Afinal, de onde vêm as emissões de gases de efeito estufa no Brasil?

Via desmatamento ou pela fermentação entérica dos animais, a pecuária puxa a fila dos vilões locais do aquecimento global

Afinal, de onde vêm as emissões de gases de efeito estufa no Brasil?
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Na corrida para conter a emergência climática, o debate global tem se concentrado na  substituição de fontes de energia sujas, como carvão e petróleo, por limpas, como solar e eólica. 

Mas, enquanto ocupa a posição de sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo ao mesmo tempo em que apresenta uma matriz energética majoritariamente limpa, o Brasil tem seus próprios vilões do aquecimento global.

A falta de conhecimento e debate a respeito de quais são as principais fontes de emissões brasileiras turva o caminho para que se busquem soluções para a realidade local.

Afinal, em um país que minimiza o uso do carvão, de onde vêm as emissões brasileiras de gases de efeito estufa? 

1. Mudanças do uso da terra e desmatamento

Quase metade dos gases de efeito estufa que o Brasil joga na atmosfera são provenientes do que os pesquisadores chamam de “mudanças no uso da terra”. 

Em 2019, essa categoria respondeu por 44% do total das emissões brasileiras, algo em torno de quase 1 bilhão de toneladas, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima que realiza levantamentos anuais a partir de dados de relatórios governamentais, institutos, centros de pesquisa, entidades setoriais e organizações não governamentais.

As tais ‘mudanças no uso da terra’ nada mais são do que a retirada da vegetação nativa e a exploração de recursos naturais. O processo de desmatamento e degradação florestal gera a decomposição da matéria orgânica do solo, aumentando as emissões de gases do efeito estufa.

O percentual brasileiro é alarmante porque supera em muito a média global. Em 2018, segundo o Climate Watch, apenas 6,5% das emissões globais foram resultantes de mudanças do uso da terra. 

O número também é alto porque é preciso levar em conta que a floresta amazônica tem 5 milhões de quilômetros quadrados e representa 67% das florestas tropicais do mundo, levando em consideração apenas a Amazônia Legal.

“Os grandes vilões são os desmatamentos e as queimadas. Esse tipo de emissão dobrou na última década”, diz Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade, o ICS.

Boa parte tem como destino a pecuária: operações de grilagem, ocupação de terra e as queimadas de madeiras têm como objetivo  transformar regiões em pastos de baixa qualidade após o desmatamento.

Segundo o instituto Imazon, o desmatamento da Amazônia cresceu 51% entre agosto de 2020 e junho de 2021, com mais de 8 mil km² de área verde devastada. Foi o maior índice de desmatamento em uma década. Somente em junho deste ano, de acordo com o Inpe, a Amazônia perdeu mais de 1 mil km² de floresta nativa.

Políticas de zerar o desmatamento ou de “desmatamento net-zero”, em que a mudança no uso da terra pode ser compensada com o replantio de árvores em outro local, podem auxiliar na mudança desses números atuais, dizem os especialistas. O problema é que isso não está sendo feito como deveria.

No Acordo de Paris, firmado em 2015, o Brasil se comprometeu a reduzir o desflorestamento para reduzir em 37% as emissões de gases até 2025, o que significaria emitir 1,2 bilhão de toneladas. No entanto, o governo brasileiro afrouxou a meta no fim do ano passado, colocando como objetivo limitar as emissões em 1,7 bilhão de toneladas.

Segundo uma pesquisa realizada na Universidade Federal de Minas Gerais, a nova meta permite que o país desmate até 13,4 mil km² por ano até 2025, quase o dobro do limite anterior, que era de 7,4 mil km².

2. Agropecuária (os puns e arrotos do boi)

As mudanças no uso da terra não englobam as atividades de agropecuária e, no Brasil, onde o PIB do agro é maiúsculo, essa é outra enorme fonte de emissões.

O segmento responde por 28% das emissões diretas de gases de efeito estufa. Foram quase 593 milhões de toneladas emitidas em 2019, com aumento de 1,1% em relação a 2018. Em 20 anos, o crescimento foi de 50% em relação aos 402 milhões de toneladas de gases emitidos em 1990. 

