IPCC: temos de abandonar os fósseis ­– com urgência

Cortar 43% das emissões de gás, petróleo e carvão até 2030 é a única chance de manter vivo o Acordo de Paris, diz novo relatório

IPCC: temos de abandonar os fósseis ­– com urgência
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As conclusões não chegam a surpreender, mas nem por isso são menos alarmantes: um novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima indica que temos de reduzir – muito, e logo – o consumo de combustíveis fósseis para evitar uma catástrofe climática.

O mundo terá de cortar em 43% as emissões da queima de carvão, petróleo e gás natural até 2030 – em comparação com 2019 – para haver alguma chance de limitar a 1,5°C o aumento da temperatura global no fim do século.

O documento produzido pelo painel climático ligado à ONU foi o terceiro divulgado desde meados do ano passado e, diferentemente dos dois anteriores, se concentrou na questão prática: o que podemos fazer, com o que se sabe hoje e com as tecnologias em desenvolvimento.

O tom geral foi sombrio. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, descreveu o texto como “um rosário de promessas não-cumpridas. É uma coleção vergonhosa, catalogando os compromissos vazios que nos colocam firmemente no caminho de um mundo inabitável”.

O IPCC afirma que a substituição de fontes fósseis por renováveis provavelmente não será suficiente. A captura de carbono da atmosfera, por meio do plantio de árvores ou de inovações tecnológicas, também terá papel fundamental.

O receituário é conhecido: mais eletricidade de fontes como o sol e o vento, melhor eficiência no aproveitamento da energia, menos desmatamento, mais cuidado com o solo.

Essas medidas são as mais poderosas e, se forem adotadas, podem garantir que a atividade humana deixe de lançar CO2 na atmosfera a partir de 2050. “É disso que precisamos”, afirmou o australiano Thomas Wiedmann, um dos 278 pesquisadores envolvidos no trabalho.

Por enquanto, o planeta caminha no sentido inverso. As emissões de gases de efeito-estufa aumentaram 6% no ano passado e as previsões são de novo aumento este ano.

A instabilidade no fornecimento de gás natural para a Europa causada por causa da guerra na Ucrânia deve elevar o consumo de carvão no continente – pelo menos até que se encontrem alternativas sustentáveis.

De acordo com os autores, os atuais investimentos em energias limpas, cerca de US$ 600 bilhões anuais, teriam de ser multiplicados entre três e seis vezes.

Quase no vermelho

Um dos indicadores utilizados pelo IPCC é um “orçamento global” de CO2. Trata-se da quantidade adicional de dióxido de carbono que pode ser despejada na atmosfera sem que a meta de 1,5°C seja comprometida.

Em 2019, esse total tinha sido calculado em cerca de 500 gigatoneladas. Se mantidos os níveis atuais de 59 gigatoneladas ao ano, o orçamento pode estourar já em 2028.

A partir de então, cada nova tonelada de CO2 emitida teria de ser retirada do ar. O reflorestamento é uma das soluções necessárias, mas não suficientes.

Já existem inovações que permitem capturar os gases no ponto de emissão e armazená-los (em poços de petróleo esgotados, por exemplo). Mas esses sistemas custam caro, são complexos e não provaram sua viabilidade econômica.

A eletricidade deve substituir os combustíveis fósseis em todas as atividades em que isso for possível, recomenda o IPCC.

Isso significa que a transição para veículos elétricos terá de ser acelerada. O relatório também afirma que investimentos em transporte público e em infraestruturas urbanas para pedestres e ciclistas devem ter prioridade.

Somados a novos sistemas de calefação, ganhos de eficiência em atividades industriais e uso de materiais renováveis ou reciclados, essas políticas focadas no lado da demanda poderiam representar uma redução entre 40% e 70% no total das emissões até 2050, afirma o IPCC.

Mas mudanças no varejo são particularmente complicadas – elas sozinhas não bastam. O relatório da ONU também aponta dois problemas especialmente importantes no Brasil: desmatamento e produção de proteínas animais.

O problema político

Países ricos e grandes corporações não estão apenas “fazendo vista grossa”, afirmou Guterres. “Eles estão asfixiando o planeta, com base em seus interesses inconfessáveis.”

Embora em termos menos enfáticos, o relatório do IPCC reconhece que o progresso depende em grande medida de um delicado equilíbrio geopolítico mundial.

As horas que antecederam a divulgação do texto foram tensas, diz o Financial Times. China e Estados Unidos, os dois maiores poluidores do mundo, mais uma vez se desentenderam sobre as responsabilidades das nações ricas e daquelas em desenvolvimento.

Em poucas palavras, eis a questão que há décadas se impõe às negociações do clima: os países ocidentais enriqueceram queimando carvão e petróleo e agora querem dizer para os emergentes que eles terão de encontrar outro caminho.

Mesmo antes da guerra na Ucrânia, o governo chinês já vinha aumentando a produção local de carvão. Na COP26, a Índia brigou por uma linguagem menos definitiva sobre o fim da queima de carvão – sem esse combustível, argumenta o país, não há como levar desenvolvimento econômico a centenas de milhões de indianos.

“Se o problema pudesse ser resolvido apenas com tecnologia, já teríamos uma solução duas ou três décadas atrás”, afirmou um dos autores do estudo ao The New York Times.