimentos produtivos, capazes de gerar lucro e impacto social positivo ao mesmo tempo.

A região possui uma enorme dificuldade de acesso a financiamento para a modernização das práticas agrícolas essenciais, como sistemas de irrigação menos dependentes do regime hídrico, rotinas mais resilientes do ponto de vista climático e ganhos de escala. Para trazer um exemplo mais prático, enquanto a média mundial de participação de sistemas de irrigação no total de áreas cultivadas é de pouco mais de 20% (chegando a mais de 40% na Ásia), na África essa participação é de menos de 5%. 

É nesse terreno que o Brasil pode se posicionar: como parceiro que investe, não que doa. O retorno é duplo — financeiro e geopolítico.

Um exemplo concreto de como capital e propósito podem caminhar juntos está no Global Food Security Fund (GFSF I). Estruturado para impulsionar setores estratégicos em países africanos como Ruanda, Tanzânia, Quênia, Zâmbia e Etiópia, o desenho do fundo prevê a aplicação de 70% dos recursos em participações ligadas à cadeia agroalimentar, energias renováveis e pecuária sustentável.

A proposta vai além de gerar retorno financeiro: trata-se de promover ganhos de produtividade e infraestrutura, ancorados em práticas resilientes e inclusivas. Inspirado na experiência brasileira de aliar ciência e tecnologia tropical à geração de valor, o fundo adota uma estratégia com horizonte de saída do investimento em até dez anos — reforçando sua natureza de investimento de impacto, e não de filantropia.

O fundo pode, ainda, dedicar até 30% de sua estratégia à concessão de crédito agrícola, elemento essencial para desbloquear o potencial de pequenos e médios produtores. O acesso a financiamento sob medida permite modernizar sistemas de irrigação, adotar mecanização e implementar soluções pós-colheita — fatores decisivos para reduzir perdas e ampliar a competitividade local.

Ao integrar crédito a seguros e instrumentos de mitigação de risco, o fundo ajuda a construir um ecossistema mais seguro e previsível para o investimento produtivo, criando condições para uma transformação econômica sustentável e de longo prazo.

Exportação de conhecimento

Finalmente, a experiência brasileira demonstra que é possível impulsionar a agricultura tropical em múltiplas frentes:

. Aumentar a produtividade agrícola e pecuária com cultivos resistentes e práticas sustentáveis, como plantio direto, rotação de culturas e uso de sementes geneticamente adaptadas a climas secos;

. Recuperar solos degradados por meio de técnicas avançadas de manejo, incluindo adubação verde, biofertilizantes e correção da acidez do solo;

. Expandir o acesso a mercados globais através de redes comerciais consolidadas e certificações de qualidade;

. E integrar fontes de energia renovável à produção, como sistemas de irrigação solar e biodigestores para manejo de resíduos, reduzindo custos e aumentando a eficiência.

Adaptadas ao contexto africano, essas soluções oferecem um caminho para aumentar a competitividade, promover sustentabilidade e gerar novas oportunidades de crescimento econômico.

O continente africano será decisivo para a segurança alimentar global, para o equilíbrio climático e para a economia mundial. Nosso país tem a rara combinação de experiência, tecnologia e afinidade cultural para ocupar um papel protagonista nessa história. Não se trata de filantropia, mas de visão estratégica. Investir nesse continente é apostar em crescimento, diversificação de mercados e na construção de uma relação de futuro em que os dois lados ganham. O momento de agir é agora.

* Renato Solano é head da International Desk da Planner Investimentos e responsável pelo Global Food Security Fund I (GFSFI), fundo de private equity lançado em 2024 para investimento em projetos ligados à África.