Os cientistas que estão medindo a real pegada de carbono do agro

O Ccarbon, da USP, quer incluir o CO2 capturado no solo para chegar a uma conta mais precisa da contribuição do setor para as emissões brasileiras (spoiler: é muito difícil)

Os cientistas que estão medindo a real pegada de carbono do agro
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Existe uma ambivalência da atividade agropecuária brasileira em relação às emissões de gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo em que é a atividade econômica que mais emite no balanço do país, o agronegócio também é o único capaz de remover esse gás de efeito estufa da atmosfera em seu processo produtivo.

O problema? Não é trivial mensurar o saldo final, ou seja, as emissões associadas à produção, menos o carbono capturado naturalmente nas plantações.

Essa é uma reclamação frequente do setor: ele é visto como vilão do clima, quando pode trazer parte da solução. 

Entre as muitas iniciativas para promover práticas de cultivo que aumentem a captura de carbono no solo, além de calculadoras para medir a pegada de carbono da atividade, uma nasceu no interior de São Paulo, o Center for Carbon Research in Tropical Agriculture (Ccarbon).

Criada dentro da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da Universidade de São Paulo (USP), o nome em inglês tem uma razão: a ambição de ser reconhecido como um centro mundial referência em agricultura tropical de baixo carbono. 

Ele acaba de completar um ano e já tem uma primeira grande tarefa nacional: fazer o inventário oficial de gases da agropecuária brasileira, que fará parte do relatório de progresso que o governo precisa apresentar para a ONU em relação à mais nova meta de descarbonização (NDC). 

O Brasil assumiu o compromisso de cortar de 59% a 67% as emissões de gases de efeito estufa até 2035, na comparação com os níveis de 2005. Como outros signatários do Acordo de Paris, o país tem como meta ser neutro em carbono em 2050.

“Se a gente conseguir zerar o desmatamento, grande parte ilegal, a gente atinge a meta”, diz Carlos Eduardo Cerri (foto), diretor do Ccarbon. E já aponta que isso aumenta a parcela da meta que cabe ao campo. 

“Depois começa o cerco a apertar. A agropecuária tem 27% das emissões, mas se você reduz as do desmatamento, proporcionalmente aumenta a participação desse e dos outros setores da economia.”

Cálculos

O Ccarbon fará o cálculo da pegada de carbono da agropecuária em conjunto com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e a FGV (Fundação Getúlio Vargas). As três organizações começaram os trabalhos no fim do ano passado. 

O objetivo é desenvolver métricas de balanço de carbono e rastreabilidade de emissões da agricultura, pecuária e silvicultura para aprimorar políticas públicas, o que inclui o Inventário Nacional de Gases, coordenado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

A cooperação fará os cálculos de agro para o quinto inventário a ser apresentado no ano que vem pelo país à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC). 

Esses inventários fazem parte das chamadas comunicações nacionais à UNFCCC. O Brasil fez quatro, até agora: em 2004, 2010, 2016 e 2020. “Tem países que têm oito, dez. Por quê? Porque foi dito que os inventários tinham que ser feitos de forma frequente, mas não estabelecia uma frequência específica”, conta o diretor.

“A partir de agora, todos os países signatários precisam entregar seus inventários para a ONU a cada dois anos”, afirma Cerri. 

Ele faz uma metáfora com futebol. “A gente tava jogando pelada, futebol de brincadeira. Agora é Copa do Mundo, é jogo para valer.”

A tarefa não é fácil. Há uma avaliação do setor de que o inventário brasileiro da atividade está desatualizado, pois considera as emissões, mas não necessariamente as remoções de carbono. 

Nos últimos anos se multiplicaram as iniciativas, entre públicas e privadas, na academia e corporativas, que buscam mensurar o sequestro de carbono no solo – e algumas até se tornaram modelos de negócios de startups. 

“O centro surgiu da ideia de organizar as informações dispersas. Não temos a prepotência de criar tudo novo, mas sim valorizar o que já foi feito e olhar para as lacunas”, diz Cerri.

Um estudo de pesquisadores do Ccarbon e de universidades da Costa Rica e dos Estados Unidos lembra que o solo representa o maior reservatório de carbono do planeta, mas que o potencial de boas práticas de manejo agrícola (como plantio direto, recuperação de pastagens e a expansão de sistemas integrados tipo agrofloresta) para aumentar o sequestro de carbono do solo e compensar as emissões em agroecossistemas permanece obscuro.

A pesquisa estima que a adoção de boas práticas em 30% da área agrícola nas Américas promoveria o sequestro de carbono, por um período de 20 anos, em um montante capaz de mitigar aproximadamente 40% das emissões do próprio setor. 

Credenciais

A missão do Ccarbon é desenvolver soluções e estratégias de agricultura tropical sustentável baseada em carbono para mitigar as mudanças climáticas.

Trocando em miúdos: de um lado, reduzir as emissões de gases, e do outro, aumentar as remoções na vegetação e no solo. “A gente sabe que isso é um baita desafio, mas também tem muita oportunidade associada a esse contexto”, diz o diretor do centro.

A agricultura tropical, por conta de suas características de solo, clima e manejo, tem um potencial reconhecido de menor pegada de carbono. No Brasil, ela é ainda maior, por conta da matriz de energia limpa. Entre os projetos do Ccarbon está o desenvolvimento de padrões de taxonomia e medição para as principais culturas do país. 

A maior parte das metodologias existentes foi desenvolvida em países do Hemisfério Norte, levando em conta as condições locais. “Os Estados Unidos também produzem soja, mas em clima e solo totalmente diferentes. Se usarmos os indicadores de outros lugares, a gente não reflete bem o panorama aqui”, diz o diretor. Também há culturas específicas do Brasil, como cana-de-açúcar e palma.

O centro trabalha em três frentes: pesquisa, inovação e disseminação de temas como como mitigação e adaptação das mudanças climáticas, segurança alimentar, economia de baixo carbono e desenvolvimento social.

Esse assunto não é novo para Cerri. Seu pai, o engenheiro agrônomo Carlos Clemente Cerri, falecido em 2017, também foi professor da Esalq, da USP, e pioneiro nos estudos de carbono na agropecuária. Ambos aparecem na lista da Reuters dos maiores cientistas do clima do mundo. 

Além da diretoria formada por Cerri e outros três diretores, o Ccarbon tem um conselho consultivo científico internacional com dois prêmios Nobel: o biólogo escocês Pete Smith e o cientista do solo paquistanês Rattan Lal. 

O financiamento vem de duas fontes: uma privada, da Bayer, e uma pública, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), por meio do Programa Cepid (Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão), no valor de R$ 40 milhões por cinco anos. A fundação também concedeu 90 bolsas de estudo para pesquisadores do centro para graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado.