Com o uso de tecnologias já disponíveis, o Brasil poderia cumprir com folga a meta assumida de reduzir em 30% suas emissões de metano até 2030, em comparação com 2020, aponta um estudo divulgado hoje pelo SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa).
Num cenário business as usual, ou seja, sem novos esforços de mitigação, as emissões do país aumentariam 7%, aponta o levantamento “Desafios e Oportunidades para a Redução das Emissões de Metano no Brasil“.
O Brasil é o quinto maior responsável pela liberação do metano, ou CH4, na atmosfera. Das 20,2 milhões de toneladas emitidas no país, 72% são atribuídas ao setor agropecuário, principalmente por causa do “arroto do boi”.
O setor de resíduos, liderado por lixões e aterros sanitários, vem num distante segundo lugar, com 16% das emissões nacionais de CH4.
De acordo com a contabilidade do SEEG, com a adoção de algumas medidas e técnicas já disponíveis seria possível reduzir as emissões de CH4 do país em 36% até o fim da década.
“É plenamente possível chegar a uma redução de 36%, e seria uma contribuição muito importante para a meta global”, disse Tasso Azevedo, coordenador técnico do SEEG. “Ao fazer isso, o Brasil sairia na frente e puxaria a ambição dos outros grandes emissores.”
O metano está presente na atmosfera em concentrações muito mais baixas que CO2, e seu ciclo de vida é mais curto. Mas seu efeito na mudança do clima é mais rápido e intenso: cada molécula de CH4 tem um poder 80 vezes maior de aumentar a temperatura global num prazo 20 anos, em comparação com o CO2.
Uma redução significativa das emissões desse gás, portanto, teria efeito mais imediato no combate à mudança do clima. O Brasil é um dos 122 países que assinaram o compromisso global com esse objetivo.
Apesar de anunciado na COP26, realizada no ano passado em Glasgow (Escócia), a meta não faz parte das obrigações que cada nação assumiu sob a Convenção do Clima e não tem mecanismos internacionais de verificação ou acompanhamento.
Para fazer sua contribuição, o Brasil vai depender de mudanças voluntárias.
“É uma lição de casa que nós da sociedade civil estamos fazendo, e que o governo obviamente não fez”, afirmou Marcio Astrini, coordenador do Observatório do Clima, uma rede que reúne dezenas de ONGs ligadas ao meio ambiente.
“Não vamos ficar esperando. Esse trabalho prova que não é apenas possível o Brasil entregar o que foi prometido e assinado em Glasgow, mas com vantagens: empregando novas técnicas e tecnologias.”
O arroto do boi
De todas as ações sugeridas pelo estudo do SEEG, as de impacto mais direto estão na pecuária – especificamente na digestão dos animais no pasto, responsável por 92% das emissões de metano do setor.
“As soluções são conhecidas e já são implementadas, mas precisam de escala”, afirma Renata Potenza, coordenadora de projetos de clima e emissões do Imaflora.
No cenário desenhado pelo levantamento, cerca de 30% dos animais deveriam ser submetidos a um regime de terminação intensiva, que permite o abate antecipado. Trata-se do dobro da meta contida no plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC+), do governo federal.
Outras medidas apontadas são uma intensificação das técnicas de melhoria genética dos bovinos de corte e leite, o uso de suplementações na ração para reduzir a geração de metano no processo digestivo e a melhora na qualidade dos pastos.
Todas essas soluções vêm sendo perseguidas de uma forma ou de outra pelos grandes frigoríficos brasileiros, mas a cadeia da pecuária é complexa, e ainda não há clareza de como esses investimentos vão se pagar.
A Marfrig, que teve suas metas de descarbonização aprovadas por uma entidade que as avaliou com base na ciência, pretende cortar 33% do total de suas emissões de gases de efeito estufa até 2035.
O fim dos lixões
Outra área decisiva para a redução do metano produzido no país é a de resíduos, particularmente os sólidos: eles são responsáveis por dois terços das emissões do setor.
Caso nada mude até o fim da década, o metano gerado por essa atividade pode subir até 26%. A redução gradual dos aterros sanitários controlados e a erradicação dos lixões, entre outras ações, poderia levar a uma redução de 6,5% das emissões de CH4 em 2030.
Diferentemente da pecuária, a mitigação no setor de resíduos “conversa com a implementação de políticas públicas e programas setoriais, como o Plano Nacional de Resíduos Sólidos e o Marco Legal do Saneamento”, disse Iris Coluna, uma das responsáveis pelo trabalho do SEEG.
Medidas como aproveitamento do metano como biogás e redução da acumulação de resíduos orgânicos em aterros também serão necessárias para que se obtenha a redução potencial calculada pelo estudo.
Outro foco destacado pelo SEEG foi a mudança do uso da terra, em especial as queimadas, que compõem 9% da emissões nacionais de CH4.
Em último lugar, com uma participação de apenas 2,6% no total nacional, vem o setor de energia, com o uso de lenha como combustível para fogões, vazamentos de gás nas operações das petroleiras e emissões de termelétricas.