Aqui, de novo, a pecuária é um dos maiores focos de emissão: a maior parte dos gases de efeito estufa (61%) vem da chamada “fermentação entérica”, parte do processo digestivo dos animais.

Em outras palavras, são os gases (principalmente metano, dezena de vezes mais potente que o CO2) emitidos nos arrotos e nas flatulências de animais como vacas, cabras e ovelhas. Foram 366 milhões de toneladas de emissões de fermentação entérica só em 2019.

As operações de manejo de solo, que incluem as práticas de cultivo, cultura, correção e fertilização da terra, responderam por 192 milhões de toneladas das emissões de agropecuária, ou 32%.

O restante fica dividido entre o manejo de dejetos animais (3,9%), o cultivo de arroz (1,8%) e a queima de resíduos agrícolas (0,9%). O cultivo de arroz é contabilizado de forma separada de outras culturas porque a irrigação do grão gera um processo único de emissão de metano.

3. Energia: Transportes e Eletricidade

É apenas em terceiro lugar que aparece a matriz energética brasileira. 

O segmento foi responsável por 19% do bolo em 2019,contabilizando as emissões fugitivas (involuntárias e decorrentes de equipamentos sob pressão) e aquelas causadas pela queima de combustíveis derivados de petróleo, além de carvão mineral.

Apesar de não ocupar a liderança, o setor energético é um dos que mais preocupa especialistas por causa das taxas de crescimento. Entre 1990 e 2019, as emissões do setor de energia aumentaram 114%, fazendo com que sua participação no total quase dobrasse dos 10% registrados no início da década de 1990.

O setor é amplo e engloba desde a produção e o uso de combustíveis para áreas como transporte até a geração de eletricidade e o consumo energético industrial, residencial, comercial, público e agropecuário.

Nessa salada de emissões, as categorias que mais contribuem para lançar gases na atmosfera são os transportes e a geração de eletricidade.

Os modais de transporte de cargas e de passageiros foram responsáveis por 47% das emissões em 2019.

As fontes de geração de eletricidade vêm depois dos transportes dentro do setor de energia. 

A matriz energética brasileira é uma das mais renováveis do planeta, o que explica a falta de protagonismo do segmento na questão climática. De acordo com um estudo feito pela Empresa de Pesquisa Energética, 83% da geração de energia no Brasil em 2019 veio de fontes renováveis. A média global é de apenas 25%.

Os números mostram que o histórico de emissões desta subcategoria é um dos que mais variou nos últimos anos. E isso deve-se, principalmente, à redução do uso de usinas termelétricas nos últimos anos.

Em 2019, a geração de eletricidade foi responsável por mais de 53 milhões de toneladas de gases emitidos na atmosfera, um aumento de 7% em relação a 2018. Por outro lado, houve redução de mais de 32% das 78,2 milhões de toneladas registradas em 2015.

O percentual, porém, pode voltar a aumentar nos próximos estudos por conta da crise hídrica que o país atravessa com o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas. A geração de energia por termelétricas já bateu recordes diários em 2021. Em junho, a geração foi de 19,2 mil megawatts médios, superando os 15,8 mil MWmed registrados na crise energética de 2014.

4. Processos industriais e resíduos

Por último na cadeia brasileira de emissões estão as categorias que englobam os processos industriais e os resíduos.

A primeira responde por 99 milhões de toneladas de emissões, quase o dobro do registrado em 1990 e número que vem se mantendo estável na última década. Juntas, a produção de metais e de minerais responde por mais de 75 toneladas das emissões dos processos industriais. 

Emissões de hidrofluorcarbonetos (HFCs), indústria química, uso não energético de combustíveis, uso de solventes e uso de Hexafluoreto de enxofre (SF6) respondem pelo restante.

Já os resíduos representaram 4,4% do total em 2019. O número é quase três vezes maior do que em 1990. O lixo tem como destino aterros, lixões, tratamento biológico, incineração ou queima a céu aberto e tratamento doméstico ou industrial.