
Diante da necessidade de expandir a produção agropecuária sem aumentar a fronteira do desmatamento, o governo federal anunciou um programa nacional para recuperar pastagens degradadas na COP28, em 2023. Mas desde então, pouca coisa andou.
Agora, junto a organizações da sociedade civil, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) fez um estudo para analisar o potencial de conversão de diferentes áreas para servir como bússola para o programa, que tem como meta converter 40 milhões de hectares.
O “Plano de Priorização de Áreas e Estimativas de Investimentos” mapeou 27,7 milhões de hectares (cada hectare equivale ao tamanho de um campo de futebol) com potencial para passar pela conversão, o que exigiria investimento mínimo de R$ 139 bilhões. Com as informações para estabelecer um pipeline de projetos, ainda falta o dinheiro para torná-los realidade.
“Os recursos virão das mais variadas fontes possíveis, vamos tentar ajustar os mecanismos conforme o interesse do investidor. Até o momento, o que nos parece o mais consistente e próximo é o recurso do Eco Invest”, disse Carlos Augustin, assessor especial do Mapa e coordenador-geral do comitê gestor interministerial do programa, ao Reset.
O Eco Invest é um outro programa do governo federal para atrair capital estrangeiro para financiar a transição brasileira para uma economia verde. Na linha de blended finance, o Tesouro entra com capital catalítico (subsidiado) para reduzir custos ou mitigar riscos, atraindo recursos privados em maior escala. O primeiro leilão atraiu 9 bancos e um potencial de investimentos de R$ 44 bilhões.
O próximo leilão será voltado para pastagens degradadas e tem como objetivo captar recursos para recuperar 1 milhão de hectares. Mas está tudo atrasado.
Augustin esperava que a concessão de crédito aos produtores começasse em meados de 2024 e os recursos fossem repassados a juros de 6,5%. O Tesouro Nacional planejou que o edital do novo leilão do Eco Invest sairia até o fim do ano passado. Agora, a expectativa é que o edital seja apresentado aos bancos ainda em abril e o Mapa fala em taxas de até 9%, em meio às altas da taxa Selic.
Para além das definições financeiras do leilão, o Tesouro está conversando com os bancos sobre quais regiões e áreas devem ser priorizadas nas propostas.
Alguns investidores externos já sinalizaram interesse. O Japão assinou um memorando de cooperação para a recuperação de áreas degradadas com o Brasil, para repassar recursos por meio da Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica, na sigla em inglês) – o governo brasileiro espera um aporte de pelo menos US$ 300 milhões.
“Temos facilidade em conseguir os recursos, mas na moeda do país do investidor. O grande problema hoje é a conversão cambial”, diz Augustin. Para isso, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) vai oferecer linhas de proteção contra a variação da taxa de câmbio brasileira, crucial para reduzir o custo de capital dos investidores e tornar atrativo o retorno dos projetos.
A estimativa inicial do Mapa era de que o programa de recuperação de pastagens demandasse, ao longo de dez anos, cerca de US$ 120 bilhões em investimentos, equivalente a US$ 3 mil dólares por hectare. Projetos de recuperação realizados em programas como o Renovagro (programa público) e o Reverte (programa privado da Syngenta), porém, têm apresentado um valor médio de US$ 1,5 mil por hectare, aponta Augustin.
O estudo de áreas prioritárias foi elaborado pelo Departamento de Reflorestamento e Recuperação de Áreas Degradadas do Mapa, Instituto Clima e Sociedade (iCS), Agroicone, Imaflora, Grupo de Políticas Públicas da Esalq/USP e Centro de Inteligência para Governança de Terras e Desenvolvimento Sustentável (Cite).
Potencial acumulado
Os imóveis rurais mapeados estão inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), não estão sobrepostos com áreas de uso restrito, como terras indígenas ou áreas militares, nem apresentaram desmatamento após 2008 – mesmo corte do Código Florestal.
O estudo analisou as áreas a partir de geoprocessamentos e modelos com multicritérios. Foram consideradas a viabilidade a partir de características biológicas, como declividade e aptidão agrícola, e a infraestrutura local disponível, como a proximidade de frigoríficos, silos e armazéns de grãos ou da indústria de laticínios, por exemplo.
Dos 27,7 milhões de hectares, 25,1 milhões têm potencial para intensificação da pecuária de corte; 16,9 milhões para pecuária de leite; 11,5 milhões para silvicultura; 8,8 milhões para agricultura; e 7,1 milhões para sistemas agroflorestais.
“Uma propriedade pode ter múltiplas aptidões e a decisão vai ser do produtor rural, do que ele quer produzir. Então, uma mesma propriedade pode ter potencial de intensificação da pecuária de corte, mas também de soja”, diz Leila Harfuch, sócia-gerente da Agroicone, responsável pela modelação financeira do estudo.
O levantamento também aponta as lacunas que cada região precisa preencher para realizar seu potencial. “Muito está atrelado à infraestrutura disponível localmente. Podemos pensar o que falta para que algumas das regiões possam implementar sistemas mais produtivos, que conseguem conciliar a mitigação de emissões, adaptação dos sistemas e o uso mais sustentável da terra”, diz Gabriel Quintana, analista de clima e emissões no Imaflora.
Custos da transformação
O estudo se concentrou em nove estados que contam com 79% das pastagens degradadas ou em degradação do país: Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Goiás, Pará, Tocantins, Rondônia e São Paulo.
Ali, converter 23,3 milhões de hectares exigiria um investimento inicial de R$ 139 bilhões e teria um custo operacional de R$ 90,8 bilhões por ano. Os números são uma estimativa mínima, afirma a gerente da Agroicone, pois o custo final depende do modelo escolhido pelos produtores.
No Pará, transformar 1 hectare de pastagem degradada em plantação de soja custa aproximadamente R$ 7 mil reais, com custos operacionais de R$ 6,2 mil. A mudança para um sistema agroflorestal com cacau e açaí exige R$ 31,4 mil por hectare inicialmente e cerca de R$ 1 mil para a manutenção anual. A taxa interna de retorno (TIR) é estimada em 5,1% e 23,8%, respectivamente, sem financiamento.
Descarbonização
A conversão das áreas pode contribuir mais ou menos para a remoção de carbono da atmosfera a depender dos métodos escolhidos de produção. Por isso, a estimativa do estudo é ampla: potencial de captura entre 3,6 milhões e 66 milhões de toneladas de CO2.
“O potencial de remoção de carbono é uma informação estratégica porque apoia tanto o programa de recuperação de pastagens no uso mais eficiente do solo, quanto outras políticas públicas que conversam com a própria NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada] brasileira”, diz Quintana.
Outras políticas públicas podem ser elaboradas a partir das informações levantadas. “Em todo o mapeamento, 66% da área está em propriedades de até 500 hectares. A maior parte das pastagens degradadas no Brasil está nas mãos de pequenos e médios proprietários rurais, e precisamos aprimorar os mecanismos de políticas públicas existentes para a realidade desses segmentos”, afirma Kamyla Borges, especialista sênior em agricultura do Instituto Clima e Sociedade.
Para os pequenos produtores é preciso ir além do financiamento, de acordo com Augustin. “Não conseguimos movimentar positivamente os pequenos produtores somente com a taxa de juros, porque [o que oferecemos] ele já tem. Precisamos de outros apoios, como assistência técnica, gestão e comercialização”, diz o assessor, que deve trabalhar essa frente junto ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar.