A Octa quer dar um banho de loja nos desmanches de carro

Startup cria marketplace para conectar vendedores de veículos no fim da vida útil e oficinas que fazem o desmonte e a recuperação de peças e materiais recicláveis

O fundador e CEO da Octa, Arthur Rufino
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As regras para desmontar veículos e reciclar peças dentro da lei existem há oito anos, mas a palavra desmanche ainda é associada a negócios com um pé na ilegalidade.

Arthur Rufino conhece esse estigma de perto: ele trabalhou durante 20 anos na maior recicladora de veículos do Brasil, a JR Diesel, fundada por seu pai, Geraldo Rufino.

No final de 2020, ele saiu do negócio da família porque enxergou uma oportunidade de empreendimento num setor que conhece e que tem a chance de gerar impacto social e ambiental – além de um enorme mercado potencial.

A Octa, startup que Rufino fundou em sociedade com a venture builder Fisher, é um marketplace completo para fechar o círculo que envolve os veículos no fim da vida útil: sua venda, desmontagem e a posterior comercialização das peças recuperadas ou dos materiais que serão reciclados.

A empresa acredita que pode causar impacto positivo em vários pontos dessa cadeia – e os investidores, também. A companhia acaba de receber um aporte de R$ 8 milhões, liderado pelo fundo de capital de risco de impacto Vox Capital.

O estalo que levou Rufino a conceber a Octa foi consequência de um trabalho de lobby político. No começo da década passada, a Assembleia Legislativa de São Paulo queria simplesmente proibir os desmanches.

“O argumento era que 70% dos latrocínios no Estado estavam relacionados a roubos de carro”, diz. Na época, ele já tinha criado processos internos na JR Diesel para garantir a procedência dos veículos comprados e também para certificar a origem das peças que seriam revendidas.

“Conseguimos usar essa nossa metodologia como base para uma regulamentação [do setor]”, afirma Rufino. O trabalho resultou em uma lei estadual e, depois, uma lei federal – conhecida como lei do desmanche – que disciplinou a atividade.

No primeiro ano de vigência da legislação, os roubos de carro caíram 26%, e os latrocínios, 17% em São Paulo. Foram as primeiras reduções da série histórica paulista, iniciada em 2002.

Embora não seja possível apontar uma relação causal e definitiva entre a lei e a queda nesses tipos de crime, os números foram suficientes para abrir os olhos de Rufino.

“Depois de 30 anos de existência da JR Diesel, ficou muito claro para mim que ali tinha um propósito”, diz ele. “A gente gosta de dinheiro e quer ganhar dinheiro, mas, quando percebi isso, a motivação mudou um pouco: como é que amplio esse impacto.”

Pé no acelerador

Desmonte e reciclagem de peças e materiais de veículos no fim da vida ainda são negócios muito pequenos no Brasil.

A Octa aposta que, com a criação de um marketplace com a garantia do cumprimento das leis, o mercado que hoje é de R$ 4 bilhões anuais possa realizar seu verdadeiro potencial, dez vezes maior.

Do lado dos desmanches, o primeiro passo é profissionalização e digitalização. As oficinas de desmanche muitas vezes são operações pequenas, comandadas por ex-mecânicos. A Octa criou um sistema para treinar e certificar esse lado da transação.

Em pouco mais de seis meses de operação, a companhia cadastrou 60 desmanches. Um dos principais destinos do aporte recebido será justamente aumentar essa base de compradores.

Nos cinco estados cujos Detrans implementaram a lei federal do desmanche – São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Goiás ­–, a estimativa é que haja entre 2.000 e 3.000 centros de desmonte homologados e aptos a operar dentro da lei.

Do lado dos vendedores de veículos, o foco por enquanto é em gestores de frotas, não no consumidor final. A companhia tem hoje 90 frotas no sistema, de vários tamanhos.

A Octa também já fechou com uma seguradora especializada em caminhões e está negociando com locadoras de carros. O Renovar, programa de renovação de frotas do governo federal, também é uma oportunidade de crescimento.

Circulando

O modelo de negócios da Octa se baseia na cobrança de comissões. Primeiro, sobre a compra e venda dos carros que passam pela plataforma. O percentual começa em 10%, mas pode cair conforme o volume transacionado pelo vendedor. No último trimestre do ano passado, o marketplace movimentou R$ 2 milhões, e a expectativa é chegar a R$ 25 milhões este ano.

Depois de “desmanchado”, começa um segundo ciclo para o veículo – e surge uma outra oportunidade de faturamento para a Octa.

Tipicamente, até 95% de um carro de passeio no fim da vida (e que não esteja inutilizado por um acidente) pode ser recuperado: 80% em peças e 15% em materiais recicláveis. Só 5% não têm salvação.

Dependendo do estado de conservação e do tipo, as peças podem ser revendidas diretamente, recondicionadas pelo fabricante ou até mesmo desmontadas para o uso de certos componentes.

E a reciclagem não para por aí. O aço pode ser vendido como sucata. E tudo isso pode ser vendido também dentro da plataforma.

Num veículo de uso específico como um carro-forte (que tipicamente não tem valor de revenda), a redução potencial de emissões depois da reciclagem pode chegar a 4 toneladas de CO2, diz Rufino.

Não é possível gerar créditos de carbono reciclando aço, mas “você pode devolver isso para o frotista como um selo de responsabilidade ambiental,” diz Rufino.

Um dos trabalhos que a empresa vai começar com a equipe da Vox é justamente entender como calcular o impacto socioambiental do negócio.

“Temos uma indicação do impacto na segurança pública porque os números de roubos [de carro] nunca tinham caído antes da lei do desmanche. Mas não podemos estabelecer com certeza [essa relação]”, afirma o empreendedor.

Tornar mais palpável esse efeito multiplicador da empresa é uma das expectativas de Rufino. A outra, claro, é crescer o negócio – um talento que seu pai, um self-made man que hoje é um palestrante requisitado, já demonstrou ao transformar a JR Diesel no maior desmanche do Brasil.

Um dos benchmarks da Octa é a americana LKQ, uma mega desmontadora de carros. A companhia tem ações negociadas em bolsa e vale US$ 12,6 bilhões.

Em princípio, o plano não é operar os próprios desmanches, como a LKQ. Mas Rufino acredita que, com o avanço da economia circular, grandes empresas possam se interessar por esse negócio, operando redes de oficinas.

Outra mudança que ele espera – mas que está fora do seu alcance – vem dos dicionários. “Até hoje a definição do Aurélio para ‘desmanche’ não leva em conta a atividade legal.”