ESPECIAL: A cannabis pode ajudar a salvar o planeta?

Além de aplicações médicas e industriais, a planta tem credenciais de sustentabilidade únicas: absorve grandes quantidades de CO2; recupera o solo e exige pouca água

Plantação de cânhamo na França para utilização na indústria têxtil
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Esta é a parte final da série especial sobre o promissor negócio da cannabis no Brasil. Leia aqui a primeira reportagem, sobre o potencial bilionário do mercado da maconha, e a segunda, sobre as startups que já começam a investir mesmo sem um marco regulatório

Além dos usos medicinais, industriais e recreativos, a cannabis também pode ter aplicação climática: absorvendo CO2 da atmosfera.

Pés de maconha e cânhamo não vão resolver o problema do aquecimento global, é claro, mas também não vão atrapalhar, muito  pelo contrário. A planta é uma das mais eficientes da natureza em termos de captura de carbono.

Dados do Hudson Carbon, centro de pesquisas sobre carbono sediado em Nova York, apontaram que um hectare plantado com cânhamo é capaz de capturar até 16 toneladas de carbono da atmosfera em um ano. O cânhamo é uma espécie de cannabis com baixíssimo teor de tetra-hidrocarbinol (THC), único canabinóide com efeito psicotrópico da planta.

É uma grande vantagem sobre outras plantas de porte semelhante ou até árvores pequenas, que capturam cerca de 6 toneladas de CO2 anuais por hectare, em média. A absorção do CO2 acontece durante o crescimento do cânhamo, que pode atingir quatro metros de altura em cerca de três meses – um tempo considerado extremamente curto.

Um eucalipto, por exemplo, leva de seis a oito anos para ser cortado, para produção de lenha, carvão vegetal ou madeira para a indústria de celulose. “O ciclo completo da cannabis leva de 90 a 180 dias, dependendo do uso”, diz o agrônomo Sérgio Rocha, fundador da startup mineira Adwa, voltada para pesquisas e tecnologia de melhoria da produção de cannabis.

Rocha cultiva cannabis desde 2018 para pesquisas – mas só porque obteve uma autorização judicial. O projeto de lei 399, que regula não apenas o uso como também o plantio da cannabis no país, aguarda aprovação no Congresso Nacional desde 2015.

Os defensores da aprovação desse marco regulatório, que destravaria um mercado de potencial bilionário, apontam para os benefícios ambientais como argumento adicional.

CO2 e mais

O carbono é só um deles. A cannabis ajuda a remover metais pesados do solo, entre eles chumbo, arsênio, zinco e cádmio, e a regenerá-lo. Ela colabora nos processos de fitorremediação e combate à erosão, por causa de suas raízes estruturantes.

As raízes também são capazes de retirar água de solos mais profundos e de bombeá-la para a atmosfera. “É uma cultura que favorece o crescimento de outras plantas em regiões áridas. Além, claro, de isso retardar o aumento da temperatura nessas áreas”, afirma Rocha.

Pesquisas da organização norte-americana Rodale Institute, que apoia a agricultura orgânica, apontaram que o cultivo do cânhamo como cultura de rotação melhorou a estabilidade e resiliência das plantações.

Eficiência hídrica

Segundo o relatório Cânhamo no Brasil, publicado em 2022 pela startup Kaya Mind, o cânhamo também demanda pouca água para seu cultivo – 1 kg de cânhamo utiliza de 2,9 mil litros de água, enquanto 1 kg de algodão, 10 mil litros. Como a planta é resistente,  quase não é necessária a utilização de pesticidas, fungicidas ou herbicidas.

Os impactos ambientais positivos estendem-se a algumas das aplicações da planta. O material produzido a partir das fibras do cânhamo, por exemplo, pode resultar em embalagens totalmente biodegradáveis.

Em alguns países onde o uso industrial já foi regulamentado, ele vem sendo utilizado não apenas sozinho, mas inclusive misturado ao plástico, para reduzir seu tempo de decomposição.

Rocha afirma que o cânhamo também é mais sustentável que o eucalipto como fonte de celulose. “Em cerca de 120 dias podemos colher a planta. A cannabis, portanto, é muito mais vantajosa na produção de papel”, afirma Rocha.

Considerando um ciclo de 20 anos, meio hectare de cânhamo pode produzir a mesma quantidade de papel que uma área de 1,5 a 4 hectares plantada com árvores. “Poderíamos plantar eucalipto com finalidades mais nobres.”

Para Bruno Pegoraro, presidente do Instituto de Pesquisas Sociais e Econômicas da Cannabis (Ipsec), que advoga em favor da regulamentação da cannabis no Brasil, o cultivo do cânhamo pode ser um excelente aliado para pequenos agricultores.

“Fomos tomados por grandes plantações de soja, que não compensam ao pequeno produtor rural, por seu baixo valor agregado. Além de recuperar o solo para outras culturas, o que é ótimo para estes agricultores, o cânhamo tem um valor agregado mais alto”, afirma Pegoraro. Existem mais de 25 mil aplicações distintas para a planta.

Modelo vizinho

O Paraguai é atualmente o maior produtor de cânhamo na América Latina – e terceiro no mundo, atrás apenas de China e Canadá –, com cerca de 5.000 hectares de lavouras cultivadas.

Legalizado há cinco anos, lá o plantio não se restringe a grandes produtores. Em torno de 300 famílias de índios guaranis, por exemplo, cultivam cannabis de maneira certificada, por meio de um programa do governo federal.

O governo compra a matéria-prima de pequenos produtores que antes cultivavam a cannabis na ilegalidade. É um modelo de investimento público que tem colaborado para reduzir a pobreza e a criminalidade no país.

Ao mesmo tempo, representa uma reparação social histórica que, para muitos defensores do marco regulatório no Brasil, precisa acontecer também por aqui.