Ainda que venham avançando na implementação de práticas ESG, os bancos latino-americanos ainda estão atrasados em avaliar e quantificar um risco iminente e que pode transformar completamente seus negócios: o impacto do aquecimento global sobre seus balanços.
Um levantamento feito pela Unep-FI, o Programa Meio Ambiente — Iniciativa Financeira da ONU, mostra que as instituições financeiras da região tendem a perceber os riscos apenas da perspectiva de como as empresas da carteira impactam o ambiente. Mas estão com um ponto cego na mão contrária: pouco avaliam e quantificam o grau de exposição dessas empresas às mudanças trazidas pelo aquecimento global.
Na amostra consultada, 41% dos bancos não levantam nenhum tipo de informação para avaliar riscos climáticos e 34% o fazem apenas de maneira qualitativa. Só um quarto tem algum tipo de métrica quantitativa para esses riscos.
Foram ouvidas 78 instituições, das quais 11 brasileiras, numa pesquisa que contou com a parceria com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e a Federação Latino-Americana de Bancos (Felaban).
O estudo dá um retrato regional da compreensão de um tema sobre o qual o mundo todo está se debruçando em meio à tomada de consciência tardia sobre a emergência climática, com a Europa liderando o processo.
A América Latina é especialmente sensível à questão, seja pela incidência de eventos climáticos extremos, seja pelos chamados ‘riscos de transição’, como o impacto de regulações mais duras ou implementação de políticas de precificação de carbono.
De acordo com o Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment da London School of Economics (LSE), o Brasil e a Argentina são os países do G20 mais expostos ao endurecimento das políticas climáticas e anti-desmatamento nos próximos dez anos devido à sua dependência de commodities agrícolas, como soja e criação de gado, que dependem do capital natural para sua produção.
TCF-o-quê?
A pesquisa avaliou a aderência dos bancos às diretrizes da Task-Force on Climate Related Disclosures (TCFD), o framework gestado dentro do comitê de estabilidade financeira do G20 para mensurar e quantificar os impactos das mudanças climáticas dos negócios.
O grau de conhecimento é baixo: apenas 12% dos consultados afirmam ter conhecimento avançado sobre o TCFD.
Ao mesmo tempo, os incentivos para que implemente a avaliação de riscos climáticos nas instituições latino-americanos ainda são pequenos.
Da amostra analisada na pesquisa, 70% dos bancos não têm metas corporativas ou para executivos que refletem um compromisso com a gestão de riscos e oportunidades associadas às mudanças climáticas.
E os 29% que apresentam algum tipo de meta o fazem olhando mais para dentro do que para fora: orientam-se pela gestão ambiental interna, como redução das emissões de CO2 do próprio banco, mas não em outras instâncias, como financiamentos de projetos, carteira de clientes ou oferta de produtos e serviços.
Só 17% dos bancos usam um preço interno de carbono para balizar sua estratégia.
Algumas confusões de conceito também chamaram a atenção dos pesquisadores.
Quando questionados sobre os principais riscos físicos a serem incorporados na gestão climática, em 24% do casos houve respostas que não correspondiam à pergunta, como terremotos (!) ou riscos reputacionais, que nada têm de físicos.
“Isso mostra a falta de conhecimento sobre a taxonomia dos riscos climáticos e a necessidade que temos de alinhar esses conceitos na região”, disse Carolina Yazmín López, coordenadora global de capacitação da Unep-FI, na apresentação do estudo.
Brasil é destaque positivo — mas com desafios
A pesquisa não abriu os dados por bancos, mas a avaliação é que aqueles de maior porte estão mais avançados na agenda climática — o que coloca o Brasil à frente na região. Apesar de representarem 14% da amostra, as instituições nacionais são de longe as maiores: representam 85% dos ativos sob gestão do universo consultado. (México, Colômbia e Chile ficaram de fora da pesquisa)
Os seguintes bancos nacionais participaram da pesquisa: Itaú, Bradesco, BB, BNDES, Safra, Triângulo, Votorantim, Caixa, China Construction Bank Brasil, Santander e Sicredi.
Itaú e Santander foram apontados como destaques positivos no levantamento.
Mas num segmento em que as metodologias estão sendo construídas, mesmos os líderes no processo na região ainda apontam dificuldades.
“É difícil trazer esses riscos climáticos para o modelo de risco. A gente está estudando bastante, mas ainda não encontrou a melhor maneira. Por exemplo, precificação de carbono já está na avaliação da asset, já está na avaliação de riscos de operações de project finance. Mas ainda não é uma coisa amplamente implementada no banco, estamos aprendendo a fazer”, disse o gerente de negócios sustentáveis do Itaú, Guido Paiva, ao Reset.
O banco tem o compromisso público de implementar o TCFD até 2022 e, em um modelo feito internamente, calcula que hoje está 64% aderente ao framework.
O Santander, por sua vez, tem uma meta global de alinhar sua carteira com os objetivos do acordo de Paris e tem uma equipe voltada para a adesão ao TCDF em Madrid, implementando uma série de medidas a nível global.
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